22.5.08
Tosca no S. Carlos
Pré balanço de uma temporada em forma de lamento
Não, não estou a fazer boicote ao S. Carlos. Ainda não fui ver a Tosca de Puccini no nosso teatro de ópera por mero acaso.
E por acaso, também, acho a ópera bastante primária, no sentido em que tudo é directo e vem das entranhas, sem reflexões ou alusões secundárias ou terciárias, sem mensagens subliminares. É aquilo a que se chama "ópera em estado puro" onde os sentimentos mais básicos decorrem livremente: política, amor, sexo, ciúmes, chantangem, violência, crime, martírio e mentira, numa história que não pára para pensar servida por uma música que não pára para pensar e não deixa pensar, não interroga. Uma música que serve a tragédia em dose linear e com um rumo preciso, com um génio melódico sem par e um gosto marcadamente popular.
É a esta ópera primária a que eu não tenho ido assistir, razões de trabalho e de saúde, razões que seriam removíveis, provavelmente, se a força desta ópera me puxasse mais, se os intérpretes fossem melhores, se a encenação datada e já vista de Carsen, e nada problemática e muito menos chocante, me espicaçasse a curiosidade. A Tosca num teatro em vez de uma igreja? Nada de especeial, Dresden já teve uma igreja católica que antes era teatro de ópera e ninguém se chocou, muito menos o Papa de então, que aproveitou uma falsa conversão política de Augusto o Forte, tudo valia de forma a obter a coroa da Polónia, para expandir um pouco a fé nos domínios luteranos da Saxónia do tempo de Bach, Heinichen, Hasse e Zelenka.
Enfim, uma péssima temporada de ópera. Intérpretes, até à presente Tosca, entre o péssimo e o sofrível (estes louvados como se fossem grande estrelas à falta de melhor), encenações miseráveis, produções indigentes e um favoritismo inaceitável de uma produção em detrimento de todas as outras (a do sr. Emanuel Nunes) que não deiou por isso de ser péssima. Uma orquestra - já de si fraquinha - mal dirigida por maestros quase sempre canhestros e em certos casos incapazes. Um coro de berradores convulsivos e compulsivos a tentar escapar de uma espiral de anos de destruição finalmente dirigidos por um director relativamente capaz escolhido por Pinamonti. Uma direcção artística sem rumo nem destino, com uma programação pontual a fazer eventos que não interessam a ninguém e dedicando à ópera, principal desígnio do teatro, um número cada vez menor de récitas, apesar de multiplicar por dezenas as repetições de óperas, sendo estas quase sempre primárias e de gosto fácil, e onde se contam, a título estatístico, as operinhas para crianças em versão pacote de chá. Após um excepcional Wozzeck, nova produção da última temporada dirigida por Pinamonti, com cantores de nível mundial, com um encenador de primeira grandeza planetária e um maestro do mais alto nível (alguém que me desminta), temos repetições de Rigolettos, Toscas e Contos de Hoffmann às dezenas... com cantores de terceira e maestros de quarta.
É ofensivo para a inteligência, é a admissão de terceiro mundismo que Pinamonti tinha veementemente negado, é miséria atrás de miséria.
Por estas razões talvez não tenha grande vontade de adiar compromissos profissionais, ou até uma ida ao dentista, para poder ver e ouvir a estreia ou uma das récitas subsequentes de uma ópera primária. É caso estranho: preferi arrancar um dente do siso perfeitamente saudável do que ir ontem ao S. Carlos!
Elisabete Matos não tem culpa, Koenings, esse maestro, também ele, de segunda mas elogiado como se fosse muito bom (provavelmente porque não se arranja melhor), também não tem culpa, os outros cantores não têm culpa, ninguém tem culpa. Sou eu que estou farto, a culpa é aliás minha...
Vou também à Corunha um destes dias para o novo Festival dirigido por Paolo Pinamonti, vou a Valência ao Siegfried, vou a Bayreuth ver tudo, continuo a ir a Salzburg, vou a Praga no início da próxima temporada, Milão e Paris seguir-se-ão, Mannheim e Luxemburgo logo a seguir. Espero tirar a barriga de misérias e refrescar o sentido crítico e a capacidade de relativização, destruído por esta repetição de lixo operático sem fim, senão qualquer dia estou como o Pedro Boléo a elogiar uns quaisquer Contos de Hoffmann saídos do euro trash de Dammann...
Enfim, na sexta lá vou à Tosca, dizem-me que aquilo não é assim tão mau como o resto da temporada, espero ter a boa surpresa que esta temporada ainda não frutificou.
Não, não estou a fazer boicote ao S. Carlos. Ainda não fui ver a Tosca de Puccini no nosso teatro de ópera por mero acaso.
E por acaso, também, acho a ópera bastante primária, no sentido em que tudo é directo e vem das entranhas, sem reflexões ou alusões secundárias ou terciárias, sem mensagens subliminares. É aquilo a que se chama "ópera em estado puro" onde os sentimentos mais básicos decorrem livremente: política, amor, sexo, ciúmes, chantangem, violência, crime, martírio e mentira, numa história que não pára para pensar servida por uma música que não pára para pensar e não deixa pensar, não interroga. Uma música que serve a tragédia em dose linear e com um rumo preciso, com um génio melódico sem par e um gosto marcadamente popular.
É a esta ópera primária a que eu não tenho ido assistir, razões de trabalho e de saúde, razões que seriam removíveis, provavelmente, se a força desta ópera me puxasse mais, se os intérpretes fossem melhores, se a encenação datada e já vista de Carsen, e nada problemática e muito menos chocante, me espicaçasse a curiosidade. A Tosca num teatro em vez de uma igreja? Nada de especeial, Dresden já teve uma igreja católica que antes era teatro de ópera e ninguém se chocou, muito menos o Papa de então, que aproveitou uma falsa conversão política de Augusto o Forte, tudo valia de forma a obter a coroa da Polónia, para expandir um pouco a fé nos domínios luteranos da Saxónia do tempo de Bach, Heinichen, Hasse e Zelenka.
Enfim, uma péssima temporada de ópera. Intérpretes, até à presente Tosca, entre o péssimo e o sofrível (estes louvados como se fossem grande estrelas à falta de melhor), encenações miseráveis, produções indigentes e um favoritismo inaceitável de uma produção em detrimento de todas as outras (a do sr. Emanuel Nunes) que não deiou por isso de ser péssima. Uma orquestra - já de si fraquinha - mal dirigida por maestros quase sempre canhestros e em certos casos incapazes. Um coro de berradores convulsivos e compulsivos a tentar escapar de uma espiral de anos de destruição finalmente dirigidos por um director relativamente capaz escolhido por Pinamonti. Uma direcção artística sem rumo nem destino, com uma programação pontual a fazer eventos que não interessam a ninguém e dedicando à ópera, principal desígnio do teatro, um número cada vez menor de récitas, apesar de multiplicar por dezenas as repetições de óperas, sendo estas quase sempre primárias e de gosto fácil, e onde se contam, a título estatístico, as operinhas para crianças em versão pacote de chá. Após um excepcional Wozzeck, nova produção da última temporada dirigida por Pinamonti, com cantores de nível mundial, com um encenador de primeira grandeza planetária e um maestro do mais alto nível (alguém que me desminta), temos repetições de Rigolettos, Toscas e Contos de Hoffmann às dezenas... com cantores de terceira e maestros de quarta.
É ofensivo para a inteligência, é a admissão de terceiro mundismo que Pinamonti tinha veementemente negado, é miséria atrás de miséria.
Por estas razões talvez não tenha grande vontade de adiar compromissos profissionais, ou até uma ida ao dentista, para poder ver e ouvir a estreia ou uma das récitas subsequentes de uma ópera primária. É caso estranho: preferi arrancar um dente do siso perfeitamente saudável do que ir ontem ao S. Carlos!
Elisabete Matos não tem culpa, Koenings, esse maestro, também ele, de segunda mas elogiado como se fosse muito bom (provavelmente porque não se arranja melhor), também não tem culpa, os outros cantores não têm culpa, ninguém tem culpa. Sou eu que estou farto, a culpa é aliás minha...
Vou também à Corunha um destes dias para o novo Festival dirigido por Paolo Pinamonti, vou a Valência ao Siegfried, vou a Bayreuth ver tudo, continuo a ir a Salzburg, vou a Praga no início da próxima temporada, Milão e Paris seguir-se-ão, Mannheim e Luxemburgo logo a seguir. Espero tirar a barriga de misérias e refrescar o sentido crítico e a capacidade de relativização, destruído por esta repetição de lixo operático sem fim, senão qualquer dia estou como o Pedro Boléo a elogiar uns quaisquer Contos de Hoffmann saídos do euro trash de Dammann...
Enfim, na sexta lá vou à Tosca, dizem-me que aquilo não é assim tão mau como o resto da temporada, espero ter a boa surpresa que esta temporada ainda não frutificou.
Etiquetas: Crítica de Ópera, S. Carlos
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