23.3.05
O melhor e o Pior - Os erros de uma programação musical concreta
O fecho da mini temporada lírica do S. Carlos dá-se com duas óperas desiguais. De um lado temos a ópera verista italiana, uma Cavalleria Rusticana cheia de clichés e tiques que resumem numa hora e pouco toda uma cultura, uma música, uma linha melódica mediterrânea e inspirada. Do outro uma Navarraise escrita pelo homem que disse: "Eu não acredito muito naquilo que faço, mas o público gosta e o público tem sempre razão!". Mascagni e Massenet. Um jovem inspirado e um hipócrita que dá aos burgueses ignorantes o que eles querem ouvir. Não admira que apareça em caricaturas da época a dar ao realejo da Opera de Paris.
E assim se provou mais uma vez no S. Carlos como a história teve razão ao eleger a Cavalleria para o primeiro plano e deixar no esquecimento mais uma das trinta óperas de Massenet que ninguém escuta. Uma obra prima cheia de conteúdo tanto musical, como lógica na concisão de um libreto contendo tudo e uma obra desgrenhada, cheia de tiros de mosquete, berros e gritaria, sem qualquer lógica dramática, sem solução de continuidade, intercortada por urros nos trombones e nas percussões, barulho que os burgueses gostam e uma enorme dor de cabeça depois de ouvido no S. Carlos. Harmonia pobre e vulgar, cadências e meias cadências sem continuidade, acordes suspensos aqui e ali em fortíssimo nos metais, bombos piores que os dos Zés Pereiras e clichés repetidos até à exaustão, temas horripilantes, frases sem princípio meio e fim, escrita vocal sem prosódia, barulho, mosquetes e mais mosquetes e plágio descarado de Mascagni, mas sem perceber, sem entrar na filosofia do italiano e a fingir que não, o que ainda é mais aberrante. Nesta "ópera" um toque de telemóvel foi bem vindo!... Massenet longe do Werther, que já não é grande coisa, é do mais abominável que se pode imaginar. Desde Vianna da Motta, que disse o mesmo, que se sabe em Portugal, na Europa sabe-se muito antes, porquê repetir o erro e não deixar isto a apodrecer até ser redescoberto por outro director teatral daqui a trezentos anos?
Veja-se o que diz Bruno Peeters na revista Forum Opéra:
Après une jolie carrière initiale, l'œuvre est toutefois tombée dans un certain oubli, dû sans doute à l'omnipuissance d'une intrigue tellement dramatique qu'elle en étrangle la musique, trop souvent réduite aux fusillades et canonnades. Même le personnage fort d'Anita ne parvient musicalement à n'être qu'une esquisse, bridée par l'action impitoyable. La Navarraise manque de souffle, d'étalement dans le temps, et Massenet ne put lui donner l'ampleur nécessaire. L'opéra restera une curiosité, intéressante sans plus, hélas.
E este crítico é, no mínimo, demasiado generoso.
A Obra Prima e o escarro musical, no mesmo dia no S. Carlos. É neste contexto que acho a programação da Navarraise, uma peça ordinária de museu (tipo bric-a-brac), uma curiosidade sem valor artístico, um anacronismo, que não se pode justificar num Teatro que não tem muito dinheiro para produções. Sei que se aposta no inusitado, até para marcar a produção do Teatro no exigente mercado da ópera a nível internacional, mas programar Navarraise é esbanjar dinheiro. Ouvir semelhante aborto musical é como observar os acidentes da auto-estrada com curiosidade mórbida. Uma temporada lírica sem Wagner, sem Bizet, sem Puccini, sem (agora que foi cancelada) Mozart e com este Massenet é uma aberração. É certo que se poderia argumentar que não se sabia que a temporada seria truncada, mas mesmo assim programar lixo não me parece fazer muito sentido. Por outro lado a ordem da apresentação das óperas é errada, no meu entender, primeiro deve-se ouvir a chinfrineira do Massenet e sair com a boa impressão da música de Mascagni. Massenet deixa gosto amargo após o canto deslumbrante do Sul. O meu conselho a quem vai a S. Carlos: se não tem curiosidade mórbida assista à primeira parte e depois vá jantar. Vale a pena pelo Mascagni.
Puccini e Mascagni no funeral de Leoncavallo
Finalmente, depois de alguma exaltação e mau humor produzido por música muito má ( Massenet neste caso), que me arrasa os nervos e deixa doente e mal disposto, agora que já descarreguei um pouco a bílis, acrescento que apesar do Massenet, apesar dos cortes orçamentais, apesar das aldrabices dos políticos do anterior governo, foi uma temporada com um balanço positivo, uma lição para o futuro. Este ano de 2005 exige reflexão e ponderação. Espera mais investimento na cultura, mas nunca se sabe, veremos ...
E assim se provou mais uma vez no S. Carlos como a história teve razão ao eleger a Cavalleria para o primeiro plano e deixar no esquecimento mais uma das trinta óperas de Massenet que ninguém escuta. Uma obra prima cheia de conteúdo tanto musical, como lógica na concisão de um libreto contendo tudo e uma obra desgrenhada, cheia de tiros de mosquete, berros e gritaria, sem qualquer lógica dramática, sem solução de continuidade, intercortada por urros nos trombones e nas percussões, barulho que os burgueses gostam e uma enorme dor de cabeça depois de ouvido no S. Carlos. Harmonia pobre e vulgar, cadências e meias cadências sem continuidade, acordes suspensos aqui e ali em fortíssimo nos metais, bombos piores que os dos Zés Pereiras e clichés repetidos até à exaustão, temas horripilantes, frases sem princípio meio e fim, escrita vocal sem prosódia, barulho, mosquetes e mais mosquetes e plágio descarado de Mascagni, mas sem perceber, sem entrar na filosofia do italiano e a fingir que não, o que ainda é mais aberrante. Nesta "ópera" um toque de telemóvel foi bem vindo!... Massenet longe do Werther, que já não é grande coisa, é do mais abominável que se pode imaginar. Desde Vianna da Motta, que disse o mesmo, que se sabe em Portugal, na Europa sabe-se muito antes, porquê repetir o erro e não deixar isto a apodrecer até ser redescoberto por outro director teatral daqui a trezentos anos?
Veja-se o que diz Bruno Peeters na revista Forum Opéra:
Après une jolie carrière initiale, l'œuvre est toutefois tombée dans un certain oubli, dû sans doute à l'omnipuissance d'une intrigue tellement dramatique qu'elle en étrangle la musique, trop souvent réduite aux fusillades et canonnades. Même le personnage fort d'Anita ne parvient musicalement à n'être qu'une esquisse, bridée par l'action impitoyable. La Navarraise manque de souffle, d'étalement dans le temps, et Massenet ne put lui donner l'ampleur nécessaire. L'opéra restera une curiosité, intéressante sans plus, hélas.
E este crítico é, no mínimo, demasiado generoso.
A Obra Prima e o escarro musical, no mesmo dia no S. Carlos. É neste contexto que acho a programação da Navarraise, uma peça ordinária de museu (tipo bric-a-brac), uma curiosidade sem valor artístico, um anacronismo, que não se pode justificar num Teatro que não tem muito dinheiro para produções. Sei que se aposta no inusitado, até para marcar a produção do Teatro no exigente mercado da ópera a nível internacional, mas programar Navarraise é esbanjar dinheiro. Ouvir semelhante aborto musical é como observar os acidentes da auto-estrada com curiosidade mórbida. Uma temporada lírica sem Wagner, sem Bizet, sem Puccini, sem (agora que foi cancelada) Mozart e com este Massenet é uma aberração. É certo que se poderia argumentar que não se sabia que a temporada seria truncada, mas mesmo assim programar lixo não me parece fazer muito sentido. Por outro lado a ordem da apresentação das óperas é errada, no meu entender, primeiro deve-se ouvir a chinfrineira do Massenet e sair com a boa impressão da música de Mascagni. Massenet deixa gosto amargo após o canto deslumbrante do Sul. O meu conselho a quem vai a S. Carlos: se não tem curiosidade mórbida assista à primeira parte e depois vá jantar. Vale a pena pelo Mascagni.
Puccini e Mascagni no funeral de Leoncavallo
Finalmente, depois de alguma exaltação e mau humor produzido por música muito má ( Massenet neste caso), que me arrasa os nervos e deixa doente e mal disposto, agora que já descarreguei um pouco a bílis, acrescento que apesar do Massenet, apesar dos cortes orçamentais, apesar das aldrabices dos políticos do anterior governo, foi uma temporada com um balanço positivo, uma lição para o futuro. Este ano de 2005 exige reflexão e ponderação. Espera mais investimento na cultura, mas nunca se sabe, veremos ...
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