2.6.07
O melhor e o pior da ópera italiana - Macbeth no S. Carlos
O Macbeth in breve.
Ópera italiana no seu explendor
Música de Verdi: entre o sublime e o pífio. O bailado de Paris é infame e descabido na acção. A música reflecte demasiados tiques convencionais mas Verdi é um compositor que consegue transcender o tempo.
Libreto de Piave: a léguas de Shakespeare, consegue banalizar o texto original, chega a ser ridículo em algumas tiradas.
Teatro não transcendente mas bem pensado
Encenação de Elena Barbalich bem concebida, sobre o escuro, muito boas as movimentações de conjunto dos coros e das cenas das bruxas. Óptima a composição das luzes de Michele Vittoriano, figurinos de Tommaso Lagattolla demasiado banais e de "época", não transcendem, a cenografia do mesmo autor é muito bela. Nota-se que a equipa italiana de Salerno trabalhou de forma perfeita.
Único senão criticável: totalmente imbecil a cena do bailado em que três criancinhas andam aos pulinhos pelo palco ao som de uma música pavorosa enquanto Macbeth dorme um sono atormentado, do pior de Verdi, piroso cenicamente, descabido no contexto da acção, a convenção operática ao pior nível e não resolvida pela encenadora, não tivemos os espíritos sob a forma das bailarinas parisienses, tivemos umas criancinhas armadas em patetas no palco, é barato e o público gosta de ver os pimpolhos por ali, sucesso garantido...
Direcção de actores entre o bom, caso dos actores masculinos e o péssimo: caso do esbracejamento constante de Theodossiou, simplesmente horrível e de mau gosto.
Um mau pirolito datado
Direcção musical de Antonio Pirolli: pouco empolgante, morna e tecnicamente fraca. Não acompanhou a orquestra nem lhe deu segurança, não conseguiu segurar os cantores, a ópera decorreu aos solavancos, a música nunca andou para a frente a um ritmo perfeito, sempre a atrasar e a arrastar. O coro esteve trágico no final do segundo acto, horror puro por incapacidade técnica dos cantores não superada pelos maestros (de coro e principal).
A orquestra esteve também péssima, a abertura foi um desastre de direcção musical, sem nexo ritmico e dramático e com os violinos a desafinar e com um som esganiçado, magro, horrendo. Pizzicati de rir e chorar por mais, acho que não houve um único que tenha saído coeso, uma autêntica caricatura do que era a ópera italiana há cem anos atrás.
Actores e vozes
Johan Reuter - Macbeth. Um cantor com grande presença, um actor que não compromete. Uma belíssima composição, cantando sem excessos vocais, equilibrado, todos os registos suaves e consistentes, o melhor a par de Furlanetto. Belíssima a cena em que interroga as bruxas, a interpretação musical é perfeita, a mostrar-se a um nível muito elevado na cena que precede a sua derrota. Consegue aguentar-se nos duetos com Theodossiou, é ele o motor rítmico fazendo a música andar para a frente apesar da tendência para arrastar da "partenaire", gostei de ouvir o último dueto em que Reuter se esteve nas tintas para a "diva de pacotilha" e cantou a tempo deixando a desgraçada da Theodossiou andar atrasada aflitíssima e aos bonés sem conseguir apanhar a linha. Um verdadeiro protagonista e um cantor de primeira água.
Dimitra Theodossiou - Lady Macbeth. O horror em palco, ela tem que ser má, foi péssima, como actriz esbracejou, do pricípio ao fim da ópera, como se estivesse numa discussão de varinas. Atrasa constantemente nas notas longas demonstrando falta de sentido musical e demasiado ego, atrasa nas cenas de conjunto acabando as frases sempre depois dos outros, ficando a ouvir-se o guincho interminável da senhora mais de um compasso depois do ponto onde deveria ter saído. Atrasa nas frases rápidas por falta de articulação, canta os dois primeiros actos invariávelmente em fortíssimo dando apenas um pianíssimo no final de uma das árias para mostrar que sabe apianar, mas aí, azar, a voz quebra. Recorre a portamentos depois de começar a ficar cansada de tanto espectáculo e a não acertar com a nota. O vibrato nos agudos em fortíssimos faz lembar o de Natália de Andrade quando se descontrola, o que é frequente, oscilando a nota mais de meio tom. Tapa toda a gente nas cenas de conjunto com guinchos sem par. Tem realmente umas belíssimas goelas para a berraria constante dos dois primeiros actos, que chega a ser dolorosa, mas tudo o resto falta, o timbre é estridente e feio, o mau gosto musical e teatral é confrangedor. O ego é demasiado potente para trabalhar em conjunto. Theodossiou pode ser uma excelente Medeia ou um bela Traviata mas não tem corpo vocal e inteligência para uma Lady Macbeth, não é um soprano dramático, ou mesmo lírico spinto, não consegue aguentar aquilo tudo aos berros, devia ter inteligência para se poupar para chegar à cena do sonambolismo em forma, não chegou. A música, aqui muito delicada (o melhor de Verdi) não permite os excessos anteriores, a cantora mostra aqui uma voz cansada e falha constantemente entradas, a voz vai quebrando aqui e ali, no entanto acaba por ser a sua melhor composição em toda a ópera. Teve direito a flores atiradas dos camarotes, o que mostra a ignorância de um público fossilizado e sem gosto musical. Bola preta.
Fabio Sartori - Macduff, um tenor de voz grande e encorpada, muito baritonal no registo médio grave. Impressionou sobretudo a sua capacidade dramática, que conseguiu apenas com a voz e a interpretação musical, na cena da morte das crianças. Esteve sempre bem na interpretação musical e como actor. Impressionou a capacidade de domar o vozeirão fazendo inflexões contidas e mostrando um timbre de grande beleza nos agudos. Achei-o particularmente dotado para a música de Verdi e com um elevadíssimo sentido da linha melódica.
Giovanni Furlanetto - Banco, muito bem dotado vocalmente e com um excelente sentido cénico, a sua voz aveludada e bem timbrada apenas peca por não ser grande e ampla. Como actor é perfeito, Pirolli não teve a sensibilidade de domar os metais da orquestra de forma a não o taparem na sua ária, antes da morte, forçando o desgraçado a gritar nas partes em fortíssimo, mais um exemplo da insensibilidade de um maestro medíocre.
Os outros intérpretes têm aparições menores que cumpriram:
Carlos Guilherme Malcolm - Bem
João de Oliveira Médico - bem
Sara Braga Simões Aia de Lady Macbeth - bem
Mau coro, que oscilou entre o sofrivel e o péssimo. No início esteve sofrível quando dividido em coro feminino (razoável) e masculino (muito fraco), nas cenas de conjunto muito movimentadas esteve sempre péssimo, desafinado, cantores perdidos, notas fora de tempo e de tom, cantores a acabar frases nas pausas, etc, etc, etc, mas sobretudo o que é mesmo mau é a berraria feia e as vozes acabadas que produzem um cantar de má qualidade. É um problema de qualidade intrínseca dos cantores que povoam aquele coro e não há volta a dar, Andreoli vai disfarçando aqui e ali, mas numa ópera exigente (como Macbeth) para o coro a coisa desconjunta-se toda.
Uma produção muito desigual: má direcção musical, belíssimas vozes masculinas, péssima Theodossiou, orquestra indiferente com péssimos violinos e melhor no resto, mau coro, boa encenação, excelentes luzes e cenografia, público atrasado e inculto, o melhor e o pior da ópera italiana no seu explendor: é que raramente se consegue mais do que isto.
Ópera italiana no seu explendor
Música de Verdi: entre o sublime e o pífio. O bailado de Paris é infame e descabido na acção. A música reflecte demasiados tiques convencionais mas Verdi é um compositor que consegue transcender o tempo.
Libreto de Piave: a léguas de Shakespeare, consegue banalizar o texto original, chega a ser ridículo em algumas tiradas.
Teatro não transcendente mas bem pensado
Encenação de Elena Barbalich bem concebida, sobre o escuro, muito boas as movimentações de conjunto dos coros e das cenas das bruxas. Óptima a composição das luzes de Michele Vittoriano, figurinos de Tommaso Lagattolla demasiado banais e de "época", não transcendem, a cenografia do mesmo autor é muito bela. Nota-se que a equipa italiana de Salerno trabalhou de forma perfeita.
Único senão criticável: totalmente imbecil a cena do bailado em que três criancinhas andam aos pulinhos pelo palco ao som de uma música pavorosa enquanto Macbeth dorme um sono atormentado, do pior de Verdi, piroso cenicamente, descabido no contexto da acção, a convenção operática ao pior nível e não resolvida pela encenadora, não tivemos os espíritos sob a forma das bailarinas parisienses, tivemos umas criancinhas armadas em patetas no palco, é barato e o público gosta de ver os pimpolhos por ali, sucesso garantido...
Direcção de actores entre o bom, caso dos actores masculinos e o péssimo: caso do esbracejamento constante de Theodossiou, simplesmente horrível e de mau gosto.
Um mau pirolito datado
Direcção musical de Antonio Pirolli: pouco empolgante, morna e tecnicamente fraca. Não acompanhou a orquestra nem lhe deu segurança, não conseguiu segurar os cantores, a ópera decorreu aos solavancos, a música nunca andou para a frente a um ritmo perfeito, sempre a atrasar e a arrastar. O coro esteve trágico no final do segundo acto, horror puro por incapacidade técnica dos cantores não superada pelos maestros (de coro e principal).
A orquestra esteve também péssima, a abertura foi um desastre de direcção musical, sem nexo ritmico e dramático e com os violinos a desafinar e com um som esganiçado, magro, horrendo. Pizzicati de rir e chorar por mais, acho que não houve um único que tenha saído coeso, uma autêntica caricatura do que era a ópera italiana há cem anos atrás.
Actores e vozes
Johan Reuter - Macbeth. Um cantor com grande presença, um actor que não compromete. Uma belíssima composição, cantando sem excessos vocais, equilibrado, todos os registos suaves e consistentes, o melhor a par de Furlanetto. Belíssima a cena em que interroga as bruxas, a interpretação musical é perfeita, a mostrar-se a um nível muito elevado na cena que precede a sua derrota. Consegue aguentar-se nos duetos com Theodossiou, é ele o motor rítmico fazendo a música andar para a frente apesar da tendência para arrastar da "partenaire", gostei de ouvir o último dueto em que Reuter se esteve nas tintas para a "diva de pacotilha" e cantou a tempo deixando a desgraçada da Theodossiou andar atrasada aflitíssima e aos bonés sem conseguir apanhar a linha. Um verdadeiro protagonista e um cantor de primeira água.
Dimitra Theodossiou - Lady Macbeth. O horror em palco, ela tem que ser má, foi péssima, como actriz esbracejou, do pricípio ao fim da ópera, como se estivesse numa discussão de varinas. Atrasa constantemente nas notas longas demonstrando falta de sentido musical e demasiado ego, atrasa nas cenas de conjunto acabando as frases sempre depois dos outros, ficando a ouvir-se o guincho interminável da senhora mais de um compasso depois do ponto onde deveria ter saído. Atrasa nas frases rápidas por falta de articulação, canta os dois primeiros actos invariávelmente em fortíssimo dando apenas um pianíssimo no final de uma das árias para mostrar que sabe apianar, mas aí, azar, a voz quebra. Recorre a portamentos depois de começar a ficar cansada de tanto espectáculo e a não acertar com a nota. O vibrato nos agudos em fortíssimos faz lembar o de Natália de Andrade quando se descontrola, o que é frequente, oscilando a nota mais de meio tom. Tapa toda a gente nas cenas de conjunto com guinchos sem par. Tem realmente umas belíssimas goelas para a berraria constante dos dois primeiros actos, que chega a ser dolorosa, mas tudo o resto falta, o timbre é estridente e feio, o mau gosto musical e teatral é confrangedor. O ego é demasiado potente para trabalhar em conjunto. Theodossiou pode ser uma excelente Medeia ou um bela Traviata mas não tem corpo vocal e inteligência para uma Lady Macbeth, não é um soprano dramático, ou mesmo lírico spinto, não consegue aguentar aquilo tudo aos berros, devia ter inteligência para se poupar para chegar à cena do sonambolismo em forma, não chegou. A música, aqui muito delicada (o melhor de Verdi) não permite os excessos anteriores, a cantora mostra aqui uma voz cansada e falha constantemente entradas, a voz vai quebrando aqui e ali, no entanto acaba por ser a sua melhor composição em toda a ópera. Teve direito a flores atiradas dos camarotes, o que mostra a ignorância de um público fossilizado e sem gosto musical. Bola preta.
Fabio Sartori - Macduff, um tenor de voz grande e encorpada, muito baritonal no registo médio grave. Impressionou sobretudo a sua capacidade dramática, que conseguiu apenas com a voz e a interpretação musical, na cena da morte das crianças. Esteve sempre bem na interpretação musical e como actor. Impressionou a capacidade de domar o vozeirão fazendo inflexões contidas e mostrando um timbre de grande beleza nos agudos. Achei-o particularmente dotado para a música de Verdi e com um elevadíssimo sentido da linha melódica.
Giovanni Furlanetto - Banco, muito bem dotado vocalmente e com um excelente sentido cénico, a sua voz aveludada e bem timbrada apenas peca por não ser grande e ampla. Como actor é perfeito, Pirolli não teve a sensibilidade de domar os metais da orquestra de forma a não o taparem na sua ária, antes da morte, forçando o desgraçado a gritar nas partes em fortíssimo, mais um exemplo da insensibilidade de um maestro medíocre.
Os outros intérpretes têm aparições menores que cumpriram:
Carlos Guilherme Malcolm - Bem
João de Oliveira Médico - bem
Sara Braga Simões Aia de Lady Macbeth - bem
Mau coro, que oscilou entre o sofrivel e o péssimo. No início esteve sofrível quando dividido em coro feminino (razoável) e masculino (muito fraco), nas cenas de conjunto muito movimentadas esteve sempre péssimo, desafinado, cantores perdidos, notas fora de tempo e de tom, cantores a acabar frases nas pausas, etc, etc, etc, mas sobretudo o que é mesmo mau é a berraria feia e as vozes acabadas que produzem um cantar de má qualidade. É um problema de qualidade intrínseca dos cantores que povoam aquele coro e não há volta a dar, Andreoli vai disfarçando aqui e ali, mas numa ópera exigente (como Macbeth) para o coro a coisa desconjunta-se toda.
Uma produção muito desigual: má direcção musical, belíssimas vozes masculinas, péssima Theodossiou, orquestra indiferente com péssimos violinos e melhor no resto, mau coro, boa encenação, excelentes luzes e cenografia, público atrasado e inculto, o melhor e o pior da ópera italiana no seu explendor: é que raramente se consegue mais do que isto.
Etiquetas: Crítica de Ópera, Macbeth, Reuter, S. Carlos, Theodossiou, Verdi
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