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11.4.08

Uma enorme gargalhada 

Reproduzo com a devida vénia, uma vez que está disponível na internet em acesso aberto, esta "crítica" de Pedro Boléo que saiu no Jornal "O Público". Deixou-me vigorosamente bem disposto no seu geral mas fez-me soltar uma gigantesca gargalhada ao ler os comentários sobre Chelsey Schill. Entretanto os editores do "O Público" essas brilhantes luminárias, sempre atentas e perseverantes, deixaram passar no dia 10 de Abril, data de publicação da "crítica", a nota de que uma das próximas récitas seria a dia 9, creio que seria uma récita para os viajantes do tempo, sempre avançados estes "editores".
Creio que esta "crítica", do mais alto nível, está ao mesmo nível de uma outra em que se dava Verdi como exemplo perfeito do Verismo, uma ideia estética revolucionária que talvez faça história... no anedotário.
Segue texto, mais palavras para quê?


Uma ópera diabólica

10.04.2008


Les Contes d"Hoffmann
mmmmn

De Jacques Offenbach
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro N. de São Carlos
Companhia Nacional de Bailado
Gregor Bühl (direcção musical)
Christian von Götz (encenação)
Cantores: Sergei Khomov, Chelsey Schill, Maria Fontosh, Riki Guy, Stephanie Houtzeel, Johannes von Duisburg, Carlos Guilherme, José Corvelo, Marco Alves dos Santos, entre outros.
Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos
Próximas récitas: 9, 11, 15, 17 e 20 de Abril às 20h
13 de Abril às 16h
19 de Abril às 16h (Matinée Família)
A fantástica última ópera de Offenbach, Os Contos de Hoffmann, foi apresentada no São Carlos numa nova encenação do encenador alemão Christian von Götz. Esta nova produção de raiz, que revelou a ópera inacabada de Jacques Offenbach, contou com um elenco de boa qualidade, entre algumas estrelas internacionais e cantores portugueses com excelentes capacidades (destaquem-se Carlos Guilherme, em vários papéis, e Marco Alves dos Santos, muito bem como Nathanaël). Sergei Khomov, tenor ucraniano que substituiu Richard Bauer à última hora (por motivo de doença, segundo o comunicado de imprensa do São Carlos), foi um cantor impetuoso e deu provas de ser um excelente actor no papel de Hoffmann. Chelsey Schill foi segura vocalmente e convincente como Olympia, a boneca mecânica por quem Hoffmann suspira no segundo acto. Esta maravilha tecnológica por quem se apaixona o poeta romântico é uma personagem de uma actualidade surpreendente: não apenas porque estamos num tempo de máquinas "vivas" e corpos digitais, mas porque a nossa sensibilidade tem muito a ver com a de Hoffmann - apaixonamo-nos por bonecos, por divas virtuais ou fantasmagorias da Internet, e idolatramos estrelas em que nunca poderemos tocar. As personagens de Offenbach parodiam também os clichés da ópera: a sua diva mecânica é a continuação lógica das loucuras vocais das sopranos de Rossini, por exemplo.
O interesse de Os Contos de Hoffmann passa muito por aqui. A forma que o compositor inventou para esta ópera quase impossível (porque é feita de episódios, sonhos, alucinações, sobreposições de histórias) vai muito para além das convenções da opereta que Offenbach desenvolveu até à exaustão. Fragmentada em três histórias diferentes, que correspondem a três narrativas de Hoffmann de três histórias de amores seus (ou ainda, em alternativa, a três alucinações suscitadas pelo álcool), esta ópera põe em questão a ópera como género (em 1880!), sem desperdiçar uma série de referências típicas do espectáculo. A diva da segunda história, Antonia, é convencida a cantar até à morte por um diabólico médico (Johannes von Duisburg, que foi um baixo respeitável mas não tão diabólico como seria de esperar). Aqui o registo quase melodramático (embora sempre mergulhado no fantástico) foi bem captado pela ucraniana Maria Fontosh, a mais aplaudida das cantoras da noite, com alguma razão, pois tem uma voz poderosa e sabe comportar-se como uma verdadeira diva do século XIX, até nos aplausos. Riki Guy foi Giulietta, uma cortesã veneziana e o último amor de Hoffmann (IV acto), com uma voz menos entusiasmante do que as duas outras, mas sem comprometer.
A encenação inteligente de Götz conseguiu não perder o alucinante ritmo da ópera e conseguiu gerir bem as permanentes ambiguidades de tempos (tempo da narração de Hoffmann, tempo da fantasia e tempos estruturais da ópera na ligação de recitativos, árias e coros). Para isso recorreu às entradas da Musa - a excelente actriz e cantora Stephanie Houtzeel. No entanto não se pode dizer que seja uma encenação provocadora ou ligada às mais contemporâneas visões do teatro musical. Pelo contrário, foi até relativamente conciliadora, respeitando nas formas de movimentação do coro, na ligação das cenas ou no jogo dos cantores muitas das habituais convenções da ópera. A coisa funcionou bem, contudo. Faltou-lhe talvez alguma energia que poderia ter vindo das próprias forças da ópera de Offenbach - a interrupção permanente, a não-linearidade do tempo, o excesso e o sarcasmo. O coro teve a força e a justeza necessárias, e a orquestra, com alguns sobressaltos e um pouco de timidez a mais, conseguiu no entanto manter viva a chama desta ópera actual, diabólica e deliciosa.
Apesar dos percalços, um dos momentos mais altos desta temporada do São Carlos.

Pedro Boléo

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