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25.6.08

Artigo de Luís Miguel Cintra no "O Público" 

Reproduzo com a devida vénia o artigo de Luís Miguel Cintra no Jornal "O Público". Vale a pena ler...


A ex-ministra e a Cinemateca

25.06.2008, Luís Miguel Cintra, Actor e encenador

A obra de Bénard da Costa é um dos poucos aspectos da política cultural de que nos podemos sentir orgulhosos

Apatética ignorância, inconsciência e arrogância com que a dra. Isabel Pires de Lima, a pretexto da defesa da criação de um pólo da Cinemateca na cidade do Porto, insulta o dr. João Bénard da Costa, como director da Cinemateca Portuguesa, no artigo que publicou no PÚBLICO de 6.5.08, obriga-me a duas palavras em sua defesa.
A obra do dr. João Bénard à frente da Cinemateca Portuguesa é um dos poucos aspectos da política cultural em que nos podemos sentir orgulhosos de sermos portugueses. Não é com certeza o actual Teatro Nacional, a que a sua acção como ministra deu origem e onde se pratica um teatro de características comerciais, ou uma programação baseada em critérios de gestão que nada têm a ver com critérios artísticos e comandada por um caricato marketing, que o consegue. Nem tão-pouco a decadência do nosso Teatro de Ópera, o S. Carlos, a que conduziu a substituição, ordenada por si, da anterior direcção. Por estranho que pareça, a nossa Cinemateca é uma das melhores cinematecas da Europa e talvez do Mundo. A sua programação e os critérios que lhe presidem, a função que tem desempenhado na preservação dos filmes, é um modelo de defesa e preservação de uma Arte de suporte técnico particularmente frágil e delicado. Mas essa obra, financiada pelo Estado, tem uma cara, um autor, o dr. João Bénard da Costa. Só porque existe essa pessoa com a inteligência, o saber, o amor pelo Cinema e os conhecimentos técnicos que tem ou que conseguiu reunir através da equipa que tem escolhido para o ajudar, a nossa Cinemateca é assim. Parece-me inacreditável que uma pessoa que há tão pouco tempo era responsável pela condução da política do Estado para a Cultura tenha a veleidade, e passe pela vergonha, de pôr em causa a acção do dr. João Bénard da Costa como director da Cinemateca, para defender a criação de um "pólo" da Cinemateca com o simplório argumento de que os habitantes do Porto vêem poucos filmes antigos. Não passará pela cabeça da antiga ministra que talvez as razões do dr. João Bénard para não aceitar fazê-lo possam ser mais responsáveis, mais sabedoras e menos superficiais que a conclusão a que chegou olhando para uma qualquer estatística? A dra. Pires de Lima será tão ignorante que não tenha sequer consciência da sua incompetência para falar destes assuntos perante a autoridade de uma pessoa como o dr. Bénard da Costa? E não esteve nas suas mãos como ministra obrigar o dr. João Bénard a fundar o tal "pólo"? Porque não o pôs na rua como fez ao dr. Pinamonti e não arranjou outro director capaz de fundar o "pólo" da Cinemateca para exibir filmes antigos para os portuenses? Porque não fez obra e não fundou a Cinemateca do Porto? Não terá a dra. Isabel Pires de Lima consciência de que pôr a funcionar uma Cinemateca a sério não consiste apenas em ir a um catálogo e pôr filmes antigos a correr? Achará que é a mesma coisa ver um filme nas mais próximas condições possíveis daquelas em que foi concebido pelo seu autor, como a Cinemateca "do" dr. João Bénard faz, que ver DVD projectados num ecrã? Não terá consciência do que é a responsabilidade de "programar"? Pensará a dra. que abrir "um pólo" de uma Cinemateca noutra cidade é a mesma coisa que abrir outra FNAC noutro centro comercial? Não tem vergonha de confundir uma Cinemateca com "oferta" de cinema? Se o que pretende para o Porto é uma sala onde possa ir sair à noite e conviver com o pretexto da projecção de um filme antigo, para depois ir beber um copo, é fácil. Basta fazer uma sala confortável, arranjar um projeccionista, máquina de projectar e um programador que faça uma escolha variada para todos os gostos. Há tanto filme "clássico" à venda em formato DVD na Internet! E para isso não precisa do dr. Bénard da Costa. Mas um "pólo" desses não é a acção de uma Cinemateca. Não terá a senhora consciência de que uma Cinemateca de DVD seria como um museu em que se exibissem as reproduções dos quadros e não os quadros que os pintores pintaram? Além disso, não reparou ainda que a sua tão defendida descentralização corresponde apenas a um ponto de vista de mero consumidor? Para si, a descentralização cultural é apenas exportar para a província o que se vê na capital? Não preferia que a sua cidade e todas as outras cidades de província gerassem Cultura? Não terá ainda sentido como é difícil criar na população uma verdadeira prática cultural inteligente, responsável? E que mais do que transformar a Cultura em mercado o que importa é formar, é não perder a oportunidade de ainda aprender com quem sabe, não baixar a fasquia? Se assim é, envergonha-me profundamente ser cidadão de um país que a teve como ministra da Cultura.
Temo que as verdadeiras razões que estão na origem do artigo de Isabel Pires de Lima sejam menos filantrópicas que aquilo que querem aparentar. O seu irresponsável ataque ao dr. Bénard da Costa a reboque de uma saudável petição para a criação de uma Cinemateca no Porto não será apenas uma patética tentativa de ficar bem vista na cidade a que voltou depois do passeio de camelo? O Porto está por certo mais vivo culturalmente do que a dra. Pires de Lima esteve como ministra. Assim o Estado ou a própria cidade lhe dessem meios para existir. Já se esqueceram do que aconteceu ao Rivoli? Oxalá se consiga transformar a prometida Casa Manoel de Oliveira na Casa do Cinema de que o Porto precisa. Com a defesa, a preservação, o respeito, a exaltação do Cinema como Arte a que a obra de um tão grande cineasta obriga a sua cidade. E a verdadeira prática cultural que daí possa advir.
Como talvez dissesse, e infelizmente já não pode dizer, outro grande cineasta português, João César Monteiro, à dra. Isabel: "Sois belle et tais toi!".

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