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5.6.07

Uma voz por parte 

Tenho entre as minhas mãos o CD alpha 79. Um disco já antigo de 2005. Um disco de perplexidades, como diria o outro. Arthur Schoonderwoerd, um pianista de grande talento e sensibilidade num instrumento de mecânica vienense de Johann Fritz, um instrumento cuja datação se situa entre 1807 e 1810. A orquestra Cristofori e Schoonderwoerd, em instrumentos originais, tocam os dois últimos concertos para piano e orquestra de Beethoven, dirige o próprio pianista.
Um disco algo estranho, a orquestra está reduzida a dois míseros violinos, primeiro e segundo, duas violas, dois violoncelos e um contrabaixo, sete cordas. Os sopros seguem a orquestração de Beethoven,
É um disco estranho, as sonoridades são verdadeiramente belas mas de câmara, o segundo andamento do concerto op. 58 é um maravilhoso mundo de sombras e nuances, não se vislumbra a força bruta que tantas vezes se opõe ao piano num duelo entre um bruto e Orfeu. Dir-se-ia antes um diálogo de sonhos sombrios e de sonoridades frágeis.
Tenho ouvido este disco nestes últimos dias, a par da maravilhosa missa em si menor de Bach por Frieder Bernius. Acho a música de Beethoven incrivelmente bem tocada neste disco, o ritmo é propulsivo sem correr desenfreadamente, a respiração faz viver a música, o piano tem um som lindíssimo, a mecânica é delicada e sensível, o som do piano é doce mas... ouvir os diálogos entre o piano e o primeiro violino, ou o segundo? Ouvir uma orquestra sem massa? E ir descobrindo, por outro lado, a filigrana transparente de toda a estrutura. Os sopros são perfeitos, os tímbales soam perfeitos mas há realmente algo que falta, falta o dramatismo, falta a presença dos violinos. Eu sei que um piano destes mal se ouve numa grande sala, que uma orquestra grande abafaria o piano, mas não foi Beethoven quem se queixou toda a vida do débil som que os seus instrumentos produziam?
E como o disco lá está a tocar, mais uma vez, ouço agora, e de novo, os diálogos com os sopros, flautas, oboés, fagotes, que beleza, que trompa! Momentos de um riqueza tímbrica sem par, e logo a seguir a "orquestra" no seu peso total e, mais uma vez, a insatisfação... falta algo, falta aquilo a que habitualmente chamamos Beethoven, é o próprio Beethoven que falta. É o respeito pelo homem e pelo artista que falta aqui, não, este disco é apenas uma bela, maravilhosa, oportunidade perdida.
Sei que a sala onde se estreou o concerto apenas tinhas lugar para 23, 24 instrumentistas, nesta gravação estão 21 (op. 58) e 22 (op. 73), contando com o piano. Mas não será fundamentalismo tonto querer levar o rigor histórico ao exagero de fazer estas obras, sobretudo no concerto op. 73 que é uma obra monumental, com dois violinos? É evidente que na altura de Beethoven as cordas graves estavam mais presentes do que hoje, em proporção bem entendido, mas fazer esta gravação com dois violinos? Ouço agora os primeiros compassos do concerto op. 73, o piano realiza o baixo contínuo nos tutti, os sons são belíssimos, os instrumentistas notáveis, mas onde está a lógica disto tudo? Mais três violinos e a gravação seria um paradigma, resta um acto falhado, apesar da beleza do som, apesar do piano, apesar da interpretação subtil de Schoonderwoerd, apesar das sonoridades históricas.

Mesmo tendo em conta que este disco é, para mim, uma oportunidade perdida, prefiro o trabalho sério de Schoonderwoerd à anedota musical Lang Lang. E páro de escrever para escutar de novo, e com mais atenção, o primeiro andamento do op. 73. Uma voz por parte: que absurdo, mas tão bem tocado!

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