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16.2.05

Divino Sospiro 

Ficámos mesmo a "sospirar" por mais, parabéns ao Divino e a Enrico Onofri, publica-se em seguida a crítica saída no Público.


Crítica Música
Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005

Suspiro por mais...
Por: Manuel Pedro Ferreira

Coro de Câmara de Lisboa
Ensemble Barroco do Chiado
Dir. Ricardo Kanji
LISBOA Academia das Ciências
11 de Fevereiro, 21h00
Sala a 3/4

Orquestra Barroca Divino Sospiro
Dir. Enrico Onofri
LISBOA Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém
13 de Fevereiro, 18h00
Sala cheia


Dois concertos com dois dias de intervalo permitiram-nos apreciar o trabalho de três agrupamentos portugueses que se movem na área da música antiga, sendo que dois deles são nela especializados: o Ensemble Barroco do Chiado e a Orquestra Divino Sospiro. Embora com dimensões e características diferentes, ambos integram um grupo importante de artistas estrangeiros, a par de intérpretes nacionais, e ambos se apresentaram sob a direcção de um músico convidado.

Os repertórios foram como os resultados: díspares. O Ensemble Barroco do Chiado e o Coro de Câmara de Lisboa deram-nos a ouvir música sacra brasileira do período colonial, dirigida pelo também brasileiro Ricardo Kanji. Muita desta música, só recentemente disponível em edição moderna, tem grande qualidade. É o caso da "Missa abreviada", de Manoel Dias de Oliveira, de "Vidi aquam" e da "Missa e Vésperas do Sábado Santo", de autores anónimos. Já as "Lições da Vigília Pascal" e a "Bênção da Fonte Baptismal", também anónimas, correspondem não só a um estilo diferente, mas a uma inferior capacidade artística. Acima da trivialidade, mas demasiado repetitivo, é o chamado "Gradual do Espírito Santo", de João de Araújo Silva, em que os violinos tiveram alguma dificuldade em lidar com as passagens mais rápidas. Problemas no desenho das frases e na fusão harmónica afectaram o interessante "Libera me", do padre José Maurício; talvez isso se tenha devido a condições acústicas deficientes no palco (comunicação entre os cantores e o baixo contínuo), ou ainda à relativa modernidade do estilo musical, que requer matizes dinâmicas e um corpo sonoro mais amplo do que aquele aparentemente disponível.

Os "pianos" requeridos pelo maestro ao coro voltaram a causar alguma dificuldade nas "Matinas do Sábado Santo", de Lobo de Mesquita; no terceiro responsório, foram as trompas naturais a trair os instrumentistas. A obra, como um todo, tem imenso interesse; o quarto responsório, na sua vivacidade e expressividade, é mais representativo da qualidade geral do que o seguinte, em que se usa e abusa das repetições modulantes, sendo ténue a relação com o texto.

Só três das obras programadas dispensavam a participação de cantores solistas. A bonita voz, sensibilidade estilística e segurança técnica da soprano Joana Seara encontraram um exacto reflexo nas qualidades evidenciadas pelo baixo Rui Baeta. A escolha de Ricardo Ceitil (contratenor) e Mário Alves (tenor) foi menos feliz, não por lhes faltarem qualidades tímbricas e musicais, mas devido às suas abissais diferenças na potência e no estilo, do que resultaram duetos desequilibrados e alguma instabilidade tonal.

A direcção de Ricardo Kanji foi clara e musicalmente sensível, mas não doseou as pausas de forma a respeitar a natureza das peças: nos "Tractos", o ataque dos versículos devia ter sido mais expedito, e mais amplas as esperas entre momentos litúrgicos diversos; e não deviam ter sido introduzidos silêncios antes das "presas" dos responsórios. Em geral, porém, os intérpretes estão de parabéns pelo seu bem sucedido empenho na revelação de obras de grande valor patrimonial e artístico.

Não era esse o objectivo da Orquestra Divino Sospiro, que se abalançou a exigentes, mas conhecidas, partituras de Telemann, Vivaldi, J. S. Bach e Haendel. Sob a direcção do italiano Enrico Onofri, que também se apresentou como solista em violino, mostrou-se ao mais alto nível técnico e interpretativo. Onofri explorou, com grande vivacidade e imaginação, e com total adesão dos músicos, dinâmicas fortemente contrastadas e articulações explosivas, sem deixar nenhuma frase por esculpir. Um "rallentando" ligeiramente forçado no termo da "Abertura" de Telemann foi o maior defeito que notámos à sua direcção. Como solista no Concerto "Grosso Mogul", de Vivaldi, mostrou-se virtuosístico e inspirado; as raras imperfeições foram redimidas por uma impressionante "cadenza" final.

Excelente esteve também Pedro Castro, como solista no Concerto para oboé "d'amore", de Bach. Todos os membros do Divino Sospiro se mostraram à altura do desafio: soar como os melhores. Tal como o público, verdadeiramente entusiasmado, ficámos a suspirar por mais.


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