16.6.05
Um poema difícil de dizer - uma palavra apaixonante
O poema final da colectânea de Camilo Pessanha motiva-me divagações.
Pessanha na gruta de Camões em Macau - Pose estudada. Clicar para ampliação
Pessanha simultaneamente poeta, jurista, juiz, conservador do registo de Macau, coleccionador e apaixonado pela cultura chinesa, professor de liceu, um homem que nada conseguiu ser excepto poeta, poeta do tudo que aspirava ao nada numa reunião maior que o todo. Pessanha amado por Pessoa e Mário de Sá Carneiro, que considerava Clepsydra uma das mais importantes contribuições para a cultura portuguesa. Pessanha que não escrevia os seus versos, um poeta sem escrita como tantas vezes é referido, cujos poemas circulavam verbalmente e em manuscritos abandonados displicentemente pelo poeta que guardava os poemas na memória. Clepsydra ditado de memória a Castro Osório. E no entanto tão trabalhado, tão perfeito no ritmo, na matriz, na elaboração, na simbologia, no desespero, na busca do nada. Clepsydra a palavra mágica que se ouve durante toda a obra, escondida, oculta, no livro de Pessanha. Um título que se revela apenas no términus do ciclo no poema "Final" que encerra a obra. Clepsydra da água que corre e do tempo que mede. A água e o tempo na sonoridade evocativa da palavra, no seu tom, na sua raiz grega. Clepsydra com "y" e não com"i", como Pessanha imaginava e não como nós vemos hoje nos textos que circulam, com o sentido preciso e exótico do "y" no meio da água que corre medindo o tempo dos abortos que não nasceram, ateus em cores que atravessam o poema, cor de cidra, cor de morte, de putrefacção, na água, de desespero, no nada.
Mas será que este poema abre a porta do nada? Desde as corres irreais, metafóricas que iniciam a caminhada para o nada, caminho que aumenta cresce ao longo do poema de força evocativa e simbólica com o recurso aos abortos, nascituros que se expõem eles mesmos no local sagrado, morto, público; no museu como na câmara dos horrores. Abortos que não nasceram, não geraram, não criaram. Morram de vez, que nada adianta "cogitar", "sondar". Metáfora de Portugal? Enquanto a água mágica e vital do tempo e da criação corre pela clepsydra. Que contradição, que oposição entre o niilismo absoluto, a inacção e a força do tempo, da água que corre. Que supremo clímax. A água corre tal como a morte chega a morte dos sonhos que nem sequer foram sonhados. Ao contrário de outros penso que o momento mais decisivo do poema se passa na evocação simbólica da palavra clepsydra, que Pessanha deixou como título do seu livro. Símbolo de tudo, de nada, símbolo do simbolista francês... Símbolo afinal de uma vida que existe para além do desespero do poeta. Um desespero que procura a calma, o sono tranquilo do sonho vivido. Será que há esperança no fundo do poema, a repetição de ideias no final, afinal o mais difícil de dizer e de interpretar "Não suspireis, não respireis", uma quebra do encanto do ritmo e da magia das palavras feitas sentimentos que voltam a ser palavras pela magia do tormento de Pessanha. Uma quebra simbólica? Um contrário que se transforma no seu oposto, um nada que se transforma em tudo, como Natália Correia tão bem nos disse pelas páginas trezentas da sua antologia do surrealismo?
Será que somos dispensados de sonhar os sonhos não sonhados? Ou que estes esperam calmamente pela descoberta de um sonhador distante que há-de vir e que o poeta não admitiu ser ele próprio, na sombra angustiada do seu desespero?
Pessanha na gruta de Camões em Macau - Pose estudada. Clicar para ampliação
Pessanha simultaneamente poeta, jurista, juiz, conservador do registo de Macau, coleccionador e apaixonado pela cultura chinesa, professor de liceu, um homem que nada conseguiu ser excepto poeta, poeta do tudo que aspirava ao nada numa reunião maior que o todo. Pessanha amado por Pessoa e Mário de Sá Carneiro, que considerava Clepsydra uma das mais importantes contribuições para a cultura portuguesa. Pessanha que não escrevia os seus versos, um poeta sem escrita como tantas vezes é referido, cujos poemas circulavam verbalmente e em manuscritos abandonados displicentemente pelo poeta que guardava os poemas na memória. Clepsydra ditado de memória a Castro Osório. E no entanto tão trabalhado, tão perfeito no ritmo, na matriz, na elaboração, na simbologia, no desespero, na busca do nada. Clepsydra a palavra mágica que se ouve durante toda a obra, escondida, oculta, no livro de Pessanha. Um título que se revela apenas no términus do ciclo no poema "Final" que encerra a obra. Clepsydra da água que corre e do tempo que mede. A água e o tempo na sonoridade evocativa da palavra, no seu tom, na sua raiz grega. Clepsydra com "y" e não com"i", como Pessanha imaginava e não como nós vemos hoje nos textos que circulam, com o sentido preciso e exótico do "y" no meio da água que corre medindo o tempo dos abortos que não nasceram, ateus em cores que atravessam o poema, cor de cidra, cor de morte, de putrefacção, na água, de desespero, no nada.
Mas será que este poema abre a porta do nada? Desde as corres irreais, metafóricas que iniciam a caminhada para o nada, caminho que aumenta cresce ao longo do poema de força evocativa e simbólica com o recurso aos abortos, nascituros que se expõem eles mesmos no local sagrado, morto, público; no museu como na câmara dos horrores. Abortos que não nasceram, não geraram, não criaram. Morram de vez, que nada adianta "cogitar", "sondar". Metáfora de Portugal? Enquanto a água mágica e vital do tempo e da criação corre pela clepsydra. Que contradição, que oposição entre o niilismo absoluto, a inacção e a força do tempo, da água que corre. Que supremo clímax. A água corre tal como a morte chega a morte dos sonhos que nem sequer foram sonhados. Ao contrário de outros penso que o momento mais decisivo do poema se passa na evocação simbólica da palavra clepsydra, que Pessanha deixou como título do seu livro. Símbolo de tudo, de nada, símbolo do simbolista francês... Símbolo afinal de uma vida que existe para além do desespero do poeta. Um desespero que procura a calma, o sono tranquilo do sonho vivido. Será que há esperança no fundo do poema, a repetição de ideias no final, afinal o mais difícil de dizer e de interpretar "Não suspireis, não respireis", uma quebra do encanto do ritmo e da magia das palavras feitas sentimentos que voltam a ser palavras pela magia do tormento de Pessanha. Uma quebra simbólica? Um contrário que se transforma no seu oposto, um nada que se transforma em tudo, como Natália Correia tão bem nos disse pelas páginas trezentas da sua antologia do surrealismo?
Será que somos dispensados de sonhar os sonhos não sonhados? Ou que estes esperam calmamente pela descoberta de um sonhador distante que há-de vir e que o poeta não admitiu ser ele próprio, na sombra angustiada do seu desespero?
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