16.11.07
Concertos - Sibelius
No Ciclo Grandes Orquestra, que há algum tempo eu apelidei de "Ciclo Pequenas e Médias Orquestras Mundiais", tivémos uma verdadeira Grande Orquestra, a Filarmónica de Los Angeles.
Foi na terça feira passada no Coliseu de Lisboa com a quarta e sétima sinfonias de Sibelius.
A princípio a inclusão destas sinfonias, verdadeiramente atormentadas, de Sibelius suscitou-me perplexidade. As duas obras não são propriemente fáceis, são obras ambíguas, sem centros de gravidade, sem temas distintos e fáceis de identificar, são peças de uma enorme complexidade e são tão plásticas como as sequências de notas que Sibelius utiliza como material de base transmutando-o até à exaustão.
Não são obras fáceis para o ouvinte, não são obras fáceis para o intérprete e não o foram para o compositor. São obras marcantes, pontos de ruptura.
Na quarta sinfonia é um Sibelius vítima de um cancro na garganta, que sofre intervenções cirúrgicas mal sucedidas, que escreve uma obra pessimista e sombria de carácter aparentemente dual, dois pares de andamentos em sequências lento-rápido, mas a atmosfera psicológica é, recorrentemente, sombria. Não há um vislumbre de luz em toda a obra, Sibelius atormenta-se, a forma é difusa, não há efeitos fáceis, não há efeitos cortantes, tudo é nevoeiro, sombras pressentidas na escuridão, a paz surge aqui e ali, mas é apenas a paz, não é a alegria ou a pujança. Isso não existe na quarta sinfonia.
Na sétima sinfonia é um Sibelius a ficar livre das dívidas mas com gravíssimos problemas de criação artística e de alcolismo, dependência que viria a suplantar a pouco e pouco, mas sem nunca reencontrar o estro grandioso para as grandes formas sinfónicas, acabando por escrever nos anos que medeiam entre esta obra e a sua morte em 1957, apenas peças curtas, música de cena, um poema sinfónico ainda nos anos vinte e algumas músicas para rituais maçónicos, incluindo até uma marcha fúnebre que acompanharia o seu funeral (entre outras obras que se tocaram na ocasião). A sétima sinfonia é produto do génio de Sibelius e dos vapores etílicos a que o compositor recorria para escrever, como a mulher de Sibelius lhe disse repetidas vezes, e que nos acabaram por dar uma obra prima de concisão e de ruptura de forma nesta breve obra em um andamento.
Esa-Pekka Salonen, um maestro finlandês bem dentro do espírito do compositor e da alma nacional, não caiu no erro tipicamente russo (v.g. Mravinsky, 1965) de trasnformar estas obras em épicos sinfónicos. Salonen acentuou o lado fluido, sombrio, planar, atormentado e textural das obras. No meu entender conseguiu um profundo mergulho psicológico na obra de Sibelius e no seu espírito. Não há mais nada a dizer, a orquestra é perfeita (nem vale a pena andar aqui a dissertar sobre os trombones ou as cordas...) e mesmo o som tenso e brilhante (com uma afinação a 444 ou 445) da Filarmónica de Los Angeles não obliterou o lado obscuro e depressivo das obras. Simplesmente notável.
O único senão do concerto foram os pratos atrasados a correr atrás da orquestra no Finlândia e o exagero histriónico na Valsa Triste, não era preciso tanto "show off" depois destas leituras tão profundas da obra de Sibelius.
Uma composição de Steven Stucky, em estreia em Portugal, completou o programa. Devo dizer que me custa criticar aquilo que ouvi apenas uma vez. Gostei da construção da obra e das sonoridades e texturas, pareceu-me uma obra competente e bem construída, mas a meditação profunda nas sinfonias de Sibelius retirou-me a concentração para uma melhor apreciação desta obra.
A minha apreensão com a dificuldade do programa saiu totalmente injustificada, o público gostou muito da visão de Salonen e da sua interpretação tudo menos banal. Foi antes de tudo profundo e subtil e o público parece ter percebido.
Um concerto de elevadíssima qualidade, mesmo para quem não gosta de Sibelius e que deveria aproveitar para mergulhar um pouco no génio pouco extrovertido do finlandês...
A dar estrelitas daria sem complexos as cinco que nunca dou...
Nota- desta vez fiquei num camarote onde a acústica me pareceu excelente, algo que não é dispiciendo num local tão irregular em termos acústicos como o coliseu.
Citação: "In number four there was already this idea of turning space upside down. In number seven it has become a predominant feature: melody without gravity, but yet existing within the fields of planets with varying masses. I think that the finest thing in it is the surging of different tonal masses in a state of weightlessness. I sometimes debated with Hämeenniemi (the composer Eero Hämeenniemi) at what stage near the end of number seven one starts to become aware of the rising line of the strings below the theme played by the brass: one suddenly just realises that it has risen from the background and really gone wild! Soon we hear the bassoon playing in a high register and the flute in a low one – and there too you have this cancelling out of gravity."
Jukka-Pekka Saraste, 2002
Foi na terça feira passada no Coliseu de Lisboa com a quarta e sétima sinfonias de Sibelius.
A princípio a inclusão destas sinfonias, verdadeiramente atormentadas, de Sibelius suscitou-me perplexidade. As duas obras não são propriemente fáceis, são obras ambíguas, sem centros de gravidade, sem temas distintos e fáceis de identificar, são peças de uma enorme complexidade e são tão plásticas como as sequências de notas que Sibelius utiliza como material de base transmutando-o até à exaustão.
Não são obras fáceis para o ouvinte, não são obras fáceis para o intérprete e não o foram para o compositor. São obras marcantes, pontos de ruptura.
Na quarta sinfonia é um Sibelius vítima de um cancro na garganta, que sofre intervenções cirúrgicas mal sucedidas, que escreve uma obra pessimista e sombria de carácter aparentemente dual, dois pares de andamentos em sequências lento-rápido, mas a atmosfera psicológica é, recorrentemente, sombria. Não há um vislumbre de luz em toda a obra, Sibelius atormenta-se, a forma é difusa, não há efeitos fáceis, não há efeitos cortantes, tudo é nevoeiro, sombras pressentidas na escuridão, a paz surge aqui e ali, mas é apenas a paz, não é a alegria ou a pujança. Isso não existe na quarta sinfonia.
Na sétima sinfonia é um Sibelius a ficar livre das dívidas mas com gravíssimos problemas de criação artística e de alcolismo, dependência que viria a suplantar a pouco e pouco, mas sem nunca reencontrar o estro grandioso para as grandes formas sinfónicas, acabando por escrever nos anos que medeiam entre esta obra e a sua morte em 1957, apenas peças curtas, música de cena, um poema sinfónico ainda nos anos vinte e algumas músicas para rituais maçónicos, incluindo até uma marcha fúnebre que acompanharia o seu funeral (entre outras obras que se tocaram na ocasião). A sétima sinfonia é produto do génio de Sibelius e dos vapores etílicos a que o compositor recorria para escrever, como a mulher de Sibelius lhe disse repetidas vezes, e que nos acabaram por dar uma obra prima de concisão e de ruptura de forma nesta breve obra em um andamento.
Esa-Pekka Salonen, um maestro finlandês bem dentro do espírito do compositor e da alma nacional, não caiu no erro tipicamente russo (v.g. Mravinsky, 1965) de trasnformar estas obras em épicos sinfónicos. Salonen acentuou o lado fluido, sombrio, planar, atormentado e textural das obras. No meu entender conseguiu um profundo mergulho psicológico na obra de Sibelius e no seu espírito. Não há mais nada a dizer, a orquestra é perfeita (nem vale a pena andar aqui a dissertar sobre os trombones ou as cordas...) e mesmo o som tenso e brilhante (com uma afinação a 444 ou 445) da Filarmónica de Los Angeles não obliterou o lado obscuro e depressivo das obras. Simplesmente notável.
O único senão do concerto foram os pratos atrasados a correr atrás da orquestra no Finlândia e o exagero histriónico na Valsa Triste, não era preciso tanto "show off" depois destas leituras tão profundas da obra de Sibelius.
Uma composição de Steven Stucky, em estreia em Portugal, completou o programa. Devo dizer que me custa criticar aquilo que ouvi apenas uma vez. Gostei da construção da obra e das sonoridades e texturas, pareceu-me uma obra competente e bem construída, mas a meditação profunda nas sinfonias de Sibelius retirou-me a concentração para uma melhor apreciação desta obra.
A minha apreensão com a dificuldade do programa saiu totalmente injustificada, o público gostou muito da visão de Salonen e da sua interpretação tudo menos banal. Foi antes de tudo profundo e subtil e o público parece ter percebido.
Um concerto de elevadíssima qualidade, mesmo para quem não gosta de Sibelius e que deveria aproveitar para mergulhar um pouco no génio pouco extrovertido do finlandês...
A dar estrelitas daria sem complexos as cinco que nunca dou...
Nota- desta vez fiquei num camarote onde a acústica me pareceu excelente, algo que não é dispiciendo num local tão irregular em termos acústicos como o coliseu.
Citação: "In number four there was already this idea of turning space upside down. In number seven it has become a predominant feature: melody without gravity, but yet existing within the fields of planets with varying masses. I think that the finest thing in it is the surging of different tonal masses in a state of weightlessness. I sometimes debated with Hämeenniemi (the composer Eero Hämeenniemi) at what stage near the end of number seven one starts to become aware of the rising line of the strings below the theme played by the brass: one suddenly just realises that it has risen from the background and really gone wild! Soon we hear the bassoon playing in a high register and the flute in a low one – and there too you have this cancelling out of gravity."
Jukka-Pekka Saraste, 2002
Etiquetas: Esa-Pekka Salonen, Filarmónica de Los Angeles, Gulbenkian
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