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2.2.05

A Universidade e a Avaliação 

Foi bom a Teresa Cascudo ter chamado a Universidade Pública à nossa amigável conversa sobre política cultural.

Para que saiba, creio que até sabe, a musicologia e a matemática, áreas profissionais de um e de outro talvez sejam diferentes em termos qualitativos e de métodos, poderes e mecanismos reais, mas têm regras comuns em termos de avaliação e carreira na Universidade portuguesa. Não conheço a Universidade Espanhola, sei que a Teresa lecciona numa Universidade de Espanha e seria também interessante saber o que se passa no país vizinho.

O que lhe tenho para dizer é que, mesmo com alguns defeitos, a minha área tem regras muito próprias que praticadas na música prática seriam muito saudáveis. Como o meu Instituto é, de longe, a melhor escola do país na área em que se situa, tendo seiscentos doutorados a leccionar, talvez não seja o paradigma de um país como o nosso. Repare-se que o Centro de Investigação em que me incluo é considerado "Excelente" desde que existem avaliações internacionais por Júris que incluem os maiores especialistas a nível mundial na área da Matemática em que trabalhamos, como Anatole Katok, uma espécie de Pierre Boulez da matemática para nos entendermos. Existe apenas mais um centro de Matemática com a mesma classificação em Portugal. Creio que posso falar de avaliação do desempenho com algum conhecimento. Não sei como funciona a musicologia, espero que da mesma forma. Espero que não suscite qualquer perplexidade a Teresa Cascudo haver algo de bem organizado e sério neste país.
Passo a expor o que acontece na minha área:
Precisamos de uma licenciatura, de um mestrado com provas públicas e de um doutoramento com provas públicas para sermos professores, precisamos de realizar relatórios periódicos da nossa actividade docente (dois anos e meio) sujeito a avaliação quinquenal para efeito de nomeação, sendo permanentemente acompanhados por uma comissão de avaliação formada por professores catedráticos. Se a avaliação for negativa poderemos ser excluídos da nomeação pública, podendo ser despedidos se a avaliação não tiver os parâmetros mínimos ou ser sujeitos a nova avaliação nos cinco anos subsequentes. Se não contribuirmos com vários artigos por biénio em revistas internacionais, com referees internacionais (especialistas arbitrais que julgam da qualidade, originalidade, adequação e interesse do assunto), deixamos de ser elegíveis para financiamento e podemos ser excluídos do Centro de Investigação em que estamos inseridos. Sem fazer investigação seremos excluídos de qualquer progressão na carreira ou podemos mesmo ser despedidos. Ao fim de um período de 10 a 16 anos de experiência poderemos então ter a nomeação definitiva. Mas isso não significa o fim da avaliação pública, temos os concursos públicos para professor associado, provas públicas de agregação e concurso público para catedrático e ainda a elaboração de relatórios periódicos (cinco anos) destinados a uma avaliação no Conselho Científico, isto em qualquer categoria que se esteja. Soma-se a isto a necessidade de publicar textos académicos. Preparo neste momento um livro dedicado aos meus alunos. Ainda existe uma coisa chamada a avaliação pedagógica feita pelos alunos, em inquéritos universais e que serve para corrigir casos de manifesta desadequação pedagógica, o que tem sido feito e cumprido no meu Instituto.
Seria o mesmo que num concerto o público ter um boletim de voto para atribuir pontos aos músicos em diversas qualidades. Se um músico tivesse muitos pontos negativos seria chamado à atenção e poderia ter um processo disciplinar por incompetência.

Creio que é um sistema muito exigente, que na minha área é cumprido à risca. Um sistema com metade da complexidade no resto da função pública seria o caos instalado, pois nada de semelhante existe.
Uma avaliação do desempenho é algo que só assusta os incompetentes cara Teresa e creio que está de acordo comigo.
Sobre crítica já escrevemos que cada qual pode ter a sua opinião sem grandes complexos. É para isso que existe a crítica. Ouvimos duas récitas distintas. Valoramos aspectos totalmente distintos, não é por isso que vou chamar a Teresa Cascudo "Camafeu reaccionário" como deselegantemente o A.M. Seabra fez, as ideias discutem-se com ideias. Creio que a Teresa gosta muito de música contemporânea, logo as dissonâncias provocadas pelas notas erradas, entradas fora de tempo e outras minudências não terão tanta importância como para mim.
Creio ainda que na rádio, e na gravação, a audição é totalmente diferente e não tem o menor valor de referência, sendo apenas um guia. Os microfones estão em cima das primeiras estantes, o que nem é o aspecto principal, e virados para a captação do palco, gera-se uma perspectiva distinta da real audição pública por múltiplos factores. Além disso a Teresa até estava com uma gripe terrível que aliás comentámos e esperamos que já lhe tenha passado. Mas o mais importante é a questão de perspectiva, temos perspectivas diferentes caríssma, o que é saudável, senão seríamos todos iguais. Estamos votados a "concordar em discordar" como eu disse quando saudei o seu blogue no início desta excelente hipótese de polémica e contraponto que nasceu com o contemporâneas, sem precisar de ficarmos fartos... ou zangados. Que maravilha podermos ter espaço de crítica e discussão de ideias sem limitações de espaço e de forma livre.
A minha perspectiva sempre foi de uma exigência total e da busca da qualidade absoluta. A perspectiva da Teresa sempre foi realçar o melhor fazendo esquecer o pior. Ambas as perspectivas são úteis. É bom saber que não foi tudo péssimo, é bom saber que há muito caminho a percorrer.

Sobre os naipes da orquestra acrescento que a sua qualidade pouco se notou no dia em que escutei a ópera Medeia de Cherubini. Nem me apetece falar dos que mais falharam, porque considero que o mal é geral. Há grandes músicos na OSP e tenho falado desses mesmos músicos sempre que posso, mas será injusto dizer a verdade sobre as flautas e violinos e esquecer o resto. Foi tudo mau com excepção do solo do fagote, que mesmo assim poderia ter sido melhor. Um pouco de poesia e amor pela música de um solista que mostra que ainda há alguma esperança. Uma orquestra que, depois de uns concertos em que parece que está a lutar pela vida e se salva in extremis acaba por cair ciclicamente no abismo. Existe algo de muito errado nesta organização a nível global. Reflectir com serenidade e pensar em conjunto, sem ataques pessoais, é a melhor forma de melhorar a qualidade da maior instituição no campo das artes performativas dependente do Ministério da Cultura e que, recorde-se, absorve milhões de euros por ano ao erário público. Acima de tudo intervir nesta questão é um dever cívico. Agora achar que tudo vai bem no reino da Dinamarca é fazer a política da avestruz. Deve ser por tudo estar bem que os concertos sinfónicos da OSP no CCB nunca enchem, mesmo com maestros de alto nível e obras de grande poder, e o Coliseu esgota para uma medianíssima orquestra da Radio-France. Uma Theodossiu e uma encenação chamam muita gente ao S. Carlos, a OSP e o Coro só afastam o público. É urgente mudar isso. Os esforços do Director têm sido constantes e chega ser comovente ver como Paolo Pinamonti se desdobra em projectos e ideias para motivar os músicos, cativar os públicos. Mas sem poderes reforçados para reformar o que está errado e melhorar o que está bem a orquestra e o coro cairão numa espiral que redundará na sua extinção, repetição de processos anteriores de tão má memória e tão traumatizantes e infelizes. Assobiar para o ar não resulta nestas questões. É preciso parar um pouco.

P.S. 1 O facto de ser uma nova produção significa que se deveria ter maior cuidado, os grandes Teatros do mundo arriscam tudo nas novas produções, contratam os melhores maestros. São as produções novas que dão prestígio, que se enchem de críticos e dão reputação às casas. O repertório batido é feito com maestros de segunda linha e orquestras reforçadíssimas com músicos fora dos quadros, o que não quer dizer que não tenham qualidade (ou que tenham)... É impossível fazer mais de trezentos dias de ópera (muitos com duas récitas) por ano em Viena com uma orquestra que, oficialmente, tem mais 10 a 15 músicos que a OSP!

P.S. 2 Agora espero poder escrever, com um pouco de tempo, sobre o melhor que a Medeia no S. Carlos teve, ou seja as vozes e a aposta de ressuscitar esta Medeia.

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