14.4.05
Não Sei
À pergunta do professor Paulo Almeida:
O que deixou Boulez? se falássemos de Ligeti ou de Xenakis o seu arqui-inimigo a resposta seria mais fácil, mas afinal qual é o legado de Boulez?
Resposta de Pinho Vargas:
- Não sei!
E acabou a conferência.
Surge este pequeno fait divers, bem significativo da dificuldade de caracterizar Pierre Boulez e o seu legado, ou de falar sobre o mesmo e da sua música para encerrar com a terceira negativa às questões postas pelo público. O professor, o conferencista e as suas dúvidas, as suas interrogações e a sua partilha com os outros que tornam tão estimulantes as conferências de Pinho Vargas. Não direi que Pinho Vargas tem o dom da oratória fluida dos omnipotentes e dos clarividentes. Direi que o compositor nas suas elucubrações tem a dificuldade própria da dúvida e do pudor da abordagem de temas complexos. Mesmo depois de necessárias e profundas elaborações prévias, depois de exercícios preparatórios, depois de apontamentos escritos que um ciclo desta envergadura, cinco semanas a debater temas de grande complexidade e modernidade, o grão da dúvida metódica no momento da angústia.
As minhas reflexões: depois dos anos vinte do século passado o modernismo de Boulez é serôdio, é apenas uma radicalidade obrigatória e reaccionária, porque deve ser assim, porque é obrigatório rasgar. Boulez é um gesto, um formalismo, uma necessidade de ser avant garde de uma arte que já não consegue ter guardas nem muito menos avançadas, porque a arte já não é um movimento em direcção a algo, a arte hoje não se rege por padrões lineares ou planares. A arte é um volume caótico, uma nuvem, os movimentos são internos, existem expansões para o desconhecido, mas o interior da nuvem não se pode desprezar. O modernismo que ainda se consegue descortinar em Boulez é, hoje em dia, indescortinável do pós modernismo, que por essência é algo demasiado vago para caracterizações.
Creio que Boulez se pode entender pelo desconstrutivismo auto justificativo das suas incessantes explicações acerca de si próprio. Boulez utiliza células, estrutura as células, elabora métodos, prepara gestos, constrói, mas realiza esta construção de forma paradoxal, preparando-a para a desconstrução da explicação sistemática. Como Pinho Vargas realçou, Boulez passou toda a vida a explicar a sua obra. Afinal não será esta aula enorme que foi toda a vida de Boulez “o maior testemunho do falhanço da sua criação?!” Questionou o conferencista. Será também esta a razão do subtítulo da conferência: Uma autocrítica prática? Eu diria mais: Uma autocrítica prática e involuntária.
A resposta que se pode dar à questão inicial: o IRCAM, o reconhecimento do compositor como centro da criação musical moderna, o esoterismo da criação recorrendo a métodos e técnicas ensinadas apenas a iniciados e a doutrinados da sua escola.
As minhas questões: Boulez o formalista? Boulez o gesto e o jogo? Boulez o sofista da célula musical? O manipulador de séries? O jogador de acordes? De timbres? Boulez o homem na crista da moda? O ditador? O génio maniqueu? O tecnicista? Boulez o génio da segunda metade do século vinte ou a repetição disfarçada de um cliché?
Sobre John Cage, Pinho Vargas explicou a sua visão sobre a apreensão do banal, do simples como obra de arte. Em conversa anterior com o compositor discutimos a questão da apreensão do silêncio como peça de arte. Depois de reflectir muito sobre o assunto continuo dividido entre considerar o gesto de Cage como uma mera provocação, que acabaria por surgir, fruto do tempo, ou um acto de génio deliberado, a eliminação do acto da performance pública de toda a subjectividade oriunda de uma interpretação, recaindo a obra na essência da performance e do confronto mortal entre compositor, intérprete e público. Para mim 4 minutos e 33 segundos pode ser o instante que marca o divórcio entre a obra de arte e o público que já não consegue entender ou fruir da arte. Afinal a primeira das questões que se colocou na conferência. Porquê este divórcio? A que Pinho Vargas disse: “não sei”.
Ao pensador não cabe explicar o porquê mas o como. Talvez outra das respostas que Pinho Vargas deu, implicitamente.
Não sei.
H. Silveira
O que deixou Boulez? se falássemos de Ligeti ou de Xenakis o seu arqui-inimigo a resposta seria mais fácil, mas afinal qual é o legado de Boulez?
Resposta de Pinho Vargas:
- Não sei!
E acabou a conferência.
Surge este pequeno fait divers, bem significativo da dificuldade de caracterizar Pierre Boulez e o seu legado, ou de falar sobre o mesmo e da sua música para encerrar com a terceira negativa às questões postas pelo público. O professor, o conferencista e as suas dúvidas, as suas interrogações e a sua partilha com os outros que tornam tão estimulantes as conferências de Pinho Vargas. Não direi que Pinho Vargas tem o dom da oratória fluida dos omnipotentes e dos clarividentes. Direi que o compositor nas suas elucubrações tem a dificuldade própria da dúvida e do pudor da abordagem de temas complexos. Mesmo depois de necessárias e profundas elaborações prévias, depois de exercícios preparatórios, depois de apontamentos escritos que um ciclo desta envergadura, cinco semanas a debater temas de grande complexidade e modernidade, o grão da dúvida metódica no momento da angústia.
As minhas reflexões: depois dos anos vinte do século passado o modernismo de Boulez é serôdio, é apenas uma radicalidade obrigatória e reaccionária, porque deve ser assim, porque é obrigatório rasgar. Boulez é um gesto, um formalismo, uma necessidade de ser avant garde de uma arte que já não consegue ter guardas nem muito menos avançadas, porque a arte já não é um movimento em direcção a algo, a arte hoje não se rege por padrões lineares ou planares. A arte é um volume caótico, uma nuvem, os movimentos são internos, existem expansões para o desconhecido, mas o interior da nuvem não se pode desprezar. O modernismo que ainda se consegue descortinar em Boulez é, hoje em dia, indescortinável do pós modernismo, que por essência é algo demasiado vago para caracterizações.
Creio que Boulez se pode entender pelo desconstrutivismo auto justificativo das suas incessantes explicações acerca de si próprio. Boulez utiliza células, estrutura as células, elabora métodos, prepara gestos, constrói, mas realiza esta construção de forma paradoxal, preparando-a para a desconstrução da explicação sistemática. Como Pinho Vargas realçou, Boulez passou toda a vida a explicar a sua obra. Afinal não será esta aula enorme que foi toda a vida de Boulez “o maior testemunho do falhanço da sua criação?!” Questionou o conferencista. Será também esta a razão do subtítulo da conferência: Uma autocrítica prática? Eu diria mais: Uma autocrítica prática e involuntária.
A resposta que se pode dar à questão inicial: o IRCAM, o reconhecimento do compositor como centro da criação musical moderna, o esoterismo da criação recorrendo a métodos e técnicas ensinadas apenas a iniciados e a doutrinados da sua escola.
As minhas questões: Boulez o formalista? Boulez o gesto e o jogo? Boulez o sofista da célula musical? O manipulador de séries? O jogador de acordes? De timbres? Boulez o homem na crista da moda? O ditador? O génio maniqueu? O tecnicista? Boulez o génio da segunda metade do século vinte ou a repetição disfarçada de um cliché?
Sobre John Cage, Pinho Vargas explicou a sua visão sobre a apreensão do banal, do simples como obra de arte. Em conversa anterior com o compositor discutimos a questão da apreensão do silêncio como peça de arte. Depois de reflectir muito sobre o assunto continuo dividido entre considerar o gesto de Cage como uma mera provocação, que acabaria por surgir, fruto do tempo, ou um acto de génio deliberado, a eliminação do acto da performance pública de toda a subjectividade oriunda de uma interpretação, recaindo a obra na essência da performance e do confronto mortal entre compositor, intérprete e público. Para mim 4 minutos e 33 segundos pode ser o instante que marca o divórcio entre a obra de arte e o público que já não consegue entender ou fruir da arte. Afinal a primeira das questões que se colocou na conferência. Porquê este divórcio? A que Pinho Vargas disse: “não sei”.
Ao pensador não cabe explicar o porquê mas o como. Talvez outra das respostas que Pinho Vargas deu, implicitamente.
Não sei.
H. Silveira
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