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20.4.06

121 anos na gaveta 

Não vou perder muito tempo:
Enredo abominável em termos literários e teatrais: O Pai Tirano com o Vasco Santana ironiza na perfeição grande parte do enredo, juntam-se umas cenas de capa e espada e em vez de "Alvíssaras: o Menino Chegou" temos "Hossana ..." No fim aparece a polícia e não vai tudo preso porque ninguém se lembrou de colocar um telefone em cena.

Música profissional mas enfadonha, desinteressante. Trombones nos locais certos (dando compassos de espera suficientes para conversar e contar piadas que se poderão escutar nos camarotes que ficam por cima do lado direito do teatro, um vício metálico que data do tempo do Cruges) e muitos tímbales... Tónica e dominante, dominante e tónica, uma relativa menor e já está, pum pum para pum pum pum! E quando se espera que a acção progrida lá vem mais uma ária deste e daquele. Até Massenet fez melhor.

Orquestra roufenha, desconcentrada de uma música que é um castigo mas que merecia maior concentração. É verdade que estão vestidos de gatos pingados mas podiam velar um pouco melhor o morto.

Encenação estática: é maravilhoso ver uma cena de cólera e acção, de raiva e fúria com quatro cantores especados em palco em tiradas tonitruantes sem olhar uns para os outros, a dizer que se matam e vingam e o diabo a sete, virados para a plateia feitos estátuas e depois escutar Luís Guilherme cantar: acalmai-vos senhores! Enquanto a orquestra arpeja e ofega! De rir às gargalhadas não fosse ter de aturar a coisa há mais de três horas e ter uma dor na perna que já não se aguenta. Uma Adelaide Vidal figura George de Sand que aparece inconsequentemente no início dos actos. Um coro de pastores aparece com figurinos de nobres figuras do século XVI, serão pastores em trajes de gala?

Um tenor berrador no papel principal (Kostyantyn Andreyev em Jovelin) pujante mas canastrão e pouco subtil, uma cantora destimbrada no principal papel (Katia Pellegrino em Laureane), de onde escapam uns agudos bonitos. Um conjunto de apoio muito seguro, com Fardilha (Alvimar) em lugar de grande destaque e Guilherme (Ars) a cantar sempre em forma na medida do que a música lhe deu para cantar... Um razoável Bois-Doré (feito por Leo AN) e um Mario muito franzino vocalmente mas correcto (Marina Comparato). O Adamas (de Medioni) foi fracote (algo desafinadote) sendo os demais papeis demasiado pequenos para grandes encómios. Pode dizer-se que o naipe de solistas cumpriu na margem escassa que a música dá. Valeu a pena escutar a força e composição vocal de Fardilha (Alvimar), infelizmente o personagem não evoluiu nada (nenhum evoluiu) do princípio para o fim da obra em quatro actos.

O bailado foi o pior, figurinos aberrantes, coreografia pedestre, elementar, escolar e convencional, música insuportável e bailarinos que nem sequer eram capazes de levantar os braços ao mesmo tempo. Interminável e horrendo, o pior da noite. O coreógrafo tripla bola preta foi Ron Howell.

Uma ópera demasiado longa e convencional com encenação convencional, direcção rigorosa de Renzetti no capítulo vozes e indiferente no capítulo orquestral. Coro razoável com direcção de Andreoli. Música profissional mas aborrecida. Bailado péssimo em todos os capítulos. Má direcção de actores, encenação indiferente de Mauro Avogadro sem desconstruir o kitsch que uma obra destas encerra. Cenários visualmente funcionais mas altamente convencionais em termos teatrais, papel pintado que sobe e desce e uma cortina semitransparente que deixa ver o que se passa por trás quando o fundo fica iluminado. Luzes indiferentes mas profissionais.

Em jeito de conclusão: louva-se o Teatro de S. Carlos que repõe uma obra portuguesa esquecida, o risco foi assumido. Mercê de uma encenação demasiado convencional, uma orquestra pouco interessada, uma direcção de actores/cantores pouco convincente e um bailado abominável em todos os sentidos a ópera perdeu a cor (pouca) que poderia ter. Escapou o coro (louvado seja Deus) e a regularidade dos cantores solistas. Percebe-se porque ficou na gaveta estes anos. O produto é português, a produção é esforçada e digna mas o resultado final é maçador. A mesma ópera com cortes (muitos, variados e longos) teria sido muito mais interessante. Espera-se que volte daqui a trinta anos, sem este bailado. A Serrana, por exemplo, é uma obra muito mais consistente e merece voltar mais depressa à cena.

Conclusão sobre a CNB: E andamos nós a pagar milhões de euros para a Companhia Nacional de Bailado fazer uma porcaria destas? Um trabalho pouco profissional que o TNSC não merecia e o público muito menos, uma vergonha.

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