7.10.05
O par de fagotes
Concerto com programa de abertura da orquestra Gulbenkian na temporada deste ano. Emanuel Nunes, Mozart, Boulez e Haydn. Dirigiu LAWRENCE FOSTER.
Uma peça altamente desinteressante de Emanuel Nunes, cheia de efeitos e empastelamento repetitivo das mesmas ideias até à exaustão da devolução. Uma devolução aliás eloquente e não necessariamente má, uma espécie de regurgitação com sabor pós moderno através de uma dupla negação tanto cognitiva como onírica do universo aparente, criando estruturas subjacentes de uma poética vaga e instável. Nunes não deixa margem para dúvidas epistemológicas mas também não é escatológico. Passámos depois a um inacreditável concerto para piano e orquestra. Como não quero que me chamem "bota-abaixo" passo adiante e nem dou o nome do pianista, parecia o concerto nº 20 mas não tenho a certeza, muitas das notas eram do concerto nº 20. Talvez fosse uma releitura de algum compositor contemporâneo da obra para combinar com o Nunes e o Boulez. Se fosse o concerto de Mozart diria: "Péssima a orquestra, desconcentrado e desastradíssimo o pianista. Desacerto total entre orquestra e o que o pianista queria dizer, excesso de som e de dinâmica sobre a suavidade que se pretendia inefável a transformar-se crescentemente em trapalhada irritada do pianista... Primeiro trompa fanhoso a falhar notas agudas. O pianista talvez não estivesse nos seus melhores dias mas a orquestra, com Foster à cabeça, estava mesmo nos seus piores momentos de todos os tempos a portar-se de forma paquidérmica e sem a menor sensibilidade para o compositor. Desacerto nos tempos e nos ataques." O mesmo público que vota nas eleições de domingo bateu palmas e exigiu orelha, com muitos a baterem palmas de pé. Lá veio a orelha sob a forma de um extra mozartiano, aqui sim tenho a certeza, e que foi melhorzito. Intervalo, muito interessante este intervalo com uma meia de leite muito bem tirada. O Boulez que se seguiu foi o melhor do dia com a flautista CLAUDIA STEIN-CORNAZ com uma leitura muito bela da obra de Boulez. A seguir tivemos Haydn, a orquestra saiu toda para a reorganização do palco. Toda? Não, espera lá... ficaram dois fagotes a dar umas notas. Falta de espírito de corpo? Falta de coesão na orquestra? Indisciplina? Não, nada disso, devem ter ficado a estudar a sinfonia de Haydn, não devem ter tido tempo e parece que ficaram no palco a estudar uma ou outra passagem mais difícil enquanto os colegas iam lá fora apanhar ar e os senhores da direcção de cena andavam a colocar estantes e reposicionar as cadeiras dos músicos. Isso é que é brio dos fagotistas que aproveitam todos os momentos para preparar a música que se segue. A sinfonia 95 de Haydn neste caso. Lá veio a sinfonia, um certo peso excessivo nos violinos, falta de estilo clássico nas cordas com uns vibratos de arrepiar até as cabeleiras empoadas de Haydn e Mozart. Um par de trompetes clássicos tocados excelentemente e a dar cor ao som da orquestra, contrabalançados pelas trompas duplas modernaças a dar uma cor local e contemporânea. Soma-se a sonoridade histérica dos violinos modernos a puxar pelo brilho do instrumento em vez de puxar pela suavidade e doçura clássicas, com articulações pesadas e com contrastes excessivos e temos uma sinfonia de Haydn ao melhor nível possível pela orquestra Gulbenkian. Um minuete divertido e bem tocado ajudou a quebrar a monotonia e um final empolgante, em que Foster deu tudo e os músicos corresponderam. Um concertino que toca com excesso de sonoridade mesmo os pizzicatti mais delicados e que, do lugar onde estava, me pareceu tocar sempre um pouco antes do tempo todas as passagens. Um concerto para 6 na primeira parte e 13 na segunda.
Henrique Silveira
Uma peça altamente desinteressante de Emanuel Nunes, cheia de efeitos e empastelamento repetitivo das mesmas ideias até à exaustão da devolução. Uma devolução aliás eloquente e não necessariamente má, uma espécie de regurgitação com sabor pós moderno através de uma dupla negação tanto cognitiva como onírica do universo aparente, criando estruturas subjacentes de uma poética vaga e instável. Nunes não deixa margem para dúvidas epistemológicas mas também não é escatológico. Passámos depois a um inacreditável concerto para piano e orquestra. Como não quero que me chamem "bota-abaixo" passo adiante e nem dou o nome do pianista, parecia o concerto nº 20 mas não tenho a certeza, muitas das notas eram do concerto nº 20. Talvez fosse uma releitura de algum compositor contemporâneo da obra para combinar com o Nunes e o Boulez. Se fosse o concerto de Mozart diria: "Péssima a orquestra, desconcentrado e desastradíssimo o pianista. Desacerto total entre orquestra e o que o pianista queria dizer, excesso de som e de dinâmica sobre a suavidade que se pretendia inefável a transformar-se crescentemente em trapalhada irritada do pianista... Primeiro trompa fanhoso a falhar notas agudas. O pianista talvez não estivesse nos seus melhores dias mas a orquestra, com Foster à cabeça, estava mesmo nos seus piores momentos de todos os tempos a portar-se de forma paquidérmica e sem a menor sensibilidade para o compositor. Desacerto nos tempos e nos ataques." O mesmo público que vota nas eleições de domingo bateu palmas e exigiu orelha, com muitos a baterem palmas de pé. Lá veio a orelha sob a forma de um extra mozartiano, aqui sim tenho a certeza, e que foi melhorzito. Intervalo, muito interessante este intervalo com uma meia de leite muito bem tirada. O Boulez que se seguiu foi o melhor do dia com a flautista CLAUDIA STEIN-CORNAZ com uma leitura muito bela da obra de Boulez. A seguir tivemos Haydn, a orquestra saiu toda para a reorganização do palco. Toda? Não, espera lá... ficaram dois fagotes a dar umas notas. Falta de espírito de corpo? Falta de coesão na orquestra? Indisciplina? Não, nada disso, devem ter ficado a estudar a sinfonia de Haydn, não devem ter tido tempo e parece que ficaram no palco a estudar uma ou outra passagem mais difícil enquanto os colegas iam lá fora apanhar ar e os senhores da direcção de cena andavam a colocar estantes e reposicionar as cadeiras dos músicos. Isso é que é brio dos fagotistas que aproveitam todos os momentos para preparar a música que se segue. A sinfonia 95 de Haydn neste caso. Lá veio a sinfonia, um certo peso excessivo nos violinos, falta de estilo clássico nas cordas com uns vibratos de arrepiar até as cabeleiras empoadas de Haydn e Mozart. Um par de trompetes clássicos tocados excelentemente e a dar cor ao som da orquestra, contrabalançados pelas trompas duplas modernaças a dar uma cor local e contemporânea. Soma-se a sonoridade histérica dos violinos modernos a puxar pelo brilho do instrumento em vez de puxar pela suavidade e doçura clássicas, com articulações pesadas e com contrastes excessivos e temos uma sinfonia de Haydn ao melhor nível possível pela orquestra Gulbenkian. Um minuete divertido e bem tocado ajudou a quebrar a monotonia e um final empolgante, em que Foster deu tudo e os músicos corresponderam. Um concertino que toca com excesso de sonoridade mesmo os pizzicatti mais delicados e que, do lugar onde estava, me pareceu tocar sempre um pouco antes do tempo todas as passagens. Um concerto para 6 na primeira parte e 13 na segunda.
Henrique Silveira
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