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10.2.06

Lugansky - Um recital não totalmente conseguido e um toque de terceiro mundismo 

Terça, 7 Fev 2006, 19:00 - Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian - Av. Berna, Lisboa.

Nikolai Lugansky (piano)

Ludwig van Beethoven. Sonata Nº 16, em Sol Maior, op.31 nº 1.
César Franck. Prelúdio, Coral e Fuga
Fryderyck Chopin. Prelúdio em Dó sustenido menor, op.45 e sonata Nº 3, em Si menor, op.58.
Extras (2) de Chopin e de Liszt/Paganini.

Uma primeira nota para o lado extremamente desagradável que é ter um pianista a entrar para o seu recital e estarem ainda inúmeras pessoas a entrar pelas portas abertas da sala. Uma falha gravíssima da Frente de Casa que aliás repetiu um erro crasso que se passou na segunda parte do recital de Kissin. Se fosse apenas uma vez por distracção ou erro ainda se desculpava. Ter esta cena repetida quer dizer que ninguém aprendeu com erros anteriores e existe de facto uma rebaldaria numa sala que se quer mostrar à altura das melhores casas do mundo. Lamentável esta reincidência na falta de respeito pelo pianista e pelo público que chegou à hora. Nunca deveria ser dada ordem para o pianista entrar numa situação destas.

O Beethoven de Lugansky é um Beethoven maduro, pensado e repensado e tocado à exaustão. A interpretação desta sonata revestiu-se de um lado extremamente elaborado, em que Lugansky tentou transmitir a elegância do seu fraseado, a finesse do seu estilo. Se em ocasiões anteriores notei uma subtil e mágica capacidade de dominar o factor tempo em Beethoven com uma inteligentíssima dose de rubato, neste recital voltámos a sentir esse poder. É um jogo de abismos, a todo o momento pode-se cair no excesso e transformar uma interpretação colossal numa pastelada sentimental. Creio que Lugansky não estaria tão inspirado como de costume pois esse dosear do rubato que é uma das suas marcas se notou para além do razoável, no entanto Lugansky conseguiu agarrar a obra e, apesar de algum desequílibrio, nunca tombou no abismo. Um uso do pedal muito apropriado e uma mão esquerda muito bem desenhada compensaram de certa forma o rubato excessivo.
Em César Frank o pianista foi dominador, de uma sonoridade sinfónica e de uma técnica superlativa numa obra de grande fôlego. Impressiva a fuga. Neste ponto do recital o rubato de Lugansky foi utilizado de forma mais subtil, ou mais de acordo com a obra, e marcou um efeito interpretativo de rara beleza. Creio que o ponto alto do recital esteve aqui e nos dois primeiros extras.
Já o Chopin foi, no meu entender, muito mais fraco, o prelúdio foi relativamente banal para um pianista desta categoria e a sonata pecou por erros que me pareceram graves ao nível de topo, como fraseados interrompidos, notas cortadas cedo demais quebrando frases de forma inconclusiva, legato demasiado irregular, parecia que Lugansky ainda estava a ler a sonata ou que a memorização técnica foi imperfeita.

O primeiro extra, um prelúdio de Chopin foi lido com rara poesia, o segundo extra, um estudo para as terceiras, foi o momento mais sublime da noite, um legato em pianíssimo com uma uniformidade espantosa, perfeito na "dicção" e na expressividade.

O terceiro extra correspondeu ao toque terceiro mundista, depois de obras de grande fôlego criativo e intelectual, depois de momentos mágicos nos dois extras notáveis que Lugansky escolheu, lá tinha de escorregar o pé para o chinelo com a Campanella de Liszt na transcrição para piano solo do concerto de Paganini. Um número circence a que o público corrrespondeu com bravos e urros quanto baste para corte de orelha e rabo.

Nota pícara: um senhor perto do local onde eu estava e que esteve pacatamente a ressonar durante toda a fuga do César Frank mal esta acaba e se ouvem as primeiras palmas, levanta-se e grita repetidamente "bravo", ah é deste público que a gente precisa! Sem boa música não há bons sonhos...


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