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3.4.06

Concerto de Paul van Nevel e do Huelgas Ensemble 

Algures no tempo o sino vai batendo, os pássaros gritam lá fora, um Land Rover com cinquenta anos e cheio de pó pede-me auxílio num telheiro esquecido de quinta, na mesa os testes dos meus alunos são outras tantas chamadas ao tempo presente que sinto ausente, no portátil música numa partitura que espera, um livro, parece que até são dois, escondido meio acabado, outro mal começado, artigos científicos por acabar, algures Buxtehude, Ad Pedes, clama do alto dos seus trezentos e vinte e seis anos de composição, um relógio num tic tac monótono lembra tias velhinhas, e um cuco que não volta mais, um cuco que me obrigava a esperar em casa dos meus bisavós, na altura da tia Hilda, tempos infinitos pelo passarinho que me fascinava, e que eu esquecia sempre, ocupado com alguma brincadeira naquele lugar encantado de velharias, de fotos de carbonários e de velhos ilhéus que lembro hoje e que nem sei se existiram. Domingo de Primavera, Sol no pátio, ervas verdes entre as pedras e ao longe o sino, mas que sino é este? Será sino de mortos ou de quaresma? Calor, um bafo húmido e abafado de chuviscos ainda de sexta feira, um comboio, e o sino que não se cala, pego nos testes, como detesto os testes, e lá os vejo, a pouco e pouco, demorados estes testes, entre um cachimbo que se apaga e o sino que toca. Alunos do Técnico a fazerem testes quinzenais, como se fossem miúdos do liceu... Mas são os tempos, Bolonha vem aí, temos de agarrar o tempo, globalização e a treta neo-liberal, sobram os testes já vistos, e os cães que ladram e o Sol regente do sino e do calor, senhor também de um concerto que virá no fim da tarde. Um Land-Rover que se põe a trabalhar calmamente num telheiro e um sino que não se cala e chega uma tia que nos diz: olha, lá anda a procissão do Senhor dos Passos na aldeia. Felizmente não tenho internet nesta tarde de Sol e de passos mas alguns geradores eólicos já se pressentem da janela onde me sento a ver o pomar em flor do outro lado da linha do comboio, serão ameixoeiras? Parecem, daqui onde me lembro desta tarde quente de Primavera, sinos em flor para os passos dos pés do Buxtehude, trezentos e vinte e seis anos atrás, afinal o tempo ainda é o mesmo, nunca saiu daqui, e o Paul van Nevel no seu concerto majestático de domingo ao fim de tarde, mais tarde, contribuiu para isso. As palavras para a crítica ficaram no Sol, no sino e no Senhor dos Passos, nada mais há para dizer. Lamentações de Jeremias fora da Igreja que as viram nascer para um punhado de gente que, num Domingo ao fim de tarde, não lamenta o Sol regente perdido ou ganho algures no tempo.


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