19.9.06
Regresso - enfim
Estou de volta a Lisboa, depois de caminhar pela Alemanha, França, Japão, de novo pela Alemanha com uma volta na República Checa, Espanha e Itália, cá estou de novo em Lisboa, estive longe de blogs e computadores, livre de peias e compromissos temporais para lá daqueles que me exigia o meu próprio tempo. Para o final do ano irei ao Texas e logo a seguir espero passar pelo belo Inverno de Salzburg ou arredores, tenho de ter em conta que a cidade dos arcebispos me irrita solenemente...
Volto, em tempo de vindima, para a minha vindima interior e mesmo depois de seis dramas musicais em Bayreuth, ou talvez por isso mesmo, não consigo desligar de Wagner, é urgente um regresso à Birgit Nilsson sob a batuta de Karl Böhm, a cena final de Götterdämmerung, com a tremenda procissão sinfónica e teatral conduzida pela figura de Brünnhilde, ela mesmo também única na pele e voz de Nilsson, morto Windgassen, que é como quem diz o inconsciente Siegfried que apenas se revela Homem no instante ínfimo do passamento, a heroína trágica toma conta da acção e conduz-nos pela estrada magnificente da orquestra wagneriana no seu máximo expoente. Cintilante Nilsson que tudo faz esquecer à sua volta, excepto talvez os corvos de Wotan que se sentem na música de Wagner. Acabo de escutar esta mesma cena lendo a partitura e maravilhando-me perante as linhas mágicas de uma orquestra explorada até aos limites do imaginável.
Teatro e música, uma combinação que em Wagner deixa tudo o resto esquecido. Arte total, 1967, Böhm definiu o instante, tudo pode ser dito de outra forma mas não é possível dizer melhor.
Apesar dos defeitos deste Ring de Bayreuth, apesar de escolhas enviesadas, apesar de um encenador nulo (Tankred Dorst) e de uma direcção de actores anedótica, apesar das falhas da orquestra do festival, destrutiva no Siegfried em que as trompas estiveram muitos furos abaixo do exigível, apesar de cantores medíocres, com um caso péssimo: Wottrich em Siegmund, apesar da falta de coerência artística de Thielemann com escolhas de tempos arrevesadas, entradas de leão e saídas de sendeiro como no caso do início do terceiro acto da Walküre que se iniciou a todo o vapor e terminou a arrastar-se, apesar de uma actriz péssima como Linda Watson que, além do mais, não tem voz para a Brünnhilde, estamos em Bayreuth, os violinos desafinados ao longo de todo o Götterdämerung não foram suficientes para destruir a magia.
Hoje ainda se tolera um fracasso relativo, mas o Festival e a direcção artística do decrépito Wolfgang Wagner mostram-se anquilosados e sem força de definir rumos, não sei se estes fracassos dos últimos anos (Parsifal criticado por quase todos e Tristan - que apesar de criticado por muita gente - me agrada cada vez mais) não começarão a marcar um ponto final da aura de Bayreuth.
Sem ser carne nem peixe, sem apostas fortes, sem rupturas, estas produções de meias tintas que querem agradar a todos acabam por não agradar a ninguém.
É evidente que é melhor ter encenador, mesmo que violando a obra, do que não ter nada: voltando a Lisboa tenho de voltar a Vick e à produção do S. Carlos, teatralmente errada no meu entender mas cheia de ideias e relativamente coerente. Infelizmente a música ficou a anos luz de Bayreuth, apesar dos erros de Thielemann e da orquestra do Festival.
É conveniente dizer que a Orquestra Sinfónica Portuguesa é uma orquestra menoríssima no plano internacional, a construção do som é muito fraca, a técnica é reduzida, a desafinação, se em Bayreuth foi estranhíssima, na OSP é normal, no plano rítmico a nossa orquestra é geralmente um desastre, e falando em coesão orquestral, som próprio, cultura própria nem vale a pena falar, comparar a OSP com a orquesta do Festival de Bayreuth nem sequer faz sentido. Falando com alguns críticos estrangeiros que estiveram em Lisboa para escutar o Ouro do Reno, a palavra mais negativa foi sempre para a OSP e para o pobre Ignatz, um barítono verdiano que se veio enterrar a Lisboa como Wotan às ordens de Graham Vick, porque este assim o decidiu, e parece que mais vale um actor à ordens do ditador do que alguém capaz de cantar o papel. É claro que a música não interessava em Lisboa, numa desgraçada distorção de todos os valores artísticos, em Lisboa interessa Graham Vick, e se a OSP não é capaz de tocar Wagner também não faz diferença nenhuma... uma filosofia estranha com bastantes partidários.
Lisboa valerá, talvez, pela encenação, Bayreuth valeu, certamente, pela música.
Fica uma palavra para Aix-en-Provence que não se pode esquecer neste capítulo, a Berliner com Rattle a dirigir e a encenação de Braunschweig, sem nenhum cantor que destoe do conjunto, conseguiu no Rheingold a síntese mágica entre música e teatro, sem concessões parciais, num equilíbrio perfeito, isto (des)considerando os críticos que dizeram que Aix era apenas uma "banheira" para a exibição da Filarmónica de Berlim.
Veremos no próximo ano como continuam as produções do Ring, junta-se ainda o de Valência que parece vir a ser muito prometedor.
Falta ainda dizer de como me soube bem ficar mais dois dias em Bayreuth para escutar um Tristan dirigido magistralmente por Peter Schneider e um calmo Navio com uma encenação simplesmente genial mas, por hoje, basta...
Volto, em tempo de vindima, para a minha vindima interior e mesmo depois de seis dramas musicais em Bayreuth, ou talvez por isso mesmo, não consigo desligar de Wagner, é urgente um regresso à Birgit Nilsson sob a batuta de Karl Böhm, a cena final de Götterdämmerung, com a tremenda procissão sinfónica e teatral conduzida pela figura de Brünnhilde, ela mesmo também única na pele e voz de Nilsson, morto Windgassen, que é como quem diz o inconsciente Siegfried que apenas se revela Homem no instante ínfimo do passamento, a heroína trágica toma conta da acção e conduz-nos pela estrada magnificente da orquestra wagneriana no seu máximo expoente. Cintilante Nilsson que tudo faz esquecer à sua volta, excepto talvez os corvos de Wotan que se sentem na música de Wagner. Acabo de escutar esta mesma cena lendo a partitura e maravilhando-me perante as linhas mágicas de uma orquestra explorada até aos limites do imaginável.
Teatro e música, uma combinação que em Wagner deixa tudo o resto esquecido. Arte total, 1967, Böhm definiu o instante, tudo pode ser dito de outra forma mas não é possível dizer melhor.
Apesar dos defeitos deste Ring de Bayreuth, apesar de escolhas enviesadas, apesar de um encenador nulo (Tankred Dorst) e de uma direcção de actores anedótica, apesar das falhas da orquestra do festival, destrutiva no Siegfried em que as trompas estiveram muitos furos abaixo do exigível, apesar de cantores medíocres, com um caso péssimo: Wottrich em Siegmund, apesar da falta de coerência artística de Thielemann com escolhas de tempos arrevesadas, entradas de leão e saídas de sendeiro como no caso do início do terceiro acto da Walküre que se iniciou a todo o vapor e terminou a arrastar-se, apesar de uma actriz péssima como Linda Watson que, além do mais, não tem voz para a Brünnhilde, estamos em Bayreuth, os violinos desafinados ao longo de todo o Götterdämerung não foram suficientes para destruir a magia.
Hoje ainda se tolera um fracasso relativo, mas o Festival e a direcção artística do decrépito Wolfgang Wagner mostram-se anquilosados e sem força de definir rumos, não sei se estes fracassos dos últimos anos (Parsifal criticado por quase todos e Tristan - que apesar de criticado por muita gente - me agrada cada vez mais) não começarão a marcar um ponto final da aura de Bayreuth.
Sem ser carne nem peixe, sem apostas fortes, sem rupturas, estas produções de meias tintas que querem agradar a todos acabam por não agradar a ninguém.
É evidente que é melhor ter encenador, mesmo que violando a obra, do que não ter nada: voltando a Lisboa tenho de voltar a Vick e à produção do S. Carlos, teatralmente errada no meu entender mas cheia de ideias e relativamente coerente. Infelizmente a música ficou a anos luz de Bayreuth, apesar dos erros de Thielemann e da orquestra do Festival.
É conveniente dizer que a Orquestra Sinfónica Portuguesa é uma orquestra menoríssima no plano internacional, a construção do som é muito fraca, a técnica é reduzida, a desafinação, se em Bayreuth foi estranhíssima, na OSP é normal, no plano rítmico a nossa orquestra é geralmente um desastre, e falando em coesão orquestral, som próprio, cultura própria nem vale a pena falar, comparar a OSP com a orquesta do Festival de Bayreuth nem sequer faz sentido. Falando com alguns críticos estrangeiros que estiveram em Lisboa para escutar o Ouro do Reno, a palavra mais negativa foi sempre para a OSP e para o pobre Ignatz, um barítono verdiano que se veio enterrar a Lisboa como Wotan às ordens de Graham Vick, porque este assim o decidiu, e parece que mais vale um actor à ordens do ditador do que alguém capaz de cantar o papel. É claro que a música não interessava em Lisboa, numa desgraçada distorção de todos os valores artísticos, em Lisboa interessa Graham Vick, e se a OSP não é capaz de tocar Wagner também não faz diferença nenhuma... uma filosofia estranha com bastantes partidários.
Lisboa valerá, talvez, pela encenação, Bayreuth valeu, certamente, pela música.
Fica uma palavra para Aix-en-Provence que não se pode esquecer neste capítulo, a Berliner com Rattle a dirigir e a encenação de Braunschweig, sem nenhum cantor que destoe do conjunto, conseguiu no Rheingold a síntese mágica entre música e teatro, sem concessões parciais, num equilíbrio perfeito, isto (des)considerando os críticos que dizeram que Aix era apenas uma "banheira" para a exibição da Filarmónica de Berlim.
Veremos no próximo ano como continuam as produções do Ring, junta-se ainda o de Valência que parece vir a ser muito prometedor.
Falta ainda dizer de como me soube bem ficar mais dois dias em Bayreuth para escutar um Tristan dirigido magistralmente por Peter Schneider e um calmo Navio com uma encenação simplesmente genial mas, por hoje, basta...
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