24.12.04
Oratória de Natal e Steve Mason
A Oratória de Natal às postas acabou ontem na Gulbenkian com a interpretação das três cantatas finais, uma vez que no final de 2003 tivemos as três primeiras cantatas. A orquestra e coro Gulbemkian sob a batuta de Corboz, os solistas, bem melhores que os de 2003 foram, do agudo ao grave, Maria Kiehr, Caitlin Hulcup, Cristoph Prégardien e Peter Harvey.
Relativamente a este tipo de interpretação já não tenho ilusões ou desilusões. A música de Bach é sublime e fica relativamente difícil de vandalizar por uma orquestra romântica e um coro mastodôntico dirigidos por um fóssil, esquecendo estes detalhes acabou por ser um concerto agradável.
Pouco subtil o coro, pesado e agressivo, pelo número exagerado de cantores aos gritos. Horrendo o contínuo, com as senhoras dos violoncelos em vibrato disparatado e um contrabaixo sem a menor noção do fraseado barroco, pese embora o esforço para andar em bicos dos pés. Mas tentar colocar aqueles baixos a andar em bicos dos pés é o mesmo que obrigar um elefante a saltar de nenúfar em nenúfar. Oboés fracotes, com o oboé de Swinerton a fraquejar fortemente, aflito, com notas a ficarem dentro do instrumento. Um concertino titular a remar contra a maré tentando uma articulação mais barroca e evitando o vibrato excessivo, mas sem a fluência necessária ao género, acabando por nem ser carne nem peixe. Trompas razoáveis. Orgão displicente, como sempre, na concretização do cifrado, sustentando as semibreves muitas vezes, cortando outras, sem opção lógica que se visse, não realizando as mudanças de acorde quando indicadas apenas pelos números da cifra. Acrescento a ressalva que, nos recitativos da última cantata, foi mais cuidadoso e, neste ponto final, realizou o cifrado com mais rigor.
Uma direcção muito plástica, em termos visuais, de Corboz mas pouco conseguida em termos sonoros, tempos lentíssimos nas partes mais complexas, para o coro se aguentar nas entradas fugadas. E solistas irregulares. Uma passagem pela obra, a impressão que tive ao escutar esta oratória interpretada pela última vez depois de duas interpretações anteriores, como terá sido antes?
Cristina Kiehr mostrou que é inteligente, escolhe bem o repertório, canta o que sabe e dentro do alcance das suas qualidades vocais. No caso da Oratória de Natal, quando lhe põem à frente uma ária como Nur ein Wink von seinen Händen, na última parte, falha estrondosamente, os saltos de sexta e de oitava, sem apoio, para notas agudas, como para um simples fá, ou para o sol, foram confrangedores, um apito em esforço, sem qualquer beleza sonora e aflitíssimo, uma emissão francamente difícil e sem cor nos agudos deslustraram a sua interpretação: o lá que pontifica nesta ária, este com mais preparação que os saltos citados anteriormente, saiu muito feio. Parecia uma míuda do conservatório aflita para cantar uma ária difícil, sem interpretar, apenas lendo. Devia cingir-se ao seu repertório. Ou então cantar apenas com a afinação barroca pois a afinação moderna talvez tenha contribuído para esta pequena catástrofe.
A contralto mostrou uma voz feia e agreste.
Prégardien, geralmente sublime, foi apenas bom, mas parece que está com dificuldades vocais também e patinou em alguns agudos, pouco redondos e sem plasticidade, mesmo assim um dos melhores cantores em palco.
Peter Harvey foi muito bom nas intervenções confiadas ao baixo, um bom barítono a que só falta mais densidade no registo grave para ser perfeito.
O melhor do concerto foi mesmo Steve Mason, o tromba excepcional que a Fundação tem no seu naipe de trompetes. Com o trompete picolo (em ré) foi deslumbrante, nem uma nota fora do lugar, nem uma nota fora de tom. Uma facilidade técnica fantástica, uma facilidade de articulação quase impossível. Já tinha ouvido este trompete anteriormente e sabia das suas qualidades excepcionais, mas ontem ultrapassou tudo o que se pode imaginar. Uma parte complexa, a do último coral, tocada vertiginosamente, com fluência, com beleza sonora, com um tímbre muito bom também. Mason fez sonhar com a música de Bach e valeu todo o concerto. Quando temos um vinte esquecemos as notas mais fracas como o 13 de Corboz, o 12 do coro, o 12 da orquestra, o 9 do contínuo, o 13 do contralto, o 14 de Maria Kiehr, o 15 de Prégardien e de Harvey. Com Mason no trompete a música de Bach mereceu o que o compositor escreveu no final Fine S.D.G. 1734, é que a música aqui chegou ao céu para glória única do Senhor. Que Deus lhe dê um trompete barroco na próxima vez que o escutarmos.
P.S. Saiu uma crítica no Jornal O Público, parece que o autor não assistiu ao mesmo agrupamento a tocar a mesma coisa que nós ontem na Gulbenkian. O elogio ao contínuo é inacreditável, mostra ignorância e complacência. Fazer crítica não é ouvir um concerto e mandar uma bocas depois porque o público bateu muitas palmas... Criticar é servir os intérpretes e o público, requer respeito pela música, pelos músicos e, sobretudo, pelo público que paga os bilhetes.
Relativamente a este tipo de interpretação já não tenho ilusões ou desilusões. A música de Bach é sublime e fica relativamente difícil de vandalizar por uma orquestra romântica e um coro mastodôntico dirigidos por um fóssil, esquecendo estes detalhes acabou por ser um concerto agradável.
Pouco subtil o coro, pesado e agressivo, pelo número exagerado de cantores aos gritos. Horrendo o contínuo, com as senhoras dos violoncelos em vibrato disparatado e um contrabaixo sem a menor noção do fraseado barroco, pese embora o esforço para andar em bicos dos pés. Mas tentar colocar aqueles baixos a andar em bicos dos pés é o mesmo que obrigar um elefante a saltar de nenúfar em nenúfar. Oboés fracotes, com o oboé de Swinerton a fraquejar fortemente, aflito, com notas a ficarem dentro do instrumento. Um concertino titular a remar contra a maré tentando uma articulação mais barroca e evitando o vibrato excessivo, mas sem a fluência necessária ao género, acabando por nem ser carne nem peixe. Trompas razoáveis. Orgão displicente, como sempre, na concretização do cifrado, sustentando as semibreves muitas vezes, cortando outras, sem opção lógica que se visse, não realizando as mudanças de acorde quando indicadas apenas pelos números da cifra. Acrescento a ressalva que, nos recitativos da última cantata, foi mais cuidadoso e, neste ponto final, realizou o cifrado com mais rigor.
Uma direcção muito plástica, em termos visuais, de Corboz mas pouco conseguida em termos sonoros, tempos lentíssimos nas partes mais complexas, para o coro se aguentar nas entradas fugadas. E solistas irregulares. Uma passagem pela obra, a impressão que tive ao escutar esta oratória interpretada pela última vez depois de duas interpretações anteriores, como terá sido antes?
Cristina Kiehr mostrou que é inteligente, escolhe bem o repertório, canta o que sabe e dentro do alcance das suas qualidades vocais. No caso da Oratória de Natal, quando lhe põem à frente uma ária como Nur ein Wink von seinen Händen, na última parte, falha estrondosamente, os saltos de sexta e de oitava, sem apoio, para notas agudas, como para um simples fá, ou para o sol, foram confrangedores, um apito em esforço, sem qualquer beleza sonora e aflitíssimo, uma emissão francamente difícil e sem cor nos agudos deslustraram a sua interpretação: o lá que pontifica nesta ária, este com mais preparação que os saltos citados anteriormente, saiu muito feio. Parecia uma míuda do conservatório aflita para cantar uma ária difícil, sem interpretar, apenas lendo. Devia cingir-se ao seu repertório. Ou então cantar apenas com a afinação barroca pois a afinação moderna talvez tenha contribuído para esta pequena catástrofe.
A contralto mostrou uma voz feia e agreste.
Prégardien, geralmente sublime, foi apenas bom, mas parece que está com dificuldades vocais também e patinou em alguns agudos, pouco redondos e sem plasticidade, mesmo assim um dos melhores cantores em palco.
Peter Harvey foi muito bom nas intervenções confiadas ao baixo, um bom barítono a que só falta mais densidade no registo grave para ser perfeito.
O melhor do concerto foi mesmo Steve Mason, o tromba excepcional que a Fundação tem no seu naipe de trompetes. Com o trompete picolo (em ré) foi deslumbrante, nem uma nota fora do lugar, nem uma nota fora de tom. Uma facilidade técnica fantástica, uma facilidade de articulação quase impossível. Já tinha ouvido este trompete anteriormente e sabia das suas qualidades excepcionais, mas ontem ultrapassou tudo o que se pode imaginar. Uma parte complexa, a do último coral, tocada vertiginosamente, com fluência, com beleza sonora, com um tímbre muito bom também. Mason fez sonhar com a música de Bach e valeu todo o concerto. Quando temos um vinte esquecemos as notas mais fracas como o 13 de Corboz, o 12 do coro, o 12 da orquestra, o 9 do contínuo, o 13 do contralto, o 14 de Maria Kiehr, o 15 de Prégardien e de Harvey. Com Mason no trompete a música de Bach mereceu o que o compositor escreveu no final Fine S.D.G. 1734, é que a música aqui chegou ao céu para glória única do Senhor. Que Deus lhe dê um trompete barroco na próxima vez que o escutarmos.
P.S. Saiu uma crítica no Jornal O Público, parece que o autor não assistiu ao mesmo agrupamento a tocar a mesma coisa que nós ontem na Gulbenkian. O elogio ao contínuo é inacreditável, mostra ignorância e complacência. Fazer crítica não é ouvir um concerto e mandar uma bocas depois porque o público bateu muitas palmas... Criticar é servir os intérpretes e o público, requer respeito pela música, pelos músicos e, sobretudo, pelo público que paga os bilhetes.
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