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10.3.11

A Invenção da Natureza 

Henrique Silveira – crítico

Concerto da Akademia Für Alte Musik, com Ariadne Daskalakis em violino e a participação do bailarino e coreógrafo basco Juan Esnaola. Grande Auditório da Gulbenkian, sala esgotada.
No programa os Elementos de Rebel (1666-1747) e as Quatro Estações de Vivaldi (1678-1741). Versões coreografadas em que a orquestra participa, sobretudo nas quatro estações.
Unir Rebel a Vivaldi fazia sentido à priori, ambas as obras são motivadas pela Natureza, sendo a obra de Rebel, com uma instrumentação muito mais elaborada incluindo flautas, oboés e percussão, uma verdadeira obra prima da invenção. Desde o caótico aglomerado de notas inicial representando o Caos Inicial, os elementos em Rebel não são apenas a Terra, a Água, o Fogo e o Ar, encontramos também o Amor e, nas danças que compõem a obra, surge também o canto imitativo dos rouxinóis e outros elementos figurativos, como as quedas de água, as montanhas, as florestas e as flores.
Nesta obra tão emblemática Juan Esnaola dançou o Caos, aparecendo em palco com uns esgares horrendos e uns trejeitos de momo, cheguei a interrogar-me se o bailarino estava a tentar parodiar, com evidente mau gosto, a paralisia cerebral. O lado musical foi o elemento mais interessante com a orquestra em grande virtuosismo a dar um colorido verdadeiramente pujante e uma dimensão telúrica da obra extraordinária de Rebel, que algumas desatenções no início, inadmissíveis num agrupamento deste nível, mancharam.
Sem intervalo sucecederam-se as Quatro Estações, obra conhecida e interpretada ad nauseam por tudo o que é ensemble barroco do mundo inteiro, aqui a leitura do coreógrafo continuou a ser literal: os sonetos que servem de mote ao Vivaldi no programa da obra, foram escrupulosamente seguidos, tivemos lareira em palco e patinadores no gelo no Inverno, tivemos caçada com os instrumentos a fingirem de espingarda com folhas espalhadas pelo palco, no Outono. A trovoada e a tempestade de Verão foram particularmente bem conseguidas. Os músicos simularam cortejos, atiraram aviões de papel, tocaram em cima de escadotes, quase toda a orquestra a tocar de cor e todos se envolveram na recriação artística de Esnaola. A solista Ariadne Daskakis tocou e dançou, tocou pendurada de cabeça para baixo, tapada com um lençol, com neve de papel a cair em cima, folhas secas, deitada no chão, sentada, em cima de um escadote. Evidentemente a música saiu a perder, desafinação constante e falta de estabilidade do som foram as notas dominantes. Foi uma visão inovadora das Quatro Estações, que ouvidas até à exaustão anteriormente, aguentam bem estes tratos de polé para se poder encontrar a outra dimensão escondida da obra. Também só faltava tocá-las de pernas para o ar depois de cada grupo ter tentado ser “inovador” na sua abordagem.
Se na primeira obra venceu a música, na segunda venceu a performance. Um espectáculo interessante, que acabou por ser pobre em dança e em música mas que ganhou na soma das partes.
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o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional

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