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23.10.06

Independência da crítica - breve nota 

Como é possível haver independência da crítica se nos jornais de referência como o Expresso, o Público e o Diário de Notícias, o espaço da crítica musical séria se reduz cada vez mais?
Como reflexo da igorância e analfabetismo endémico de Portugal hoje em dia já nem na imprensa existem elites culturais, os editores são na sua maioria jovens inábeis vindos de escolas de jornalismo, que apesar de conceitos técnicos aprendidos não aprendem o essencial: cultura onde não existe substrato, um defeito da unversidade portuguesa, também geralmente medíocre e pouco estimulante. Quem acaba na cultura são rapazes e raparigas que não dão para a "polítrica" ou para qualquer coisa de mais "útil" dentro do jornal ao contrário de exemplos saudosos do passado em que editores eram figuras intelectuais de referência, e aqui lembro "O Público" que, há uns anos atrás, teve como editor um dramaturgo e poeta. Esta falta de substrato lato leva a um destaque de certas formas de cultura, que geralmente nunca incluem a música, compartimentando conhecimentos e formas de agir perante a arte. O cinema, por exemplo, terá sempre destaque face à música, porque é mais acessível aos editores que, embora não sabendo nada do assunto, sempre foram ao nimas algumas vezes para gáudio máximo dos críticos de cinema. Críticos de cinema muito mais severos do que um crítico de música em Portugal alguma vez poderá aspirar. Imagine-se dizer do João Paulo Santos, um músico de terceiro plano, do que se disse do Manuel de Oliveira, um nome maior da nossa arte. A literatura também passa à frente da música numa compartimentação artística absurda e ligada sempre a carências de gosto e de formação, o que não acontece, por exemplo, na Alemanha, Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Países Nórdicos ou Áustria e que é mais um sintoma do nosso atraso e falta de substrato.

Estes editores são o espelho de administrações mercantilistas e de direcções tontas, que julgam que o povo quer é massificação. A opinião política, também esta rasteira e enviezada, enxameia e contamina os jornais e consome os orçamentos. Sempre desprezando o facto básico que leva à venda real de um jornal na via pública: as notícias, notícias bem escritas, em cima da hora. Algo que acontece no Correio da Manhã que pelo menos não é um jornal envergonhado e conhece bem o seu caminho, isto apesar do seu desprezo olímpico pela cultura. O Correio da Manhã é lido por taxistas e é escrito por jornalistas, os outros são editados e dirigidos por taxistas e lidos pelos intelectuais...
Um exemplo: apesar de meios técnicos avançadíssimos os jornais já não conseguem ter no dia seguinte a crítica à ópera da véspera, nem sequer em 3000 caracteres, o que é quase igual a zero. Parece um absurdo quando nos anos vinte (do século passado) o Diário de Notícias conseguia muito mais e mais depressa.
Por outro lado a possibilidade de formação de públicos, no que é verdadeiramente serviço público, está totalmente arredada dos jornais. Pensa-se que o leitor é basicamente estúpido e inculto e não está interessado em coisas longas e complexas, espelho afinal de mentalidades igualmente limitadas. De facto o público é inteligente e está ávido de informação. É evidente que a escrita para um público geral sobre música clássica, por exemplo, deve explicar os contextos e ser relativamente simples, mas não significa que seja imbecilizada, ou reduzida apenas ao D. Giovanni no Palácio da Ajuda ou à porcaria inenarrável que constitui o exemplo de Anne Sophie von Otter a cantar Abba que surge em destaque em todos os jornais citados e merece uma "crítica" no Expresso.
Reduz-se a zero o espaço inteligente para a escolha dos críticos cada vez mais limitada, críticos que já nem sequer podem escolher o tema de cada artigo que vão escrever, acabando ao editor, que geralmente é uma nulidade total no assunto (e que tem na cabeça, geralmente cabeçuda, o que acha que o público quer) acabando por se exercer uma censura cultural e uma tarraxa que nivela pelo nível mais rasteiro os temas que conseguem entrar nos escassos linguados que vão sobrando aos desgraçados dos críticos.
Sei que Augusto M. Seabra saiu do Público e deu uma entrevista ao DN, sempre afirmei que Seabra era "mauzinho", que tentava aparentar mais do que sabia, mas tem duas vantagens: parece ser relativamente inteligente e detectar os pontos essenciais numa análise e por outro lado é corajoso, o que às vezes se confunde também com estupidez. Mas numa coisa tem razão, as direcções e edições de cultura do Público, e de muitos outros jornais, acrescento eu, são incompetentes para o serviço a que se propõem.
E continuo a acreditar que a crítica bem escrita e fundamentada, por longa que seja, suscita interesse do leitor, sobretudo nas classes que lêem os supostos jornais de referência, e também potencia a formação de quem não tem tanto interesse pelo assunto à priori. O público é bem mais inteligente que os editores e direcções dos jornais e por isso escolhe o Correio da Manhã...

P.S. - Uma das vacas sagradas da imprensa portuguesa são os directores e os editores. Nenhum jornalista, colaborador ou crítico (excepto o Seabra honra lhe seja feita) se atreve a criticar qualquer destes influentes personagens, toda a gente quer continuar a trabalhar... Creio que num blog independente se poderá abordar este assunto sem grandes problemas e é nestes pontos que a blogosfera continua a ganhar ao jornalismo puro.



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