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4.6.11

A a Z 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

É uma crítica inabitual, vem a propósito da publicação de um CD na ACCENT pelo Collegium 1704, instrumental e vocal, sob a direcção de Václav Luks das obras de Jan Dismas Zelenka dedicadas à morte do seu “mestre” Augusto o Forte, soberano da Saxónia e da Polónia. Inabitual porque é sobretudo uma “Apologia a Zelenka” e menos uma crítica.

Conhecido dos amantes da música antiga e muito celebrado na República Checa desde os anos sessenta do séc. XX, é pouco conhecido fora dos círculos eruditos. Nascido em 16 de Outubro de 1679 na Boémia e falecido dois dias antes do Natal de 1745, na capital da Saxónia, Zelenka teve formação jesuíta, sendo o seu instrumento o Violone, uma viola da gamba contrabaixo que daria origem ao contrabaixo moderno. Depois de viver em Praga foi para Dresden em 1710 onde se tornou músico da corte e mais tarde segundo mestre de capela sob a direcção de Heinichen mas, após a morte deste, nunca viria a ser nomeado para o seu lugar, ficando como compositor de música católica, uma vez que era esta a sua confissão. Dresden vivia na esquizofrenia religiosa, uma vez que Augusto tinha passado de luterano a católico para poder ser eleito rei da Polónia, tendo até afirmado que “umas missas valem bem o título de rei da Polónia!”. A corte continuava a ser luterana mas todas as cerimónias passaram a ser celebradas segundo a liturgia católica e teve de se improvisar uma igreja católica nas instalações da antiga ópera de Dresden.

Zelenka e Bach conheciam-se, Dreden e Leipzig estão perto, e há documentos que provam a alta consideração mútua de dois homens castigados pelo seu tempo. Zelenka acabou por morrer só e deprimido e com muita da sua música ainda por escutar. No entanto grande parte da sua obra, comprada após a morte do compositor pela monarquia de Dresden conservou-se quase intacta e bem conservada até hoje.

O CD citado reúne duas das obras mais espantosas do estilo de Zelenka, o “Ofício dos Defuntos” e o “Requiem em Ré”, ambas de 1733, data de morte de Augusto, toda a maestria do compositor é evidente: um domínio total das tensões orquestrais recorrendo a um pujante baixo, o dramatismo e o impacto de grandes massas sonoras, o uso de cores inusitadas, com charamelas (clarinetes), trompetes e trompas, além dos habituais oboés e flautas. Uma linha de baixo extraordinária, uma harmonia de uma constante inovação e variação, o uso do contraponto coral e instrumental. O recurso de elementos de um modernismo espantoso a par com o canto gregoriano e arcaicismos dignos do século XVI. Zelenka era um homem de todos os recursos e isso transparece de forma vigorosa nestas obras “escritas a grande velocidade” para os funerais de um soberano importante e amado pelo seu povo.

Interpretado por um dos maiores conhecedores de Zelenka este não é um disco totalmente perfeito, mas o equilíbrio entre uma orquestra de alto nível, um coro muito respeitável e belas vozes solistas tornam este CD um documento importante na descoberta da música viva de um homem que merece ser ouvido e respeitado na sua paixão pela música. Simplesmente brilhante.

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