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5.10.05

Festival de Mafra - I 

Introdução e contexto da música antiga em Portugal hoje, divagações

Recomeçou o Festival de Mafra. A direcção artística é de Jorge Gil e de João Miguel Gil, que anteriormente realizaram de forma notável os concertos "Em Órbita".
O programa de Mafra deslocou a sua centralidade para a área da música antiga, o que está dentro do conhecimento e gosto dos dois directores. Deve acrescentar-se que muito se saúda esta incursão no campo da música antiga. Em Portugal a Música Antiga continua a ser marginal em termos de programação regular das grandes instituições. Veja-se por exemplo a Gulbenkian, que numa programação imensa conta apenas com sete concertos dedicados à música antiga, onde inclui Bach e Handel por exemplo. Afinal onde cabem as centenas de anos de música anteriores a 1750 face aos 150 anos seguintes? Por outro lado a música antiga é metida toda no mesmo saco, distinções entre sacro e profano, orquestral e de câmara, vocal e instrumental? Não se fazem, no caso da música posterior a 1750 encontramos ciclos disto e daquilo: câmara, contemporânea, canto, piano, orquestras e grandes orquestras mundiais, retira-se da música antiga a Orquestra Barroca de Friburgo que passa a ser "Grande Orquestra Mundial" como se o nome queimasse e como se a Cecilia Bartoli lhe assentasse mal o epíteto. Mas Bartoli não faz música antiga?
Ópera barroca? Não existe, de 1600 a 1782 parece que não se passou nada. O S. Carlos e a sua direcção centram toda a sua actividade no período subsequente ao Rapto do Serralho. Ópera Barroca não existe aqui.
Sobra a Festa da Música que de vez em quando se desloca ao barroco. A Casa da Música que inicia amanhã o festival À volta do Barroco (promete-se comentário ao programa num próximo post) e alguns Festivais dos quais o da Póvoa do Varzim que se destaca pela qualidade da programação no campo da música antiga à mistura com alguns pianistas como Sequeira Costa. Os Festivais mais antigos como o do Estoril ou o de Sintra, têm uma tradição e um capital diferentes, o do Estoril muito virado para a música contemporânea não esquece o passado com alguns concertos de música barroca, relembro por exemplo Rinaldo Alessandrini, o Festival de Sintra nem sequer considera a música antiga. O Festival dos Capuchos está em relançamento e depois da morte prematura de Adelino Tacanho, seu anterior director, ainda não tem uma trave mestra de programação.

Na região de Lisboa sobra o Festival de Mafra que envereda por um caminho difícil, o público português anda desfasado e deprimido, nota-se nos concertos uma apatia que não será alheia à crise nacional, à falta de soluções para este atoleiro estrutural português. A este medo de existir que nos consome. Enquanto no mundo a música antiga já está enraizada, os instrumentos originais são naturais, as programações já se estabilizaram, no burgo lusitano continuamos a olhar para música antiga com instrumentos originais como se se tratasse de uma bizarria. Quem ouviu o último programa do Joel Costa na Antena 2, percebeu dando muitas gargalhadas (o sentido de humor de Costa é notável) que o reaccionário típico (que Joel Costa representa na perfeição) vê os instrumentos originais e a ópera barroca por exemplo, como ofensas ao seu gosto preestabelecido de Wagner e Verdi, ou da forma de cantar Gluck ou Mozart ou Handel como se tratasse de Belini. Como se os dois campos se excluíssem mutuamente. Como se fosse impossível gostar da música de Wagner (com ou sem instrumentos originais e espera-se ainda que se faça com instrumentos originais e a técnica musical do seu tempo) e ao mesmo tempo ser apreciador convicto de Monteverdi ou Sartorio.

Devo acrescentar que o Festival de Mafra nem por isso cai apenas no campo da música antiga e até inclui estreias mundiais de obras de compositores nascidos depois de 1970, além de uma estreia mundial moderna de uma ária de Farinelli, falarei do assunto no próximo post.


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