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19.3.06

Três óperas numa noite 

Três óperas no S. Carlos.
Vou ser sucinto:
1- Sancta Susanna de Hindemith, libreto baseado numa peça "chocante" de August Stramm. Uma peça modernista de museu, literariamente datada e sem o menor interesse ou nexo dramático. Musicalmente interessante (mas pouco), bem cantada e razoavelmente tocada. Encenação interessante, dentro das poucas possibilidades oferecidas pelo texto.

2- Erwartung de Schönberg. Monodrama para personagem única de Marie Pappenheim. Cantora única Brigitte Pinter no papel de "uma mulher". Peça literária de qualidade literária elevadíssima, intemporal. Encenação lógica, de uma coerência ímpar. Ao ver esta encenação pensa-se: não poderia ser de outra forma! Uma cantora fantástica e uma actriz extraordinária. Não esquecerei os olhos esgazeados de Pinter no final do drama. Música extraordinária de Schönberg; quando se escuta a obra e se contempla o drama de "uma mulher" pensa-se: a música não poderia ser de outra forma. Atonalismo livre ou cromatismo absoluto? Uma questão que ainda atormenta os musicólogos. Eu respondo, pessoalmente, da forma mais simples: um período único da criação humana, uma fase de transformação absolutamente única na história da música que infelizmente foi depois cortada pelo formalismo castrador do dodecafonismo e do serialismo integral. Música sublime, texto notável. Interpretação brilhante da cantora. Do melhor que temos visto no S. Carlos, e esta temporada está a mostrar-se de alto nível, já com algumas produções razoáveis e duas (Iolanta e Erwartung) superlativas, acima da média em qualquer teatro do mundo onde o superlativo é geralmente uma meta muito difícil de alcançar. Veremos se no Ouro do Reno se continua a cumprir o destino desta temporada ou se estraga tudo...

3- Il Dissoluto Assolto de Azio Corghi. Libreto de Corghi e Saramago sobre um texto de Saramago. Música entre o mediano e o medíocre e texto literário desinteressante, uma espécie de ideia escolar trabalhada de forma muito profissional por Saramago (ou não seja ele prémio “Nubél”), mas requentada de ideias (impotência e perdão e regresso à inocência do sedutor seduzido, só faltou uma referência à hipótese da homosexualidade, e etc) e ilógica na subverção/desconstrução do personagem de D. João. A música é repetitiva, cheia de citações, ritmos tirados daqui e dali, uma espécie de neo-neo-neo não se sabe o quê pós não se sabe o quê, uma coisa que nem é carne nem peixe e tenta cheirar a agradável tantos são os compromissos. O Tenório merecia melhor sorte, melhor música e melhor texto, a morte é sempre melhor sorte para um personagem como o Dissoluto. Resultado enfadonho, desinteressante e banal. Encenação também desatenta ao texto original: onde está a estátua desfeita em pó? Em pó fica este projecto do qual daqui a vinte anos ninguém se lembrará, vaticino. Uma estreia mundial para consumo imediato, uma espécie de hamburguer. Louva-se a iniciativa da estreia mas será disto que o nosso tempo é capaz?

Orquestra algo básica mas cumpridora, Letonja demasiado técnico e frio em Schönberg. Diria que foi algo paquidérmico nas duas primeiras obras sendo em geral pouco subtil nos fortíssimos com metais excessivos e desequilíbrio na massa sonora entre cordas e sopros.

Coro cumpridor e correcto mas com sonoridade algo roufenha no Corghi, mas não sei até que ponto esse era o objectivo.

Bola preta: Público do S. Carlos, desinteressado, ruidoso, incapaz de reconhecer a explosão criativa e interpretativa em Erwartung. Incapazes de reconhecer a qualidade quando se apresenta, incapazes de sentido crítico, o público lisboeta continua acéfalo. Hoje como sempre...

Mais detalhes se me apetecer, aqui, um destes dias…



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