21.12.06
Édipo no S. Carlos
20. 21. 22 de Dezembro 2006 às 20:00h.
Teatro Nacional de São Carlos
GENESIS SUITE (1945) numa estreia em Portugal.
Schönberg - Milhaud - Castelnuovo-Tedesco - Stravinski
Interpretação musical em sete partes dos primeiros onze capítulos do Livro Génesis.
Voz recitante
Fanny Ardant
OEDIPUS REX em versão de concerto - Igor Stravinski
Direcção musical Donato Renzetti
Ópera-oratória em dois actos. Libreto de Jean Cocteau segundo Sófocles.
versão de concerto
Voz recitante - Fanny Ardant
Oedipus - Will Hartmann
Creonte/Mensageiro - Keel Watson
Jocasta - Mariana Pentcheva
Pastor - Pedro Chaves
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos
Sejamos claros, a Genesis suite é uma obra interessante, é interessante a sua recuperação, mas é também uma obra incongruente, sem coerência interna, dispersa, e ainda por cima faltam-lhe três quadros, perdidos.
Os compositores estavam em campos estéticos diametralmente opostos, o que, apesar de conferir falta de unidade à obra, se torna interessante pelas diferenças estéticas presentes e tão evidentes. Foi bem programada e deu um interesse acrescido ao concerto.
A orquestra Sinfónica portuguesa cumpriu dentro das suas limitações de orquestra de segunda, o som continua desinteressante e não existe pathos dramático, as acentuações são frouxas, as cordas agudas continuam sem um som de conjunto.
Fanny Ardant, recitante em inglês, esteve francamente mal face às expectativas, voz muito pouco clara e rouca, o inglês parecia o do inspector Clouseau, o que até conferiu algum humor ao seu trabalho.
O coro esteve fraco (aqui o fraco do coro é de uma outra dimensão do fraco de Ardant), vozes gritadas e estrídulas, projecções excessivas, para lá do necessário. Dá a impressão de termos no conjunto dos sopranos um conjunto frustrado de Natálias de Andrade: todas gostariam de poder gravar uns CD e serem solistas no S. Carlos. Os tenores enfermam do mesmo vício, entusiasmam-se e... é o caos, ficam a berrar fora de tempo, prolongam em excesso as notas, atrasam. Já foi pior mas continua inaceitável, depois de um franco progresso com Andreoli à frente, o coro está a voltar a estagnar e a não passar daquilo.
Foi interessante escutar esta peça mas fica uma imagem pálida da obra pela interpretação insatisfatória.
No Édipo de Stravinsky a coisa melhorou muito em termos musicais, a orquestra pareceu mais trabalhada e o som mais coeso, o coro menos agressivo, mas ainda num patamar inferior ao exigível, com entradas inseguras e saídas desconexas, desafinação e gritaria.
Os cantores ajudaram a melhorar o panorama: Willi Hartmann é um cantor extraordinário que raramente temos a possibilidade de escutar, compôs um Édipo atormentado psicologicamente e de grande dramatismo vocal, bem diferente do também excelente brilho irónico do Loge que realizou aqui no ano passado: Hartmann muda o seu timbre de acordo com o papel. Interpreta de forma muito natural a difícil linha de Stravinsky, não exagera na emissão adequando a sua prestação à obra, simplesmente brilhante.
Fanny Ardant foi novo recitante, um recitante que confere unidade a uma obra também ela aparentemente desconexa onde as ideias de Jean Cocteau procuram apontar os eixos simbólicos mais importante no Édipo original de Sófocles e da tragédia mitológica. Desta feita sem o peso da orquestra a tapar o texto e num francês puro, num tom carregado de dramatismo, esteve mais à altura do que se lhe esperava. Foi impressiva a sua entrada com uma voz assustadora que deixou o público assustado na cadeira.
A cantora Mariana Pentcheva, tem uma voz de peso, mas não evitou erros, o seu vibrato pesado, pesadíssimo mesmo, aproxima a sua voz dum registo kitsch e muito pouco refinado. Um vibrato tão excessivo que se aproxima da desafinação. Poderia ser uma excelente cantora se tivesse sido dirigida de acordo com a dimensão frágil e atormentada do papel de Jocasta; assim parecia um elefante numa loja de louça. Quem acredita que a padeira de Aljubarrota pode fazer de Jocasta, mãe de Édipo? Tivemos uma padeira de Aljubarrota com um vibrato digno de um apito de comboio. Belíssimos graves, médios cheios de corpo e agudos vibrantes de energia, mas pouca adequação ao texto e interpretação duvidosa.
Não gostei tanto de Keel Watson como da última vez que o escutei (no Ouro do Reno), parece-me que a sua voz estava com pouca densidade nos graves. Era exigível aqui uma maior presença do registo grave.
Victor Von Halem foi impressivo no seu pequeno papel, os seus graves continuam profundos, o veterano cantor continua a impressionar pelo seu ar imponente e interpretações de peso hierático, a la Grande Inquisidor...
Finalmente Pedro Chaves surpreendeu pela sua capacidade de se adaptar a uma linha vocal espinhosa, a sua voz bonita e a sua concentração e interpretação estiveram ao nível exigido pelo seu papel com levíssimos desvios de tom que corrigiu com inteligência. Gostei de ouvir o cantor português a cantar num palco maior.
A interpretação conduzida por Renzetti foi mais uma vez profissional e um compromisso aceitável com os recursos disponíveis, uma orquestra temperamental, irregular e com dificuldades, um coro fraco, vozes solistas entre o razoável e o excelente. Falhou redondamente em não domar as exorbitantes características vocais de Pentcheva. Esteve bem nas entradas e procurou dar um poder incisivo e dramático ao tecido musical em Édipo, mas falhou mais uma vez no refinamento do som, algo que me parece quase impossível de obter...
Pedro Boleo faz uma crítica no "O Público" a este concerto, uma crítica que vai bem mas com algumas imprecisões! Boleo afirma que a actuação da orquestra e coro foi "bastante bem excepto algumas imprecisões", que é o mesmo que não dizer nada e mesmo assim de forma deficiente. Nem o coro nem a orquestra estiveram "bastante bem". A orquestra esteve medíocre e o coro foi fraco, e as imprecisões foram mais do que muitas. Impreciso esteve também Boleo ao escrever o nome do cantor Victor Halem, onde faltou o "H" que tanta diferença faz; ainda por cima é um cantor bem conhecido em Portugal...
Recomenda-se aos críticos que vão dar uma volta para ouvir em concerto algumas boas orquestras e coros por esse Mundo fora para ter elementos comparativos, não faz bem aos ouvidos e ao sentido crítico ficar em Portugal a ouvir muitas vezes a Sinfónica Portuguesa e o coro do S. Carlos.
O meu médico até já me proibiu ouvir demasiadas vezes estes agrupamentos porque me faz mal aos nervos, é por isso que lá para a Páscoa rumo mais uma vez para a Baviera e Salzburg para, livre desta horrenda febre Mozart, mergulhar de novo em Música, e mais uma vez Wagner pela Filarmónica de Berlim. Lavagem de ouvidos e do cérebro.
Teatro Nacional de São Carlos
GENESIS SUITE (1945) numa estreia em Portugal.
Schönberg - Milhaud - Castelnuovo-Tedesco - Stravinski
Interpretação musical em sete partes dos primeiros onze capítulos do Livro Génesis.
Voz recitante
Fanny Ardant
OEDIPUS REX em versão de concerto - Igor Stravinski
Direcção musical Donato Renzetti
Ópera-oratória em dois actos. Libreto de Jean Cocteau segundo Sófocles.
versão de concerto
Voz recitante - Fanny Ardant
Oedipus - Will Hartmann
Creonte/Mensageiro - Keel Watson
Jocasta - Mariana Pentcheva
Pastor - Pedro Chaves
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos
Sejamos claros, a Genesis suite é uma obra interessante, é interessante a sua recuperação, mas é também uma obra incongruente, sem coerência interna, dispersa, e ainda por cima faltam-lhe três quadros, perdidos.
Os compositores estavam em campos estéticos diametralmente opostos, o que, apesar de conferir falta de unidade à obra, se torna interessante pelas diferenças estéticas presentes e tão evidentes. Foi bem programada e deu um interesse acrescido ao concerto.
A orquestra Sinfónica portuguesa cumpriu dentro das suas limitações de orquestra de segunda, o som continua desinteressante e não existe pathos dramático, as acentuações são frouxas, as cordas agudas continuam sem um som de conjunto.
Fanny Ardant, recitante em inglês, esteve francamente mal face às expectativas, voz muito pouco clara e rouca, o inglês parecia o do inspector Clouseau, o que até conferiu algum humor ao seu trabalho.
O coro esteve fraco (aqui o fraco do coro é de uma outra dimensão do fraco de Ardant), vozes gritadas e estrídulas, projecções excessivas, para lá do necessário. Dá a impressão de termos no conjunto dos sopranos um conjunto frustrado de Natálias de Andrade: todas gostariam de poder gravar uns CD e serem solistas no S. Carlos. Os tenores enfermam do mesmo vício, entusiasmam-se e... é o caos, ficam a berrar fora de tempo, prolongam em excesso as notas, atrasam. Já foi pior mas continua inaceitável, depois de um franco progresso com Andreoli à frente, o coro está a voltar a estagnar e a não passar daquilo.
Foi interessante escutar esta peça mas fica uma imagem pálida da obra pela interpretação insatisfatória.
No Édipo de Stravinsky a coisa melhorou muito em termos musicais, a orquestra pareceu mais trabalhada e o som mais coeso, o coro menos agressivo, mas ainda num patamar inferior ao exigível, com entradas inseguras e saídas desconexas, desafinação e gritaria.
Os cantores ajudaram a melhorar o panorama: Willi Hartmann é um cantor extraordinário que raramente temos a possibilidade de escutar, compôs um Édipo atormentado psicologicamente e de grande dramatismo vocal, bem diferente do também excelente brilho irónico do Loge que realizou aqui no ano passado: Hartmann muda o seu timbre de acordo com o papel. Interpreta de forma muito natural a difícil linha de Stravinsky, não exagera na emissão adequando a sua prestação à obra, simplesmente brilhante.
Fanny Ardant foi novo recitante, um recitante que confere unidade a uma obra também ela aparentemente desconexa onde as ideias de Jean Cocteau procuram apontar os eixos simbólicos mais importante no Édipo original de Sófocles e da tragédia mitológica. Desta feita sem o peso da orquestra a tapar o texto e num francês puro, num tom carregado de dramatismo, esteve mais à altura do que se lhe esperava. Foi impressiva a sua entrada com uma voz assustadora que deixou o público assustado na cadeira.
A cantora Mariana Pentcheva, tem uma voz de peso, mas não evitou erros, o seu vibrato pesado, pesadíssimo mesmo, aproxima a sua voz dum registo kitsch e muito pouco refinado. Um vibrato tão excessivo que se aproxima da desafinação. Poderia ser uma excelente cantora se tivesse sido dirigida de acordo com a dimensão frágil e atormentada do papel de Jocasta; assim parecia um elefante numa loja de louça. Quem acredita que a padeira de Aljubarrota pode fazer de Jocasta, mãe de Édipo? Tivemos uma padeira de Aljubarrota com um vibrato digno de um apito de comboio. Belíssimos graves, médios cheios de corpo e agudos vibrantes de energia, mas pouca adequação ao texto e interpretação duvidosa.
Não gostei tanto de Keel Watson como da última vez que o escutei (no Ouro do Reno), parece-me que a sua voz estava com pouca densidade nos graves. Era exigível aqui uma maior presença do registo grave.
Victor Von Halem foi impressivo no seu pequeno papel, os seus graves continuam profundos, o veterano cantor continua a impressionar pelo seu ar imponente e interpretações de peso hierático, a la Grande Inquisidor...
Finalmente Pedro Chaves surpreendeu pela sua capacidade de se adaptar a uma linha vocal espinhosa, a sua voz bonita e a sua concentração e interpretação estiveram ao nível exigido pelo seu papel com levíssimos desvios de tom que corrigiu com inteligência. Gostei de ouvir o cantor português a cantar num palco maior.
A interpretação conduzida por Renzetti foi mais uma vez profissional e um compromisso aceitável com os recursos disponíveis, uma orquestra temperamental, irregular e com dificuldades, um coro fraco, vozes solistas entre o razoável e o excelente. Falhou redondamente em não domar as exorbitantes características vocais de Pentcheva. Esteve bem nas entradas e procurou dar um poder incisivo e dramático ao tecido musical em Édipo, mas falhou mais uma vez no refinamento do som, algo que me parece quase impossível de obter...
Pedro Boleo faz uma crítica no "O Público" a este concerto, uma crítica que vai bem mas com algumas imprecisões! Boleo afirma que a actuação da orquestra e coro foi "bastante bem excepto algumas imprecisões", que é o mesmo que não dizer nada e mesmo assim de forma deficiente. Nem o coro nem a orquestra estiveram "bastante bem". A orquestra esteve medíocre e o coro foi fraco, e as imprecisões foram mais do que muitas. Impreciso esteve também Boleo ao escrever o nome do cantor Victor Halem, onde faltou o "H" que tanta diferença faz; ainda por cima é um cantor bem conhecido em Portugal...
Recomenda-se aos críticos que vão dar uma volta para ouvir em concerto algumas boas orquestras e coros por esse Mundo fora para ter elementos comparativos, não faz bem aos ouvidos e ao sentido crítico ficar em Portugal a ouvir muitas vezes a Sinfónica Portuguesa e o coro do S. Carlos.
O meu médico até já me proibiu ouvir demasiadas vezes estes agrupamentos porque me faz mal aos nervos, é por isso que lá para a Páscoa rumo mais uma vez para a Baviera e Salzburg para, livre desta horrenda febre Mozart, mergulhar de novo em Música, e mais uma vez Wagner pela Filarmónica de Berlim. Lavagem de ouvidos e do cérebro.
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