7.12.04
Uma nota sobre a Walküre
Ontem, numa breve troca de impressões sobre a instrumentação de Wagner para a Walküre levantou-se a dúvida das seis harpas. Depois de uma pesquisa rápida na internet descobri um livro sobre os ensaios de Bayreuth por Heinrich Porges, que esteve presente em 1876. Parece que na interpretação do Götterdämmerung Wagner usou mesmo sete harpas e não seis! E, constantemente, gritava que os glissandos não se ouviam, e que tocassem mais forte.
É de encomendar e ler o Bühnenproben, para tirar a limpo. A edição crítica da partitura (casa Schott), muito recente, deve também ser elucidativa.
Wagner dizia que a orquestra deve ser uma espécie de mar onde as vozes flutuam, a orquestra deve sustentar as vozes, às vezes de forma mais tormentosa, mas sempre sem submergir o barco. As vozes e a audiçao do texto, a sua inteligibilidade são fundamentais, se necessário deve-se reduzir a velocidade de execução para deixar respirar melhor o texto e o público poder assimilar o drama. "O drama acima de tudo".
Porges era músico e muito culto, Wagner pediu-lhe expressamente que anotasse todos os detalhes que pudesse escutar durante os ensaios para que as suas concepções não fossem adulteradas no futuro...
Aspectos a não esquecer durante a audição: ouvir o trompete baixo, é essencial para criar a tensão dramática. Notas sombrias prenunciam tempestades tremendas. Espadas escondicas em tonalidade menor anunciadas de forma trágica pelo som escuro e denso deste instrumento, essencial na textura orquestral de Wagner. É necessário um excelente trompetista (pode ser um trombonista) para fazer esta parte. E necessário que o maestro explique bem o sentido das frases e o leifmotiv de cada solo, de cada nota, de cada momento de crise que se anuncia, quase invariavelmente, pelo trompete baixo, afinado uma oitava abaixo dos outros trompetes.
Ouvir o primeiro trompete: temos de estar preparados para escutar com clareza os anúncios que o trompete solo nos momentos culminantes de exaltação da descoberta de Nothung encerrada no ventre da árvore, o trompete tem de ter uma clareza cristalina e uma fluência e facilidade de emissão notáveis.
O violoncelo deve cantar as angústias do amor condenado num solo de nostalgia profunda, mas com o sentimento do amor profundo e inexorável. A escutar com atenção, bem como as partes em divisi em que os violoncelos se desdobram em vozes de um lirismo apaixonado.
Não esquecer também de ouvir as violas que harpejam de forma dolorosa no tour de force tremendo do "Winterstürm" de Siegmund, isto muito depois dos sessenta compassos (3/2) iniciais (prelúdio) em que fazem um trémulo sempre no mesmo ré (!) (deve ser muito maçador de tocar). As violas sofrem muito na Walküre, mas o seu tímbre de mel tem de se escutar, não só nestes harpejos como também nas passagens em que Wagner exige o seu contributo como voz condutora.
O clarinete baixo tem um papel importante, a ouvir o veludo nos temas dos Walsung.
A precisão no momento em que se anuncia a entrada de Hunding será decisiva nos metais, densidade e coesão são necessários. Nada de entradas esborrachadas que estragariam todo o efeito sonoro.
Todos os metais serão decisivos no final do primeiro acto, a música entra em colapso nervoso em tempo frenético, propício a todos os desencontros. O imenso orgasmo final deste acto (nas palavras do saudoso João de Freitas Branco) será um teste à capacidade dos metais de tocarem com corpo sem rasgarem a sonoridade.
Mas "acima de tudo o drama", é na interpretação, na criação de sonoridades, de tensões e distensões, na capacidade de criar um fluxo em crescendo de tensão, rebentando numa clarificação final que é apenas um recomeço de outras tensões, outros dramas mais profundos e intensos que terão lugar no segundo acto, que a interpretação da obra tem de mostrar o que vale. Pequenos falhanços aqui e ali são infinitésimos face à escala imensa da proposta do compositor. Foi neste ponto crucial que a leitura de Peskó, o maestro que vai interpretar esta obra na próxima sexta feira no CCB, falhou redondamente no Tristan que dirigiu no ano passado. Um maestro que não dominava a partitura da obra, que se perdia, que nem sabia onde entravam os cantores e dava entradas em falso, não conseguindo dominar a macro estrutura da obra, arruinou a interpretação da obra mais profunda de Wagner.
Esperamos do fundo do coração que não aconteça o mesmo com a Walküre nesta sexta feira. A bem da nossa Orquestra Sinfónca Portuguesa. A bem do futuro da ópera em Portugal, a bem dos extraordinários cantores, Gambill e Elisabete Matos, que poderão ser fantásticos se não forem perturbados por uma direcção frágil e tosca.
H.S.
É de encomendar e ler o Bühnenproben, para tirar a limpo. A edição crítica da partitura (casa Schott), muito recente, deve também ser elucidativa.
Wagner dizia que a orquestra deve ser uma espécie de mar onde as vozes flutuam, a orquestra deve sustentar as vozes, às vezes de forma mais tormentosa, mas sempre sem submergir o barco. As vozes e a audiçao do texto, a sua inteligibilidade são fundamentais, se necessário deve-se reduzir a velocidade de execução para deixar respirar melhor o texto e o público poder assimilar o drama. "O drama acima de tudo".
Porges era músico e muito culto, Wagner pediu-lhe expressamente que anotasse todos os detalhes que pudesse escutar durante os ensaios para que as suas concepções não fossem adulteradas no futuro...
Aspectos a não esquecer durante a audição: ouvir o trompete baixo, é essencial para criar a tensão dramática. Notas sombrias prenunciam tempestades tremendas. Espadas escondicas em tonalidade menor anunciadas de forma trágica pelo som escuro e denso deste instrumento, essencial na textura orquestral de Wagner. É necessário um excelente trompetista (pode ser um trombonista) para fazer esta parte. E necessário que o maestro explique bem o sentido das frases e o leifmotiv de cada solo, de cada nota, de cada momento de crise que se anuncia, quase invariavelmente, pelo trompete baixo, afinado uma oitava abaixo dos outros trompetes.
Ouvir o primeiro trompete: temos de estar preparados para escutar com clareza os anúncios que o trompete solo nos momentos culminantes de exaltação da descoberta de Nothung encerrada no ventre da árvore, o trompete tem de ter uma clareza cristalina e uma fluência e facilidade de emissão notáveis.
O violoncelo deve cantar as angústias do amor condenado num solo de nostalgia profunda, mas com o sentimento do amor profundo e inexorável. A escutar com atenção, bem como as partes em divisi em que os violoncelos se desdobram em vozes de um lirismo apaixonado.
Não esquecer também de ouvir as violas que harpejam de forma dolorosa no tour de force tremendo do "Winterstürm" de Siegmund, isto muito depois dos sessenta compassos (3/2) iniciais (prelúdio) em que fazem um trémulo sempre no mesmo ré (!) (deve ser muito maçador de tocar). As violas sofrem muito na Walküre, mas o seu tímbre de mel tem de se escutar, não só nestes harpejos como também nas passagens em que Wagner exige o seu contributo como voz condutora.
O clarinete baixo tem um papel importante, a ouvir o veludo nos temas dos Walsung.
A precisão no momento em que se anuncia a entrada de Hunding será decisiva nos metais, densidade e coesão são necessários. Nada de entradas esborrachadas que estragariam todo o efeito sonoro.
Todos os metais serão decisivos no final do primeiro acto, a música entra em colapso nervoso em tempo frenético, propício a todos os desencontros. O imenso orgasmo final deste acto (nas palavras do saudoso João de Freitas Branco) será um teste à capacidade dos metais de tocarem com corpo sem rasgarem a sonoridade.
Mas "acima de tudo o drama", é na interpretação, na criação de sonoridades, de tensões e distensões, na capacidade de criar um fluxo em crescendo de tensão, rebentando numa clarificação final que é apenas um recomeço de outras tensões, outros dramas mais profundos e intensos que terão lugar no segundo acto, que a interpretação da obra tem de mostrar o que vale. Pequenos falhanços aqui e ali são infinitésimos face à escala imensa da proposta do compositor. Foi neste ponto crucial que a leitura de Peskó, o maestro que vai interpretar esta obra na próxima sexta feira no CCB, falhou redondamente no Tristan que dirigiu no ano passado. Um maestro que não dominava a partitura da obra, que se perdia, que nem sabia onde entravam os cantores e dava entradas em falso, não conseguindo dominar a macro estrutura da obra, arruinou a interpretação da obra mais profunda de Wagner.
Esperamos do fundo do coração que não aconteça o mesmo com a Walküre nesta sexta feira. A bem da nossa Orquestra Sinfónca Portuguesa. A bem do futuro da ópera em Portugal, a bem dos extraordinários cantores, Gambill e Elisabete Matos, que poderão ser fantásticos se não forem perturbados por uma direcção frágil e tosca.
H.S.
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