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1.3.05

Ainda Handel -Impressões musicais 



Um pouco tarde, comento a interpretação de Alan Curtis, da orquestra e dos cantores em Dionisio Re de Portogallo. Ópera que subiu à cena no TN São Carlos em Lisboa. Comento na média das duas récitas a que assisti. De referir que todas as citações ao original são obviamente referências à versão final da ópera que se viria a chamar Sosarme Re di Media.

Fernando di Castiglia – Lawrence Zazzo, um belo contratenor, cantou muito bem, ornamentou e representou com alma. Interpretação musical de grande qualidade e voz suave e com bela projecção. Um digno sucessor de Senesino no papel criado há 270 anos. Muito bom nos duetos com Simone Kermes.

Elvida – Simone Kermes, um soprano muito consistente no barroco. Voz clara mas bem timbrada, muito bem na articulação, graves razoáveis, agudos na primeira récita muito em stress, na segunda récita esteve francamente melhor. Boa actriz. Gostei muito, na segunda récita, dos ataques das notas, ataques de uma incrível suavidade.

Marianna Pizzolato – Isabella, um contralto de altíssimo nível e para mim a melhor cantora em cena. Quer pela vocalidade, quer pela interpretação musical, quer pelo dramatismo. Uma voz densa sem deixar de ser aveludada.

Sancio – Max Emanuel Cencic. O contratenor que fez o papel destinado originalmente a um contralto feminino cumpriu com rigor o que se lhe pedia. Não tem a pujança de Zazzo, mas tem musicalidade e sentido dramático. A voz é bem colocada e a articulação barroca muito cuidada.

Alfonso – Michele Andalò. O futuro Afonso IV foi entregue a um contratenor jovem e com voz pouco consistente, ainda a precisar de algum trabalho de aperfeiçoamento. A projecção não era ainda totalmente indicada para um papel deste tipo. Campioli o castrato criador do papel teve como sucessor um contratenor médio mas com capacidade de evolução. Dramaticamente bem enquadrado no papel de filho rebelde. Acabou por ser razoável no conjunto e não mereceu o esboço de pateada da primeira récita.

Altomaro – Vladimir Baykov, este baixo deveria ter cantado um dos papeis mais importantes da ópera: o de vilão motor da intriga, não conseguiu. Dotado de boa voz mas muito mal aproveitada, desafinou todo o tempo, sobretudo nos graves, e demonstrou graves problemas no estilo barroco. O vibrato muito pronunciado e a declamação muito enfática, ao estilo da ópera do século XIX, não ajudaram uma performance muito má nos dois dias a que assisti.

Dionisio – Stefan Rankl. O único tenor em cena, um papel pomposo de Rei, foi consistente e correcto sem ser exemplar. Gostámos da sua posição em palco. A sua voz não é de uma grande beleza, mas compensa colocando bem e interpretando condignamente a música de Handel.

Todos os cantores estiveram melhor na segunda récita menos Baykov que esteve sempre muito fraco.

Alan Curtis é um maestro um pouco excêntrico ao “circuito da moda” da música antiga (leia-se barroca) actual. Como cravista sempre foi pouco arrebatado mas consistente, competente. Competência é a palavra correcta. Attilio Cremonesi com o Giulio Cesare de Sartorio (ano passado, Innsbruck) reconstruiu a partitura mas não escreveu uma única cadência, os cantores limitavam-se a suspender um pouco a nota e... já está. No entanto “inventou” uma parte concertata para o seu instrumento, o cravo, que só com muita imaginação se pode conceber ter estado na partitura em 1670...
Alan Curtis escreveu cadências para as árias e além disso variou muito a interpretação quando havia repetição de secções. Ou seja, Curtis sabe do que está a fazer. Mas depois não atinge nem a perfeição nem o arrebatamento, nem (e aí o seu principal defeito) a beleza sonora de Cremonesi, por exemplo.
A música belíssima de Handel explica-se por si própria, tudo foi correcto: as articulações são correctas, as ornamentações apropriadas... A música está lá mas talvez falte aquela chama que transforma o bom no óptimo ou no transcendente.
Os instrumentistas e os instrumentos também não ajudaram. Correcto o uso de dois cravos,... se fossem de qualidade igual, mas a sonoridade dos instrumentos era totalmente diversa em termos de qualidade e em termos de potência, a consequência foi o desequilíbrio. O violoncelo desafinava sempre que tinha que tocar com o cravo mais distante, às vezes de forma terrível, como na segunda récita, em que acabou uma frase totalmente fora de tom num recitativo no acto final, provavelmente a distância afectava a correcta percepção sonora do som do cravo. Os oboés foram muito fracos na primeira récita, desafinados, notas trocadas, sonoridade muito feia, pareciam canas rachadas, felizmente melhoraram na segunda récita a que assisti. As trompas foram uma desgraça total nos dois dias a que assisti, felizmente tocam pouco tempo senão teria sido a ruína da ópera. O primeiro violino é também fraco como solista, tem uma sonoridade feia, fina, pouco densa e na estreia falhou redondamente passagens inteiras do seu solo numa das árias mais importantes da ópera, a ária mais pungente de Isabella, felizmente concentrou-se mais na quarta récita. Sem ovos não se fazem omeletes...
A impressão que fica é muito boa no campo vocal, boa (com altos e baixos) no campo instrumental e de competência em termos de direcção.



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