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9.3.05

O Elogio de Rockwell Blake 

A Dama do Lago de Rossini


Rockwell Blake
(Foto antiga)

O teatro Nacional de S. Carlos apresentou em versão de concerto a Ópera de Rossini: La Donna del Lago. Já aqui foi escrito que Rossini é o maior génio natural da música do início de oitocentos. Acrescenta-se a isto o savoir faire, a capacidade de escrever de forma confortável e inteligente para a voz, independentemente da dificuldade técnica do que exige aos cantores. Rossini é um génio eterno, seja na ópera Buffa, seja na ópera séria e o Guilherme Tell e esta Dama são outras tantas provas da capacidade do compositor.
Rockwell Blake, homem de 54 anos, grande cantor rossiniano mas como actor sempre foi um pouco "canastrão", esse facto impediu sempre uma maior projecção na sua longa e, apesar de tudo, excelente carreira. Hoje em dia destaca-se como professor nos Estados Unidos de onde é originário. As suas incursões no palco estão muito reduzidas, por vontade própria.
Foi um privilégio ter Rocky Blake no S. Carlos, pensava que não mais poderia escutar este tenor ao vivo. A doença de Florez retirou um talento vocal do S. Carlos mas trouxe um estilista. A "questão Florez" foi resolvida de forma muito séria pelo Teatro, não creio que mais ninguém no mundo, pudesse em pouco tempo apresentar um tal papel, bem preparado e com agenda livre.
O esboço de pateada no S. Carlos foi, mal educado, estúpido e imerecido. Mal educado porque nunca se pateia um cantor que fazendo das tripas coração vem salvar uma produção, um cantor que teve de cantar em cima da hora, sem preparar ao longo de meses um papel. Um cantor substituto não tem culpa da situação e tem um lugar ingrato, se não se gosta poupam-se as palmas. Bater com os "cascos no chão" (como diz Jorge Calado no Expresso) é um acto que, nesta situação, indignifica quem o pratica.
É estúpido e imerecido porque o cantor cantou muitíssimo bem, se em Flores tinhamos uma voz, em Blake temos um estilo, quem não se apercebeu dos dotes de Rockwell não pode ter muita inteligência. Em Rockwell Blake temos uma voz suave, muito bem apoiada nos agudos, o recurso muito bem utilizado da voz de cabeça, um fraseado límpido, uma capacidade de articulação muito elevada e, pode-se dizer com toda a certeza, uma leitura musical de grande elegância. Um tenor agudo de Rossini como ainda há raros no mundo. Foi dito que a sua voz era um "destroço". Não me parece, a voz muda com a idade. Um cantor não é um velocista dos cem metros. Relembro o fantástico Krauss, tive oportunidade de o escutar ao vivo durante mais de vinte anos (escuto música desde os cinco). Percebi que a sua voz foi mudando, que se tornou "mais pequena", mas a sua subtileza, a sua inteligência compensavam essa natural evolução de voz. Não me interessa ouvir um rapaz de trinta anos com uma voz deslumbrante se não souber utilizar o instrumento, veja-se a Angela Gheorghiu! Rockweel Blake foi notável na estreia, entrou um pouco inseguro, quem não o estaria, mas encontrou-se e fez um último acto notabilíssimo. Quer em cenas de conjunto, quer nas árias. Escutei pela rádio numa récita posterior e ainda fiquei mais convencido das qualidades de Rockwell.
Falta dizer que uma versão de concerto é ideal para escutar este tenor, que, como disse antes, nunca foi um grande actor.
O outro tenor, Robert Mcpherson em Rodrigo, foi impressionante na sua entrada em cena, por quatro razões: uma voz poderosa, extensa, desafinada e rústica! Mcpherson tem dotes vocais de elevado nível, mas o seu vibrato faz lembrar o de um bode. Um tenor que pode com o tempo tornar-se num dos grandes cantores do século XXI mas que tem de limar ainda arestas e trabalhar o estilo. Projecção não é tudo. Uma actuação quase no bom.
Duglas foi feito pelo baixo-barítono Simon Órfila. Médio, cumpriu com dificuldades embora tenha uma voz bonita e encorpada.
Elvira Ferreira e Mário João Alves foram muito eficazes, cantores portugueses que se mostram muito capazes em papeis de suporte. No caso de Mário João Alves, protagonista de uma ópera no Teatro Aberto, falaremos noutra ocasião.
A cantoras solistas Laura Polverelli e Silvia Tro Santaflé apresentaram-se totalmente agarradas ao papel. Silvia na ária da cena 7 não cantou, não interpretou, leu. E é uma das árias mais importantes de todo o repertório de Rossini. Uma prova de fogo. Chegou a ser confrangedor a atrapalhação em virar as páginas e não acabar a frase longa porque se esqueceu de respirar, a frase era muito longa e antes de virar a página não o sabia! Uma presença que poderia ter sido uma interpretação, a voz da cantora é bela, encorpada, densa e o estilo não é mau, mas poderia ter estudado melhor...
O mesmo se pode dizer de Laura Polverelli, canta muito bem, usa o corpo com propriedade, consegue retirar energias de um físico franzino. A voz é bonita, bem dotada de terceiro harmónico que lhe confere um metal elegante sem ser excessivo, mas andou agarrada ao papel e só a cena final, que deve ter estudado com maior rigor, lhe saiu fluente. Como é a prova de fogo da ópera é natural que tenha sido assim, mas como teria bom se tivesse preparado melhor o papel protagonista. Tem capacidade para cantar e estilo apropriado ao bem cantar rossiniano.

Riccardo Frizza, o maestro, esteve exemplar, já toda a gente disso isso, a dinâmica e os tempos foram notáveis, a vivacidade e a compreensão do texto e da música foram certíssimos. Extrair da orquestra o pensar rossiniano foi o seu maior mérito.
A orquestra esteve também bem, destaco o clarinete pela sonoridade e articulação. Os violinos tiveram os habituais problemas de afinação e de coesão nos momentos mais delicados, mas estes problemas foram pontuais.

O coro esteve francamente melhor. Continua a subir de forma, a gritaria não foi terrível! Já se pode dizer que o coro está a chegar aos 12 valores. Parabéns a Andreoli.


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