13.6.05
Três vultos
Desapareceram entre ontem e hoje. Um poeta extraordinário e dois homens de ideais. Um conheci-o através do meu pai, Vasco Gonçalves, antigo primeiro ministro deixa-me mais memórias, como um homem complexo, com dúvidas, um homem que foi traído, de certa forma, pelos seus amigos e pelo seu tempo, um homem de grande inteligência e muita força moral, um homem de grande honestidade que sempre pensou estar a servir Portugal e os mais desfavorecidos da melhor forma que sabia.
Outro, Álvaro Cunhal o verdadeiro (e provavelmente único) secretário geral do partido comunista, foi um raro exemplo de coerência, um homem de grande de força intelectual, escritor e artista. De uma força e coragem espantosas. No entanto sempre me impressionou o seu monolitismo político, o que fez com visse sempre Álvaro Cunhal como uma espécie de mito e pouco como um homem de carne e osso.
Todos eles marcaram o século XX português, homens de uma geração que marcou Portugal, uma geração em que ainda havia registo, que ainda não se tinha subjugado ao medo de agir, de sobressair. Uma geração de homens idealistas. São rochedos que balizaram Portugal cada qual à sua maneira e todos mortos neste princípio de Junho de 2005.
Provavelmente todos estes homens quando atingem idades avançadas acabam por se tornar em mitos, fantasmas de si mesmos enquanto mortos adiados no inconsciente colectivo, idealizados pelos outros como imagens apropriadas, fabricadas nas nossas cabeças e não como seres viventes. Todos eles já estavam um pouco mortos, para quem com eles não privava directamente, de forma que a sua passagem se torna numa espécie de segunda morte, a morte ritual após a morte da representação.
Apesar destas reflexões sinto uma grande tristeza hoje e custa-me dizer mais.
Adeus
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
Eugénio de Andrade
Adeus
Outro, Álvaro Cunhal o verdadeiro (e provavelmente único) secretário geral do partido comunista, foi um raro exemplo de coerência, um homem de grande de força intelectual, escritor e artista. De uma força e coragem espantosas. No entanto sempre me impressionou o seu monolitismo político, o que fez com visse sempre Álvaro Cunhal como uma espécie de mito e pouco como um homem de carne e osso.
Todos eles marcaram o século XX português, homens de uma geração que marcou Portugal, uma geração em que ainda havia registo, que ainda não se tinha subjugado ao medo de agir, de sobressair. Uma geração de homens idealistas. São rochedos que balizaram Portugal cada qual à sua maneira e todos mortos neste princípio de Junho de 2005.
Provavelmente todos estes homens quando atingem idades avançadas acabam por se tornar em mitos, fantasmas de si mesmos enquanto mortos adiados no inconsciente colectivo, idealizados pelos outros como imagens apropriadas, fabricadas nas nossas cabeças e não como seres viventes. Todos eles já estavam um pouco mortos, para quem com eles não privava directamente, de forma que a sua passagem se torna numa espécie de segunda morte, a morte ritual após a morte da representação.
Apesar destas reflexões sinto uma grande tristeza hoje e custa-me dizer mais.
Adeus
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
Eugénio de Andrade
Adeus
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