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27.4.07

Mstislav Rostropovich è morto 

Um vinil e dois concertos, tinha eu 10, talvez 11 anos. Academia de St. Martin in the Fields, Haydn, no violoncelo, e se não me engano também a dirigir, estava Rostropovich. Foi assim que ao longo das espiras, repetidas vezes sem conta, daquele vinil, o som profundo, rouco e poderoso do mestre russo ia entrando pela minha alma. Dó e ré, este último de atribuição duvidosa segundo alguns. Mas isso não me interessava muito, o que me interessava era o som daquele instrumento sem par. Vejo este passado como se fosse noutro século, algo que vivi talvez em sonhos. Rostropovich, Rubinstein, Gilels, Richter e Richter, Oistrach, Arrau, Carlos Kleiber, Karajan, Leonhardt (que vi em Sines num instante também mágico alguns dias atrás) e mais outros tantos, tantos nomes que povoaram os anos em que fui descobrindo a música com o encaminhamento do meu pai, que me ia levando aos concertos da Gulbenkian, e dos meus avós.
Muitos anos depois deste Haydn de sonho, hoje mesmo, uma frase sussurante dita em italiano dizia-me que Mstislav Rostropovich tinha morrido, dias depois de se saber que tinha cancro.
É assim a vida, os antigos morrem e sobram, poucos, os novos que lhes vão tomando o lugar, apesar dos arpejos que um braço percorre num prelúdio de uma qualquer suite nº 4 de Bach sob o olhar de Deus, numa Igreja de França ou algures num céu numa dimensão diferente da nossa, intangível... estou desconexo, fico sempre desconexo perante o que me transcende. Nem sequer vou corrigir este parágrafo.
Cada vez que um destes homens morre, goste-se ou não do estilo, com mais ou menos vibrato, com mais ou menos história e informação em cima, morre um pouco da nossa alma. Há cada vez menos homens destes para morrer... num mundo onde vão deixando a lenda nas nossas memórias pessoais e muito esquecimento.
A calma serena de Rostropovich em todos os momentos, a contenção, a inteligência e maturidade, a seriedade com que se entregava às coisas, são atributos de um tempo que não volta. Não volta porque é morto o instante em que o arco se levantava e a respiração se continha numa profunda inspiração para uma Courante que se movimentava como a vida numa linha contínua de contração, distensão. Fluidez e retórica. A análise que Rostropovich faz das suites de Bach que se divide em textura, estrutura e ritmo, atinge o âmago da obra feita das coisas simples e despojada de efeitos supérfluos, superiormente levada à prática.
Rostropovich é vida feita música, música que ecoa pelas minhas veias, pela minha cabeça, escuto agora a Sarabanda da suite nº1 de Bach, e choro. Não se pode escrever nada assim...

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