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17.12.05

DIE ENTFÜHRUNG AUS DEM SERAIL 

Notas de audição da estreia do Rapto do Serralho de Mozart em Lisboa.

Julia Jones conseguiu conduzir com dinamismo e de forma muito viva todo o tecido musical mozartiano. Dinâmica expressiva, agógica viva, acentuação precisa, ênfase e cor. Entradas exactas, atenção, precisão e rigor. Faltou um pouco de produção sonora (mais por culpa do coro e orquestra) e do golpe de génio da subversão, mas mais vale fazer bem feito com convicção do que subverter gratuitamente acabando na destruição.
A OSP esteve bem, no terço presente no fosso, afinados q.b., exactos q.b., vivos e precisos, interessante a abertura, resposta muito clara às solicitações de Jones. Um bom trabalho, peca apenas a produção sonora. Um som pouco denso (nos pianos e nos fortes) e feio é o apanágio das cordas agudas da OSP. A rever urgentemente este aspecto de debilidade crónica da orquestra. Bons sopros e percussão.
O coro esteve razoável, afinadinho e correcto. Infelizmente as vozes femininas assemelham-se ao tipo de emissão dos coros dos ranchos folcóricos, tipo lavadeiras de Caneças, esganiçado, destimbrado, agreste. É preciso trabalhar mais este aspecto da beleza sonora e corpo do coro. Notou-se também alguma falta de poder sonoro no final, talvez por o coro estar em versão reduzida...

Konstanze: Iride Martinez, soprano, entrou fria, destimbrada, desafinada, agreste. Sem corpo harmónico. Foi crescendo e melhorando o timbre, a interpretação foi algo tacteante, ária lenta do segundo acto muito bem. A Ária de bravura no segundo acto foi muito aplaudida, no entanto cortou frases por dificuldades de coordenação da respiração, mostrou um buraco entre registos onde deixava de ter voz, e atrapalhou-se numa das entradas em que se atrasou da orquestra, mas o público do S. Carlos anda generoso nas estreias. O acto final correu bastante bem.

Belmonte: Bruce Ford. Gostei muito do requinte e da pujança de Bruce Ford. Sempre correcto com um timbre bonito, interpretando Mozart com elegância e mostrando uma belíssima voz nos médios. Pode-se dizer que foi dos pontos altos desta récita e desta produção.

Blonde: Whal Ran Seo. Muito engraçada, boa actriz, voz modulada para diversos timbres que escolheu a seu belo prazer, desde o irritante timbre de criadita (à lavadeira de Caneças), modificando-o depois mostrando uma cor e uma variedade insuspeita. Esteve melhor do que Iride Martinez e foi uma bela surpresa.

Osmin: Bjarni Thor Kristinsson. O criado de Selim mostrou-se um belo actor, e mostrou também uma boa voz de baixo cantante ao qual falta apenas mais densidade nos baixos profundos onde o volume e mesmo afinação colapsam, creio que nas notas mais graves estava sempre alto. Bom sentido de humor como actor e musicalmente, as suas árias foram sempre exemplos de divertimento vocal e visual.

Pedrillo: Mário João Alves. Em bom nível, esteve muito bem na sua ária e como actor. Bem preparado em termos de estudo do papel, voz bonita e bem colocada. Em face dos volumes sonoros de Kristinsson e de Ford ficou a perder no terceto com estes em que quase se deixava de ouvir (nos momentos de conjunto a sua voz apagava-se sempre um pouco) . No entanto a sua voz é assim, e não se exige mais a um tenor no papel de Pedrillo. O que lhe falta em volume encontra-se noutras qualidades. Foi muito justamente ovacionado na sua ária e no final.

O criado mudo do mimo Marco Merlini foi extraordinário, sentido de humor e expressividade, gestualidade convincente.

O alemão doce de Selim, Karl-Heinz Macek, originário de Bolzano, no Tirol, e uma voz muito bem trabalhada fizeram deste um dos trunfos de um papel que embora não cantado é decisivo para uma boa produção. Foi empolgado, foi raivoso, foi clemente, apenas com inflexões da voz. Um actor de grande plano e uma dicção perfeita. Um alemão longe da pronúncia do norte da Alemanha mas de uma correcção extrema e de uma grande beleza sonora e plástica. Impressionou-me sobretudo pela sua belíssima voz.

Nota sobre luzes: creio que as luzes posteriores criando o efeito de silhueta deveriam ter sido mais intensas, mesmo quando não era suposto conseguia-se distinguir perfeitamente a expressão dos cantores. Teria sido mais radical iluminar mais fortemente os cantores por detrás.
Reposição da encenação de Mattia Testi, que esteve tecnicamente muito bem nas marcações. Figurinos e cenografia do Teatro Alla Scala e da autoria de Luciano Damiani, exactos para a encenação.

Uma produção boa e muito equilibrada. O S. Carlos está de parabéns.

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