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19.6.06

Coca cola ou champanhe finlandês 

Devo confessar que me sinto perplexo, se é que o inefável Augusto M. Seabra me deixa usar esta expressão.
Não é que em duas leituras de Jorge Calado, no semanário Expresso me deparo com dois manifestos de adesão total, incondicional e absoluta em lugar de críticas pensadas e relativizadas. Pior, afirma-se que Mattila é champanhe e "outras" serão coca-cola. Sem o autor especificar nenhum nome vem-me à memória Sara Mingardo, que esteve em Lisboa recentemente, com a ausência de Jorge Calado na assistência, mas deixemos as coca-colas e passemos ao que importa.
Uma das leituras diz respeito ao Ouro do Reno, Teatro Nacional de S. Carlos. Se lermos a entrevista que Pomàrico me concedeu, as entrevistas que Graham Vick concedeu a toda a gente excepto ao autor destas linhas e se tivermos assistido com olhos e ouvidos de ver e ouvir, percebemos que existem muitas faces num poliedro, algumas brilhantes e coloridas, outras negras, e muitas cinzentas. Passar uma esponja pelo lado negativo e, pior, dizer que o que foi tecnicamente mau, como o péssimo Wotan de Stefan Ignat, foi muito bom, é uma distorção da realidade. A crítica no meu entender não deve ser nunca uma incondicional declaração de amor.
Entretanto, e em passant, também li em Augusto M. Seabra que os trombones andaram mal nas récitas a que assistiu, precisamente as mesmas a que eu assisti, será que Seabra sabe o que é um trombone? De facto dentro dos metais foram precisamente os trombones que melhor corresponderam à chamada, o que falhou a sério foram as tubas wagnerianas, precisamente na invocação de Donner. Claro que depois de saber como tiveram de tocar, com o tecto a vinte centímetros do pavilhão do instrumento, achei que não valia a pena bater mais no ceguinho... Provavelmente quem tem culpa desse falhanço foi quem desenhou aquele palco e aquele fosso, o que me leva para Graham Vick. O fosso é um dos pontos a melhorar, como disse Pomàrico, logo o maestro... que azar. Óbvio para toda a gente excepto para Jorge Calado que achou tudo perfeito. É precisamente este fosso novo e magnífico, motor da revolução da sala, onde paradoxalmente continua a não caber a orquestra prevista por Wagner e de onde o som não sai.
Uma produção de nível elevado onde existem pontos a melhorar, foi a minha conclusão, apesar de problemas teóricos, interpretativos, de realização concreta da produção sonora e de uma excessiva predominância da componente cénica em detrimento da música; num compromisso demasiado favorável ao palco.
Isto leva-me a Karita Mattila, uma soprano finlandesa e Martin Katz um excelente pianista. Um concerto na Gulbenkian a 9 de Junho, obras de Samuel Barber, Toivo Kuula, Erkki Melartin, Oskar Merikanto, Leevi Madetoja na primeira parte.
Hugo Wolf, Enrique Granados e Joaquin Turina na segunda parte.

O primeiro aspecto não comentado por Calado, neste sábado passado no Expresso, é a divulgação tardia do programa, responsabilidade da cantora que talvez não seja diva mas que actua como tal, de forma que durante muitos meses o público teve bilhetes sem saber para o que ia. E isto encarna uma total distorção de princípios e valores. Eu vou a um concerto pela música, o mais importante é mesmo a ... música. Se a intérprete x ou y não divulga o programa com antecedência o público passa um cheque em branco ao comprar o bilhete, parece que funciona com grandes nomes. No caso de Mattila funciona, porquê? Porque se vai escutar o fenómeno, ver o fenómeno, o mais importante fica para segundo plano. Errado? Claro que sim.
E como consequência lá aparece um programa de recital que inclui Granados, Turina, Wolf, e estes ainda se suportam, um Samuel Barber francamente desinteressante e, como coroa, quatro compositores finlandeses absolutamente medíocres, sem a menor capacidade de transcendência musical e de surpresa. Um programa interessante para a comunidade finlandesa radicada em Portugal e pouco mais. O mais desolador e menos aliciante programa a que assisti nos últimos tempos. Mattila tem uma voz densa, poderosa, espessa, mas também tem um vibrato por onde passa, senão um Jumbo 747, pelo menos um comboio de mercadorias, tem boa emissão mas não é igual em todos os registos. Seria muito bom poder escutar o seu Strauss em lied mas neste repertório fácil e fraco que trouxe a Portugal acabo até por notar um cheirinho de menosprezo por quem a ouve e por quem a contrata, mais uns sapatos descalçados no final, um xaile atirado para o chão e beijocas na careca do pianista com menos quarenta centímetros do que ela e então até atingimos o nível circense, e isto foi contado por amigos que resistiram até ao fim que eu, felizmente, já não estava na sala para não ter de aturar a berraria histérica e despropositada e as cenas de divite do costume.
Mas para alguns este é o champanhe que gostam de beber. Prefiro o saudável e generoso vinho italiano de Sara Mingardo, por exemplo, que escolheu Vivaldi, Caldara, Handel, Carissimi, Marcello, Galuppi e Falconieri, do que o champanhe de imitação da Finlândia, onde as uvas não têm o hábito de se dar bem.
Cada qual terá a sua opinião e a diferença é saudável, mas impor este espumoso nórdico aos leitores do Expresso parece-me excessivo.


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