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12.7.05

Assim não - Berezovsky desilude em Cascais 

Concerto na Cidadela de Cascais num barracão de plástico, tochas e lâmpadas. Cheiro horrível a petróleo queimado, chão ruidoso de placards de madeira rangente.
Programa a três euros, não existe folha de sala.
Ao piano Boris Berezovsky, um pianista de técnica brilhante.
Prova de fogo: a sonata opus 58 de Chopin. Pianista de técnica superior que se percebe em detalhes de dedilhação, na paleta dinâmica dos pianíssimos aos fortíssimos em cambiantes infinitos. A sonoridade é o forte do pianista. Infelizmente todos estes recursos apareceram ontem de forma mal aproveitada, apareceu um Berezovsky que se delicia em efeitos e em recortes de estilo e se esquece de estudar as passagens mais complexas, que esmaga notas, que arruina completamente o último andamento por falta clara de estudo e de falta de preparação. Que nos dá um andamento lento (o largo) muito desligado, cheio de solavancos rítmicos e de rubato excessivo, agressivo, de mau gosto, banal e intrusivo. Mão esquerda indistinta.
O primeiro andamento, o Allegro Maestoso, foi o melhor da primeira parte, a exploração das ressonâncias e das sonoridades deste andamento correspondeu a uma visão de Chopin quase sinfónica que se foi perdendo no decorrer da obra.
Uma sonata desligada com um pianista claramente fora da obra.
Seguiram-se os estudos originais do opus 10, os nºs 1,4,6 e 12, cada um seguido da transcrição de Godovsky. Pode-se dizer que Berezovsky aqui esteve algo melhor, as obras eram mais técnica e menos arquitectura. Devo dizer que já escutei deste pianista os estudos 4 e 6 na versão transcrita. O 4 esteve a um nível muito inferior ao escutado anteriormente. A transcrição para mão esquerda do estudo nº 6 foi notável no recorte entre voz superior e inferior. Simplesmente deslumbrante, curisamente o célebre estudo nº 12 teve falhas graves na mão esquerda na versão original e esteve a bom nível na versão transcrita!
A Noite no Monte Calvo, traduzido no programa para "Uma Noite na Montanha Desprotegida" de Mussorgsky foi tocada de forma brilhante. A peça de inspiração popular de Balakirev seria dispensável nas suas escalas repetitivas mas necessária aos gritos histéricos e ao bater palmas em pé que se seguiu. A ignorância musical do público é cada vez mais pungente, mas enfim...
Seguiram-se dois extras que não teriam história se não fosse a lamentável interpretação do último extra de Chopin, uma valsa, em que a clareza do fraseado foi destruída pelo pianista a recrear-se a inventar uma articulação de técnica dificílima em que sincopou toda a melodia da mão direita desfasando os tempos de ataque, isto feito a uma velocidade estonteante. Habilidade mais de circo que musical e que mesmo assim não saiu perfeita, como não podia deixar de ser. Mais histeria do público e saí da barraca sem saber se houve mais extras que estava farto de ouvir Chopin a ser assassinado.
Um concerto em que o muito bom ombreou com o fracote e se notou falta de preparação do pianista. Atendendo ao que já se ouviu do pianista pode-se dizer que houve desilusão em Cascais.

P.S. Não referi o barulho infernal que atormentou todo o recital, provavelmente produzido por um gerador ou um aparelho de ar condicionado, os pianos e pianíssimos totalmente apagado pelo som que agride os ouvidos. Um local de concerto assim não reune as menores condições de audição e de concentração para o pianista ou de fruição para o público. Um recital de piano numa barraca de plástico, com chão a ranger, petróleo queimado e um gerador a fazser barulho? Quando reflito mais um pouco chego à conclusão que seria quase impossível o pianista ter conseguido mais do que produziu pese embora o facto de Berezovsky parecer algo impreparado...

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