19.10.05
Kurtág mais do que perfeito
Elisabeth Leonskaya e três elementos do quarteto Alban Berg deram um concerto na Gulbenkian. Diversas razões levavam-me a pensar que iria gostar, à priori, desse concerto: Os quartetos com piano de Mozart são obras geniais, a sonata n.º 2 para piano de Shostakovitch é uma obra-prima no seu ambiente nocturno, no seu duelo fratricida entre a mão esquerda e direita que se prolonga do primeiro para o segundo andamento, e que culmina com os choques de cristal esmagado algures na noite que o terceiro andamento me faz lembrar.
Algumas peças de Kurtág (exergos de Signs, Games and Messages) serviam, no meu entender, para um bom complemento do programa.
Devo ainda dizer que o Alban Berg sempre foi para mim uma referência última da arte de tocar bem em quarteto de cordas, a sua subtileza e sonoridade vienenses, oriundas de Günther Pichler e seus pares, constituíram para mim o supremo refinamento na música de câmara.
E neste sentido o concerto foi realmente excelente, a pianista russa conseguiu moderar a sonoridade do seu piano à escala dos instrumentos de corda, mercê de uma subtileza enorme no toque e a uma elegância de grande fluidez no fraseado. O quarteto, reduzido a trio neste caso, esteve olímpico na técnica e no jogo sagaz e complexo da personalidade solística e da fusão. A noção de linha melódica e de acompanhamento foi notória, a exactidão das entradas e dos tempos irrepreensível.
Mas porque razão saí do concerto com um certo sabor amargo? Creio que foi pela sonoridade ostensivamente brilhante, nos sforzandi muito vincados, na linha algo romântica e no vibrato, sim o velho vibrato, muito marcado nas cordas. Curiosamente Leonskaya acabou por ser mais inteligente na moderação Mozartiana do que os elementos do Quarteto Alban Berg, o já citado Pinchler (o histórico violino), Isabel Charisius (viola) e o esteio Valentin Erben (violoncelo), um pilar de segurança. Mas até aqui de forma pouco natural, Leonskaya acabou por reduzir a fogosidade do discurso virtuosístico, que ocorre nos quartetos com piano de Mozart, a uma mera enumeração de suaves passagens sem chama e algo indistintas ao passo que as cordas deram mostras de uma exuberância, temperada - é certo - com alguma elegância, um pouco excessiva. Na sonata de Shostakovitch gostámos das atmosferas do primeiro e segundo andamento e sofremos ligeiramente com algumas passagens em que Leonskaya esmagou acordes no último andamento mas sempre com uma concepção muito bela da obra e um amadurecimento profundo da música que fazem esquecer erros menores de cansaço.
Finalmente o Kurtág que seria à partida um complemento agradável do concerto, foi tocado de forma notável pelo trio de cordas, dando energia e vida a uma obra que se for tocada de forma indistinta se torna insuportável, não só foi suportável como acabou por ser notável! E aqui o vibrato parou! Talvez porque os efeitos ditos "expressivos" não fizessem sentido na obra do grande compositor húngaro.
Um concerto muito bom mas com o sabor amargo de um estilo anacrónico em Mozart. Depois de escutar corda de tripa e as acentuações mais de acordo com a música do final de setecentos acabamos por questionar o estilo "metálico" de um quarteto como o Alban Berg. É tempo de voltar aos discos de vinil deste agrupamento com os quartetos de Mozart, que estão na sala a apanhar pó nas prateleiras de cima, e escutar para perceber o que aconteceu nestes 25 anos (o tempo que decorreu desde que escuto o quarteto Alban Berg)...
Algumas peças de Kurtág (exergos de Signs, Games and Messages) serviam, no meu entender, para um bom complemento do programa.
Devo ainda dizer que o Alban Berg sempre foi para mim uma referência última da arte de tocar bem em quarteto de cordas, a sua subtileza e sonoridade vienenses, oriundas de Günther Pichler e seus pares, constituíram para mim o supremo refinamento na música de câmara.
E neste sentido o concerto foi realmente excelente, a pianista russa conseguiu moderar a sonoridade do seu piano à escala dos instrumentos de corda, mercê de uma subtileza enorme no toque e a uma elegância de grande fluidez no fraseado. O quarteto, reduzido a trio neste caso, esteve olímpico na técnica e no jogo sagaz e complexo da personalidade solística e da fusão. A noção de linha melódica e de acompanhamento foi notória, a exactidão das entradas e dos tempos irrepreensível.
Mas porque razão saí do concerto com um certo sabor amargo? Creio que foi pela sonoridade ostensivamente brilhante, nos sforzandi muito vincados, na linha algo romântica e no vibrato, sim o velho vibrato, muito marcado nas cordas. Curiosamente Leonskaya acabou por ser mais inteligente na moderação Mozartiana do que os elementos do Quarteto Alban Berg, o já citado Pinchler (o histórico violino), Isabel Charisius (viola) e o esteio Valentin Erben (violoncelo), um pilar de segurança. Mas até aqui de forma pouco natural, Leonskaya acabou por reduzir a fogosidade do discurso virtuosístico, que ocorre nos quartetos com piano de Mozart, a uma mera enumeração de suaves passagens sem chama e algo indistintas ao passo que as cordas deram mostras de uma exuberância, temperada - é certo - com alguma elegância, um pouco excessiva. Na sonata de Shostakovitch gostámos das atmosferas do primeiro e segundo andamento e sofremos ligeiramente com algumas passagens em que Leonskaya esmagou acordes no último andamento mas sempre com uma concepção muito bela da obra e um amadurecimento profundo da música que fazem esquecer erros menores de cansaço.
Finalmente o Kurtág que seria à partida um complemento agradável do concerto, foi tocado de forma notável pelo trio de cordas, dando energia e vida a uma obra que se for tocada de forma indistinta se torna insuportável, não só foi suportável como acabou por ser notável! E aqui o vibrato parou! Talvez porque os efeitos ditos "expressivos" não fizessem sentido na obra do grande compositor húngaro.
Um concerto muito bom mas com o sabor amargo de um estilo anacrónico em Mozart. Depois de escutar corda de tripa e as acentuações mais de acordo com a música do final de setecentos acabamos por questionar o estilo "metálico" de um quarteto como o Alban Berg. É tempo de voltar aos discos de vinil deste agrupamento com os quartetos de Mozart, que estão na sala a apanhar pó nas prateleiras de cima, e escutar para perceber o que aconteceu nestes 25 anos (o tempo que decorreu desde que escuto o quarteto Alban Berg)...
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