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23.3.05

Ainda Ópera no S. Carlos 

Como se notou não foram ainda objecto de reflexão a prestação da orquestra, do coro, do maestro enquanto intérprete e da encenação, na produção do teatro nacional português com duas pequenas óperas, a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni e a Navarraise de Jules Massenet. Hoje ficamos pelo lado musical, para a semana será analisado o lado cénico que vem aí a Páscoa...

Encenação - Guido de Monticelli
Cenografia - Fausto Dappiè
Figurinos - Zaira De Vincentiis
Desenho de luzes - Sergio Rossi

A orquestra esteve francamente bem apesar de um maestro que me pareceu titubeante e pouco consistente do ponto de vista musical. Foi ridículo ver dar uma entrada como se tratasse da entrada das tubas infernais antes do juízo final e, afinal, sair um pizzicato anémico e em pianíssimo! O fortíssimo vinha um compasso depois e o rapaz andava perdido... não é só o Peskó! O seu nome é Jonathan Webb, e se antes (Uma Tragédia Florentina de Zemlinsky) tinha deixado uma impressão razoável, ontem deixou a impressão anónima de ser mais um maestro dos muitos que por aí andam. Felizmente a OSP soube reagir e conseguiu estar muitíssimo bem sem ligar muito ao tempos vagos e à imprecisão do maestro. Espera-se que este suba de forma nas récitas que faltam, sem uma condução segura e inspirada as lindíssimas melodias de Mascagni, soam sempre um pouco desconexas. Mascagni é mais um génio natural da Itália e a sua música faz cantar a orquestra, mas sente-se a falta de um pulso organizador. Parabéns à orquestra que apesar das falhas óbvias do maestro foi capaz de dar uma leitura razoavelmente coesa do material.

CAVALLERIA RUSTICANA
Pietro Mascagni. Libreto de Giovanni Targioni-Tozzetti e Guido Menasci segundo a peça de Giovanni Verga.

Santuzza - Elisabete Matos. Canta muito bem mas não me parece a voz apropriada ao papel, prefiro-a em papéis de maior peso dramático, de qualquer modo o seu timbre vocal e a sua presença em palco foram muito positivos. O pior foi a falta de sentido do tempo (e de concepção) e a incapacidade de levar a música para diante, Elisabete Matos pára nos final das frases a ouvir as suas próprias notas, ficando com pouco tempo para voltar a pegar na melodia se o maestro não segura a orquestra. Resulta uma interpretação antiquada, sacudida, sem ritmo nem impulso. Como a orquestra geralmente (e muito bem) seguia por diante sem servir de espelho a Matos, esta ficava muito aflita a tentar recuperar o tempo perdido, cantando sofregamente até conseguir recuperar o atraso. Fracções de segundo que são suficientes para arruinar uma interpretação...
Turiddu - Kristjan Johannsson. Uns agudos ainda muito bonitos, (é verdade que tem 71 anos?), uma entrada muito bela numa canção siciliana que dá o mote à ópera de forma notável, mas médios já a mostrar o peso da idade, um pouco feios e, nos fortes, muito gritados. A desafinação teve de andar a ser disfarçada por um vibrato lento muito desagradável, sobretudo no registo médio, a fazer lembrar um bode (isto para quem não esteve no S. Carlos e para tentar imaginar). Johannsson esteve bem melhor a solo do que em dueto onde teve evidentes problemas de colocação, sustentação e afinação. Um tenor ainda muito vigoroso para a idade que tem, talvez seja apenas um erro de casting insistir numa voz assim para um papel do brilho e da alma de Turiddu, homem do Sul, capaz de inspirar paixões nas mulheres, e de morrer anavalhado atraiçoado pelas pulsões que não reprime. Diria que foi positivo... ma non troppo.
Alfio - Carlo Guelfi. Entrou a frio mas depois de aquecer esteve bem. Cumpriu na Cavalleria e reapareceu na Navarraise. Foi odiento e sibilino na Cavalleria.
Lola - Alessandra Palomba. Uma boa actriz, vocalmente pouco estimulante, cantou bem na cena em que faz ciúmes a Santuzza, mais pela interpretação do que pela vocalidade.
Lucia - Simona Marcello. Esteve bem no plano teatral, vocalmente correcta, mas também não impressionante.
Coro - Já não hesito em dizer que o coro está a ficar a cantar razoavelmente, os progressos são notáveis, já cantam afinados e com presença cénica. O fraseado já faz sentido. Não fora um soprano ficar para trás (só e a arrastar uma nota) na cena da entrada do compadre Alfio, com um timbre que me fazia lembrar o de um toque de telemóvel, e teria sido quase sem falhas.

Da Navarraise não digo muito por me ser doloroso escrever sobre o enjoo do Massenet.
O maestro esteve na mesma mas numa obra destas pouco se pode melhorar ou piorar, é uma ópera de muito má qualidade musical. Que se pode dizer? O tiros foram dados a tempo nas múltiplas fuzilarias da obra.
Sobre a orquestra não digo grande coisa também... pareceu-me bem. Mas se tivesse tocado mal também pouco se notaria, é difícil ser pior do que as notas que estão na pauta... O coro esteve francamente bem a suportar a fuzilaria e a barulheira e a conseguir cantar afinado. Bravos senhores que não partiram nenhuma perna naquele escarpado cenário.

LA NAVARRAISE
Jules Massenet

Episódio Lírico em dois actos. Libreto: Jules Claretie e Henri Cain após o conto de Claretie La Cigarette.



Anita - Enkelejda Shkosa. Uma voz bonita desperdiçada num papel esquizofrénico e sem sentido teatral ou lógica na acção. Mostra, apesar dos defeitos literários e musicais da obra, capacidade de transformação e de composição. Impressionou favoravelmente, uma boa aposta do teatro numa voz clara e timbrada e uma presença personalizada.
Araquil - Aquiles Machado. Um jovem tenor com uma voz também muito bela. Algumas imperfeições que atribuo à estreia ou talvez à má escrita de Massennet. Gostei do seu trabalho, como actor esforçou-se e empenhou-se muito fisicamente no papel. Outro bom cantor em palco.
Garrido - Carlo Guelfi. Pena a pronúncia do francês ser fracota, mas o libreto também não merecia melhor. Cumpriu como actor no papel de general (talvez algo forçado no tom melodramático).
Remigio - Yasuo Horiuchi. Esteve bem no papel de pai camponês francês, um personagem hediondo muito bem composto pelo barítono japonês.
Ramón - Carlos Guilherme. Cumpriu a rigor, continua a ter capacidade vocal e dignidade nas composições que faz.
Bustamante - Luís Rodrigues. Depois de alguns papeis em que se mostrou mais redondo vocalmente, com um fraseado mais elaborado e uma linha mais suave, esteve um pouco sacudido (nervos?) e a cantar em esforço, parecendo em stress. A sua voz de barítono quando se liberta desta forma de cantar fica muito mais bela.
Pronúncias no francês, em geral, fracas.
Toque de telemóvel - elemento de surpresa agradável para constrastar com a "música" de Massenet, um pouco de cor que melhorou, ou pelo menos não piorou, a obra.

Musicalmente esta produção é positiva na Cavalleria e positiva, tanto quanto a música o deixa ser, na Navarraise.


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