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3.2.05

O Fascínio 



MAURIZIO POLLINI

Foto Retirada de Klassiek Punt nr.3

Pollini apareceu na Fundação Gulbenkian sábado passado. Tenho de reconhecer que Pollini exerce um fascínio quase magnético pela sua carreira, pela sua elegância, pela sua sensibilidade e discrição. Pollini é um homem tímido que se exprime pela música.
Era pois com uma enorme expectativa que se esperava pela surpresa que Pollini nos poderia trazer, num repertório de Fryderyk Chopin que já viu de tudo:

Três Nocturnos op. 15, 1,2 e 3.
Terceira Balada, em Lá bemol Maior, op. 47
Dois Nocturnos op 48, 1 e 2.
Scherzo Nº 1, em Si menor, op. 20

Intervalo

Dois Nocturnos op. 55, 1 e 2.
Dois Nocturnos op. 62, 1 e 2.
Sonata Nº 2, em Si bemol menor, op. 35
Grave-Adagio
Scherzo
Marche funèbre
Finale: Presto

Extras:
Prelúdio no 15 em ré bemol maior dos 24 prelúdios op. 28 "gota de água"
Balada nº1 opus 23


Página autógrafa do prelúdio

É necessário dizer que o recital foi muito bom. O que discuto são aspectos estéticos e não a essência qualitativa do acontecimento. A técnica de Pollini é extraordinária e pudemos escutar a forma como executou o presto da sonata fúnebre para perceber isso, mau grado as duas falhas nas escalas do scherzo op. 20, aliás magistralmente "disfarçadas".
Tivemos oportunidade de ouvir na primeira parte um Pollini um pouco crispado, o uso sistemático do rubato, usado sempre da mesma forma previsível, retardando levemente as notas conclusivas da frase, criando respirações antes dos momentos de clímax, a antecipação dos tempos fortes criando uma espécie de ritmo avassalador, mas previsível, soaram mais a receita sistemática do que a interpretação sentida e chegaram a ser algo enervantes, isto na minha opinião.
Os nocturnos na primeira parte foram tocados com correcção absoluta, mas sentimos que algo faltou, talvez uma forma menos mecânica de criar as flutuações de tempo tivesse contribuído para uma menor monotonia, que aliás era também fruto da escolha do programa desta primeira parte. A balada nº 3 com a sua construção absolutamente notável em termos de forma musical deu possibilidade a Pollini de mostrar os contrastes entre os diferentes temas, a estética de Pollini atingiu neste ponto um nível altíssimo.
O Scherzo op. 20 teve dois momentos de sobressalto, com notas trocadas! Foi notável ouvir estas notas que nos fizeram saltar da cadeira, provaram que Pollini é também capaz do erro, e geraram a adrenalina para escutar o resto do recital de forma totalmente nova. Creio que Pollini deve ter feito de propósito, um brinde ao público...
Um aspecto que se nota também na interpretação de Pollini é a forma indistinta como usa a mão esquerda, quando faz acompanhamento, sob uma voz principal muito nítida e marcada, Pollini acompanha quase sem articular, o que resulta num contraste muito marcado entre as diferentes linhas. Quem escuta o prelúdio 24 na gravação de Pollini da Polydor de 75 (que se encontra na DG em CD), entre tantos outros exemplos, percebe que Pollini é capaz de articular de forma magistral a voz da mão esquerda, mas sempre de forma subordinada à direita. Isto é evidente nos compassos 18 e 19, com mão esquerda a solo, tocado muito marcado e "sempre forte" aliás como Chopin escreve. No compasso 21, em que a mão direita entra mantendo-se a linha igual na mão esquerda (sempre as mesmas figuras e notas) e sem nada escrito que altere a indicação "sempre forte", Pollini retrai a força da voz da mão esquerda, reduzindo enormemente a intensidade, dando um grande destaque à entrada do tema da mão direita tocado em fortíssimo. Evidente e muito bem tocado, mas existe outra abordagem...

Faço aqui um parêntesis para recomendar a audição deste prelúdio, que eu escutava no preciso momento em que escrevia este post... e que me fez parar de escrever quase comovido: uma das mais arrebatadoras e magistrais afirmações de génio na história da música por Chopin e passado até nós por Pollini...

A opção de Pollini é uma opção estética, praticada aliás por muitos pianistas. Estaremos muito atentos neste aspecto a Sokolov, que na próxima segunda feira vai também interpretar Chopin, intérprete que nunca ouvi ao vivo em Chopin.

A segunda parte do recital foi muito superior à primeira, depois de um susto no nocturno opus 55, em que, de novo, algo correu mal com um acorde na mão esquerda, mas que gerou o tal nervo para o que se seguia, Pollini parecia mais metido dentro da música e talvez o repertório fosse também mais consistente. A lógica de crescendo dos nocturnos para a tremenda sonata no. 2, foi tão evidente e apropriada que fez entrar Pollini na tão conhecida sonata com uma naturalidade serena que fez esquecer a interpretação estereotipada da primeira parte e criou a surpresa do inesperado. O andamento da marcha fúnebre foi o menos conseguido no meu entender, não sei se por dificuldades do receptor, que escreve estas linhas, se da própria concepção de Pollini. A marcha é tão conhecida, tão tocada, tão vulgarizada que se torna difícil recebê-la com a força das coisas novas. Penso que Pollini teve essa mesma dificuldade em recriar o andamento: sendo tão discreto e tendo tão bom gosto ficou coarctado a um modelo muito simples, provavelmente o mais eficaz para uma peça tão reconhecível.

Pollini tem uma técnica tão superlativa que, de forma absolutamente discreta, se recreia a gerar timbres impossíveis e deslumbrantes. E não consigo senão maravilhar-me com a entrega total do pianista à música e ao piano, chega a ser comovente. Apesar de objecções estéticas, um concerto de Pollini é sempre um ponto alto da vida de quem o escuta e de quem ama a música.
Dois extras remataram o concerto, o prelúdio foi uma espécie de repouso da tempestade do presto que fecha a sonata de forma arrebatadora.
A balada foi um exercício estético surpreendente, com uma marcação perfeita dos temas e dos ritmos.

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