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20.12.06

Petições on-line 

Duvido muito de petições on-line, quase nunca assino. São falsificáveis, manipuláveis, as identidades não se podem confirmar, podem até ser assinadas milhares de vezes pelos mesmo indivíduos.
São argumentos contra, mas o pior nem é isso, o pior são as falsificações das intenções e os pressupostos errados apresentados como verdades imutáveis Os pressupostos deste tipo de petições são geralmente histéricos: gente descabelada procura chamar a atenção para as causas mais variadas, os pressupostos são sempre conducentes a repor a justiça onde foram cometidas injustiças malévolas e gritantes. Nunca são apresentados os dois lados da situação. O segundo lado da moeda fica para a inteligência e a boa fé de quem é tentado a assinar, uns têm boa fé em demasia e acreditam e assinam logo, os cínicos percebem logo tudo e assinam porque têm precisamente excesso de má-fé, outros não assinam porque se podem prejudicar, sobram muito poucos: os que realmente reflectem no assunto.
Quem não assinaria uma petição clamando contra o espancamento ritual das avós com mais de setenta anos, seguida por cuspidelas na sopa, por parte das tribos de uma qualquer região bárbara da Tansmânia, fenómeno sempre acompanhado pela queima de livros do Saramago?
Ninguém procura perceber qual a fonte de tal informação, mas aquilo é tão indigno, é horrível, temos de assinar, é compulsivo, queremos insultar a tal tribo de bárbaros, os outros são sempre uns malandros: pobres livros do Saramago queimados sem remissão por uns bárbaros que ainda por cima batem nas avós e cospem na sopa.
É o que se passa com estas petições, querem levar as pessoas na sua boa fé a assinarem de acordo com um manifesto que geralmente gera angústias e a revolta perante a injustiça.
Mas será que é mesmo assim? Vem isto a propósito de uma recente petição contra (há sempre um contra) a Direcção da RDP por ter "proibido um colaborador [não jornalista] de entrevistar portugueses", falo de Jorge Rodrigues, alguém que tem feito ao longo dos anos o programa Ritornello no final da tarde da antena 2. Posta assim a coisa é indigna, dá mesmo vontade de assinar contra a censura, é demais, além da popularização e jazzificação da rádio ainda querem calar o Jorge Rodrigues! Malandros, é acabar com eles, bora lá assinar. Assim se passou comigo, numa primeira fase resolvi assinar sem a menor dúvida, até quis escrever aqui um post contra a atitude terrível e censória da RDP.
Alguém me contou, recebi emails de quatro pessoas diferentes, li e fiquei indignado, vou já assinar, pensei. Mas e alto! E se parássemos para pensar, ler o texto olímpico da petição é perceber: com que então o Saramago não mais vai ser entrevistado. Isto não será um pouco excessivo?

Telefonei ao João Almeida, director adjunto da rádio, que me disse que aquilo não era verdade, que não tinha sido considerado de acordo com a ética jornalística o Jorge Rodrigues entrevistar pessoas ou responsáveis de entidades das quais dependesse enquanto funcionário do Teatro Nacional de S. Carlos e que evitasse entrevistar amigos devendo levar as entrevistas para aspectos gerais que interessassem ao público e não perdesse tempo na antena com conversa com amigos, a propósito de tudo e de nada, e com amiguismos do género: "há tanto tempo que não falamos, estás bom, e que belos tempos passámos e etc, etc, etc...", por outro lado não seria conveniente entrevistar personalidades que tivessem sido alvo de entrevistas nos dias mais próximos por outros membros, jornalistas ou colaboradores da Antena 2 para não afunilar a programação, parece que a Direcção através de Rui Pego, também quer orientar o Ritornello para um programa de cariz musical, foi dito a Jorge Rodrigues que poderia entrevistar quem quisesse (estrangeiro ou português), e isso até seria um trunfo da estação, para transmitir fora do programa Ritornello o que lhe daria mais espaço na rádio, finalmente nunca foi impedido de fazer entrevistas a portugueses, o que seria um total absurdo.
Parece-me sensato e um critério editorial irrepreensível por parte da Direcção, aliás consistente com uma orientação editorial rigorosa e precisa, uma orientação ética que impediria o acotovelamento das entrevistas às mesmas pessoas em períodos muito curtos e evitaria situações deontológicas duvidosas como fazer entrevistas ao patrão directo. Se um colaborador não compreende os limites do normal exercício da actividade de entrevistador, e um programa editorial de uma estação, deve então ter indicações editoriais para actuar de acordo com os padrões de exigência da estação. Não se trata de censura, imaginemos um jornal onde os jornalistas resolvem entrevistar quem muito bem lhes apetece e os editores dizem que as entrevistas não têm interesse e não são publicáveis. Será censura? Provavelmente esse tipo de atitudes é mais forte (e próximo de uma eventual censura) do que dar indicações editoriais concretas, genéricas e eticamente inabaláveis. É um princípio fundamental do jornalismo ser a direcção a decidir quem tem interesse entrevistar no espaço que dirige. Evidentemente que no caso vertente a Jorge Rodrigues foi dada toda a liberdade de entrevistar quem quisesse, desde que seguisse as normas editoriais, o que é mais aberto e livre do que em qualquer outra rádio ou jornal.
Grave, por exemplo, é o poder discricionários dos editores nos jornais que cortam e retalham e alteram textos dos jornalistas sem qualquer protesto ou petição.

Fiquei esclarecido, não assinei, também tenho sempre uma grande dificuldade em alinhar nestes movimentos imponderados. Hesitei em escrever este post, mas o meu programa na Antena 2 acaba em 31 de Dezembro, o que me deixa à vontade para elogiar quando é preciso e defender aquilo que considero ser uma causa justa contra uma descarada manipulação dos factos por esta pretensa petição. O que não quer dizer que defenda a linha editorial da Antena 2 no que respeita a uma certa popularização, mas isso são contas de outro rosário que fica para uma análise posterior que terá de ser feita forçosamente. Mas uma coisa são questões passíveis de argumentação como uma linha editorial, outra são questões éticas e descaradas manipulações da verdade.

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