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13.5.08

Fabio Biondi - Onde hei-de meter o violino? 

Idomeneo de Mozart em versão de concerto, dirige Fabio Biondi. Europa Galante e coro Opera Seria. cantores: Ian Bostrige (tenor) em Idomeneo Emma Bell (soprano) - Elettra, Jurgita Adamonyte (meio-soprano) - Idamante, Kate Royal (soprano) - Ilia e Benjamin Hullett (tenor) - Arbace.
Fundação Calouste Gulbenkian, segunda feira 12 de Maio, 19h.

Primeira nota. Não conhecia o Coro "Opera Seria Chorus", nem fiquei a conhecer, não descubro este agrupamento em lado nenhum e não figura nenhum currículo do agrupamento no programa da Gulbenkian. Um agrupamento em estreia na Gulbenkian? Ou será mais um coro ad hoc criado para esta tournée do Idomeneo?

Segunda nota: Direcção trapalhona de Biondi, sem exactidão, atrapalhado a virar páginas, atrapalhado a dar entradas, tocando umas notas aqui e ali sem o menor critério.

Terceira nota: a posição da cravista era simplesmente surrealista, de costas para maestro e cantores solistas, sem ser vista por estes nem vendo os mesmos, virada para os contrabaixos e violoncelos...

Quarta nota: um naipe de trompas excepcional, impecável Dileno Baldin na primeira trompa. Oboés fraquinhos chefiados por um Beaugirard muito irregular.

Quinta nota: coro indiferente, frio e pouco coeso, vozes brancas e pouco interessantes, sem paixão nem glória, sem exactidão nem paixão. Foi a elegância fria de um Mozart sem verve.

Sexta nota, vozes solistas:
1. Ian Bostridge incapaz para o papel, sem dramatismo, cantando de pescoço torto e de boca à banda, o que é ensinado por qualquer especialista em canto como muito prejudicial para uma boa emissão. Voz sem cor nem brilho, agudos muito baços, graves mais roucos do que baritonais. Muita frieza, algum maneirismo, muito bater de pé no chão ("quem não tem o ritmo no coração bate com o pé no chão") e muito pouca inteligência mozarteana, sempre com muita falta de souplesse.
2. Emma Bell, voz cansada e roufenha, descontrolo vocal, fortíssimos deslocados e disparatados, histeria e vibrato de arrepiar. Graves desgrenhados, agudos sem brilho. Apenas uma voz grande sem alma nem estilo, conseguiu superar um pouco a mediania na ária final, onde foi salva pela histeria da própria ária.
3. Jurgita Adamonyte foi a surpresa da noite, elegante, sóbria, utilização com uma contenção extraordinária da voz, subtil doseamento de um vibrato muito suave e aplicado apenas como recurso estilístico e não como ferramenta essencial para disfarçar o descontrolo vocal. Mozarteana de primeira água, leu com grande elegância quer nas árias como, sobretudo, nos recitativos. Tem uma voz doce, jovem e bem timbrada. Belíssima prestação.
4. Kate Royal, nem tão mal como Bell, ou tão descolorida como Bostridge, entrou desastrosa, voz fria, cansada nos graves, vibrato arrepiante nos agudos, berrou como pode. Depois foi-se contendo, mostrou cansaço vocal ao longo de toda a noite mas nas árias mais suaves e doces conseguiu mostrar sensibilidade e bom senso. Chegou a encantar no terceiro acto.
5. Benjamin Hullet foi muito sóbrio. Seguro, de voz bonita, sem maneirismos, cantou com grande segurança. Tem belos agudos e mostrou um belo estilo, sendo no entanto algo quadrado na interpretação das subtilezas mozarteanas. Tem um excelente futuro à frente se não começar a cantar tudo o que lhe aparece.
6. Resumo dos solistas: na sua maioria uma desilusão. Royal e Bell, apesar da sua juventude, mostram vozes marcadas por inúmeras interpretações em todo o lado, sem critério nem olhando a estilo interpretativo ou propriedades da voz.

Nota sete: orquestra fraquinha nos violinos, de som débil, em alguns casos, e pouco coesos, nada ajudados por uma direcção perfeitamente inacreditável de Biondi. Biondi pode ter trabalhado bem nos ensaios, mas em concerto a coisa só não foi um desastre total porque os músicos conseguiram ir ignorando indicações imprecisas, entradas fora de tempo dadas atabalhoadamente (mas tardiamente) porque antes tinha estado a dar umas notas no violino ou a virar a página com a única mão livre, gestos sem significado, entradas dois a três compassos antes do tempo, saindo do pódio para se colocar frente a frente com solistas como se estivesse a dirigir a banda do conservatório da aldeia. Felizmente os cantores, apesar da trapalhada de Biondi, lá foram entrando de forma segura.

Nota oito: Fabio Biondi deve decidir entre tocar violino ou dirigir... Podia dirigir sentadinho na primeira estante, o pior era o coro lá atrás, mas nessas passagens deixava o violino também sentadinho e dirigia de pé com as duas mãos. Imagine o leitor se o Fabio Biondi tocasse tuba ou contrafagote! Talvez ainda se safasse com um sousafone... pelo menos seria divertido.

Nota nove: nota-se que Biondi pretendia uma visão tumultuosa e apaixonada de Mozart. "Radical" dizia-me um amigo; conseguiu alguma agitação mas sempre à custa da coesão, da falta de transparência e, sobretudo, sem a menor elegância. A direcção de Biondi não destruiu Idomeneo de Mozart porque a música é tão bela e tão bem construída que se deixa sempre levar até ao fim e porque muitos dos elementos presentes na orquestra, coro e cantores solistas, foram suficientemente seguros e estavam preparados. Creio, ainda, que o trabalho de ensaio não deve ser tão absurdo como esta direcção com arco de violino, umas notas aleatórias dadas aqui e ali e uma mão direita polivalente que tudo consente. Por outro lado as sonoridades dos instrumentos são tão belas que o encanto acaba por se estabelecer. No entanto o disparate absurdo que começou na colocação do cravo e uma direcção errática e trapalhona foram, claramente, inimigas de uma interpretação de altíssimo nível.

Muito mais haveria a afirmar, saí da Gulbenkian com um certo vazio, esperava pouco mas mesmo assim esperava muito mais do que aquilo que escutei. Tudo me pareceu pouco coerente, acho este estilo inglês do coro e das vozes entre o muito frio (a maioria) e o exagero (Emma Bell) e pouco dotado para a subtileza e dramatismo deste Idomeneo.

Não penso que este seja um Idomeneo convincente mas acrescento em abono da verdade que preferi ter ido à Gulbenkian do que ter ficado por casa, apesar dos defeitos, Mozart é sempre Mozart e tive algumas boas revelações.

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