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17.8.05

O Fascínio 


Escrevi aqui há algum tempo sobre o auto retrato de Dürer que tinha visto na Albertina de Viena há dois anos, entretanto passei por Munique e não pude deixar de entrar na Alte Pinakotheke para me deixar fascinar, de novo e sempre pelos Bruegel's e Brueghel's, pelo Leonardo da Vinci, e pelo Dürer, o mesmo e velho Dürer do auto-retrato.

Quando penso na Virgem de Leonardo ou na cabeça de camponesa de Pieter Bruegel não me esqueço que mais à frente, lá para o final do primeiro andar, que eu vejo os museus ao contrário, lá vai estar o auto-retrato para me fitar e me interrogar...
Recordo a impressão de quando vi o quadro pela primeira vez, rodeado de dezenas de outros, imperadores, gravuras de animais e santos (um deles vindo de Lisboa). Penso no desagrado de ver um Narciso no meio de tantas obras primas em Viena e no contraste com a sensação de rever este mesmo quadro visto depois dos Bruegel's, e da fartura de Rubens, em Munique no mês de Julho passado. Gente no relvado exterior a apanhar banho de sol e um museu calmo, parado no tempo, sem excesso de visitantes, um oásis no meio dos trinta e tal graus bávaros a pedir cerveja em esplanadas e jardins. Recordo a overdose de Bruegel de Viena com os Bruegel de Munique, estes últimos parecem mais humanos na sua dinastia familiar flamenga, mais vivos, com mais respiração, mais pequenos, menos esmagadores. Ah, mas ao mesmo tempo que saudades me fazem do Kunsthistorisches Museum e dos Caçadores na Neve... As horas que eu passaria de novo em frente dos caçadores, a ver cada detalhe, cada pincelada, cada ramo, cada rasto no branco sujo da neve de uma Flandres esfomeada de onde alguns antepassados muito distantes vieram. Mas adiante, que eu queria mesmo era fazer uma contrição... Encontro o velho Dürer a meio da tarde, junto de uma porta, em lugar calmo e sem destaques, bem como ao lado de uma porta está a raridade de Leonardo. Calmamente a meio da tarde o ideal de um tempo, uma flor à beira do abismo, de onde nascerá a guerra e a intolerância onde só o belo perdura. Um Dürer em tempo de Lutero (n. 1483), renascimento, esperança misturada com morte. A pose talvez seja estudada mas não me incomoda mais. O génio do tempo não pode perturbar senão pelo impacto do belo. Será a tão falada perturbação maneirista um pouco antes do ponto? Ensaio de perturbação provocada por uma sensibilidade excessiva? Agora contemplo calmamente, a meio da tarde, este quadro e perco-me em cogitações, afinal quem era este homem de caracois, nascido em 1471 e que se despediu desta terra em 1528, para legar à imortalidade esta sua imagem? O artista como autor do mundo, o homem que ao mostrar a máscara de si se apresenta sem máscaras, numa representação de si mesmo como motor do Tempo, capaz de o fazer parar e de nos fazer sentir, para sempre tocados por instantes pela sua imortalidade. Quem estava certo era afinal Dürer por nos ter deixado a sua face de fazer sonhar, viva e intensa, estudada ou não, de artista que se fez perdurar. Dürer é o artista do nosso tempo desde há quinhentos anos...


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