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10.10.05

Micro País 

Pergunto-me a mim próprio se estou contente com os resultados eleitorais de ontem. Não, não estou. Portugal sai sempre a perder. Os candidatos autárquicos do PS eram muito maus em muitos casos. Os do PSD são na sua generalidade muito maus. Os partidos como o PSD e o PS continuarão, à custa da destruição do país, de urbanizações selvagens, de caos ambiental e urbano, a financiar-se de forma escandalosa e mafiosa à custa dos especuladores imobiliários e dos empreiteiros sem escrúpulos que polulam por aí e da gente de mau gosto que vai comprando os tugúrios. Não existe consciência cívica nem de quem quer enriquecer a todo o custo, políticos e especuladores, nem dos partidos por detrás do grande negócio autárquico que vai destruindo o país e queimando o que resta.
Sinto uma grande tristeza, porque o legado que recebemos dos nossos antepassados está a ser delapidado por esta corja colectiva portuguesa e porque nada haverá para os portugueses do futuro que poderão vir a ser melhores do que os de hoje, os quais não lamento. Tenho pena pelas aves de rapina, pelo lince, pelos peixes e pelas águas dos ribeiros, tenho pena pelas florestas, pelas azinheiras, pelos carvalhos, pelos sobreiros, pelas oliveiras e pelos castanheiros deste Portugal milenar que se esfuma em sacos azuis iguais ao de Felgueiras e em fogos ateados pela corrupção e pela ganância. Tenho pena pelas gerações inocentes dos crimes dos seus pais e que ocuparão um dia o seu lugar nas ruínas de um país com tudo para ser um paraíso, mas destruído pela gente rasteira que o habita e pelos políticos que elege. Democracia de Abril desperdiçada pelos seus filhos, como foi o Portugal da primeira república.
Tenho comiseração pela própria Fátima Felgueiras, na sua triste sina de ser igual a todos os outros e ter tido um Barros Moura, ex-comunista, intrinsecamente honesto e como tal já falecido, que a denunciou. Elegemos Fátimas Felgueiras em quase todos os concelhos do país e andamos a chorar e a lamentar a sua eleição na sua terra onde sempre fez o que vai alimentando os partidos e lhes permite pagar as campanhas eleitorais e retribuir os autarcas e aparelhos.
Estamos felizes por ter a Fátima para lamentar mas somos tristes por não vermos a floresta tapada por esta árvore. Seremos burros, seremos cegos, defendemos micro causas de forma obsessiva mas de facto temos micro cérebros se não percebermos o esquema...
Depois de ler Schopenhauer resta apenas a retirada, a desilusão para um espaço sem tempo, sem vontade, sem o nada redentor onde nem a Vontade de Representação subsiste. Onde não há espaço nem para Messias nem para um miserável Sebastião que apareça disfarçado de sapateiro. Portugal não é nada, nevoeiro. É chegado o momento da renúncia, o momento da poesia. E Fernando Pessoa bem pode clamar do fundo do seu livro: Portugal, é a hora! que o clamor já está extinto em letras desiguais na forma de uma impressão gasta. Talvez na próxima geração...


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