10.3.11
Horror em Bach
Seis suites de Bach para violocelo na Gulbenkian
Henrique Silveira - crítico
Jean Guihen Queyras, 43 anos, canadiano residente em Fraça, apresenta-se como aquelas coqueluches típicas de Paris. Isto reflecte-se em discos premiados, em fotos de charme, e na loucura que envolve os seus concertos em França. Toca num violoncelo de 1696, um Gioffredo Cappa, emprestado pela Societé Générale. A peça de arte de Cappa foi “modernizada”: tem um cavalete mais alto, um ângulo muito superior do braço e cordas de aço.
Imagine-se que um quadro de Leonardo não se via de longe, pedia-se ao pintor “Zé dos Bigodes” para lhe avivar as cores! Isto acontece com instrumentos antigos para soarem ao “gosto” moderno, melhora o som...
Queyras deu-nos a 18 de Dezembro um concerto com a integral das suites, 140 minutos de música. A ordem sequencial das suites foi alterada, Queyras tocou na primeira parte as suites 1, 4 e 5 e na segunda parte as suites 2, 3 e 6. É uma escolha acertada pois a suite nº 5 pede a reafinação do instrumento: a corda mais aguda seria aqui baixada um tom, de lá para sol, o que se chama “scordatura”. A recuperação da afinação exige algum tempo de estabilização.
O que nos surpreendeu de início, e se agravou até ao final, foi a fraca qualidade técnica do instrumentista, notas assobiadas e guinchos (violoncelo rachado?), desafinação constante muito evidente nas passagens a duas cordas, pouca fluidez nas passagens mais rápidas, com destaque para uma trágica “courante” na suite nº1 com notas comidas e uma velocidade excessiva.
O ritmo em Queyras é uma noção vaga e subjectiva. Bach por este instrumentista é uma espécie de compositor passível de ser tocado no tempo que se quer em cada compasso, toda a retórica se perde neste pára arranca sacudido e engasgado. Queyras chegou ao extremo de tocar semicolcheias mais lentas do que colcheias num mesmo compasso da sarabade nº 2, transformando o ritmo ternário numa papa rítmica informe. A articulação é sacudida por: passagens de corda imperfeitas que estragam o legato escrito por Bach, v.g. Sarabande da suite nº5; invenção do legato onde Bach não o escreveu. Por outro lado sempre que há saltos para o grave, Queyras perde um tempo infinito, quebrando o discurso. Todo o discurso das danças originais se perdeu.
Queyras não tem um violoncelo de cinco cordas, com uma corda afinada em mi agudo, necessário para a sexta suite. Resolveu vandalizá-la no seu violoncelo de quatro cordas. Tivemos agudos baços, penosos e desafinação horrível, o mote constante deste remate azedo para um concerto miserável. Um extra de segundos de Kurtag, compositor acessível a Queyras, acabou com o tormento.
o
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional
Henrique Silveira - crítico
Jean Guihen Queyras, 43 anos, canadiano residente em Fraça, apresenta-se como aquelas coqueluches típicas de Paris. Isto reflecte-se em discos premiados, em fotos de charme, e na loucura que envolve os seus concertos em França. Toca num violoncelo de 1696, um Gioffredo Cappa, emprestado pela Societé Générale. A peça de arte de Cappa foi “modernizada”: tem um cavalete mais alto, um ângulo muito superior do braço e cordas de aço.
Imagine-se que um quadro de Leonardo não se via de longe, pedia-se ao pintor “Zé dos Bigodes” para lhe avivar as cores! Isto acontece com instrumentos antigos para soarem ao “gosto” moderno, melhora o som...
Queyras deu-nos a 18 de Dezembro um concerto com a integral das suites, 140 minutos de música. A ordem sequencial das suites foi alterada, Queyras tocou na primeira parte as suites 1, 4 e 5 e na segunda parte as suites 2, 3 e 6. É uma escolha acertada pois a suite nº 5 pede a reafinação do instrumento: a corda mais aguda seria aqui baixada um tom, de lá para sol, o que se chama “scordatura”. A recuperação da afinação exige algum tempo de estabilização.
O que nos surpreendeu de início, e se agravou até ao final, foi a fraca qualidade técnica do instrumentista, notas assobiadas e guinchos (violoncelo rachado?), desafinação constante muito evidente nas passagens a duas cordas, pouca fluidez nas passagens mais rápidas, com destaque para uma trágica “courante” na suite nº1 com notas comidas e uma velocidade excessiva.
O ritmo em Queyras é uma noção vaga e subjectiva. Bach por este instrumentista é uma espécie de compositor passível de ser tocado no tempo que se quer em cada compasso, toda a retórica se perde neste pára arranca sacudido e engasgado. Queyras chegou ao extremo de tocar semicolcheias mais lentas do que colcheias num mesmo compasso da sarabade nº 2, transformando o ritmo ternário numa papa rítmica informe. A articulação é sacudida por: passagens de corda imperfeitas que estragam o legato escrito por Bach, v.g. Sarabande da suite nº5; invenção do legato onde Bach não o escreveu. Por outro lado sempre que há saltos para o grave, Queyras perde um tempo infinito, quebrando o discurso. Todo o discurso das danças originais se perdeu.
Queyras não tem um violoncelo de cinco cordas, com uma corda afinada em mi agudo, necessário para a sexta suite. Resolveu vandalizá-la no seu violoncelo de quatro cordas. Tivemos agudos baços, penosos e desafinação horrível, o mote constante deste remate azedo para um concerto miserável. Um extra de segundos de Kurtag, compositor acessível a Queyras, acabou com o tormento.
o
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional
Etiquetas: Crítica de Concertos, Crítica de Recitais, Gulbenkian
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