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3.11.04

Zsolt Hamar - Andreoli - OSP - Coro do S. Carlos 

É um momento de alegria poder escutar a Orquestra Sinfónica Portuguesa ao seu melhor nível. Concerto na Basílica de Mafra, 31 de Outubro de 2004, 21h. Zsolt Hamar, OSP e coro do S. Carlos, Dora Rodrigues soprano, Luís Rodrigues barítono, um organista... Obras de Toru Takemitsu (requiem para orquestra de cordas) e de Gabriel Fauré (requiem para orgão, coro e orquestra reduzida, versão de 1893).


Maestro Zsolt Hamar, o jovem que dirigiu a orquestra e coro foi referido por Yehudi Menuhin em 1997:
"I have seen Zsolt Hamar in action in Budapest. He is one of the most dynamic, precise, and intelligent of young conductors I have heard."
Não admira muito que a secção de cordas da orquestra sinfónica, sob a batuta deste maestro, tenha soado de forma rigorosa, coesa, espessa, sem perda de plasticidade na peça de Tokemitsu, um compositor japonês, falecido em 96 com 66 anos, que muito admiro pela sua excelente música de câmara e que preencheu a primeira parte do concerto final do Festival Internacional de Música de Mafra.
O concertino Alexander Stuart foi correcto na ajuda prestada ao maestro. Sem exuberâncias, sem excessos levou a sua secção a uma afinação precisa e a uma muito boa prestação no requiem para cordas de Takemitsu. Uma excelente primeira parte.

A segunda obra em programa é o célebre requiem de Fauré, que este compositor escreveu em memória do seu pai. Uma reflexão calma sobre a morte, uma obra muito introspectiva, de uma beleza serena. Uma obra falsamente fácil. Apenas andamentos lentos, precisamente os mais difíceis para a transmissão das emoções, onde a língua da música pode assumir mil graus de liberdade para atingir o ouvinte no ponto mais sensível à compreensão da mensagem do compositor. Não existe um único caminho para esse fim, mas Zsolt Hamar encontrou um caminho não necessariamente sereno. Muitas vezes os sf's, os pianos súbitos, o enriquecimento sonoro com a utilização do naipe das trompas ou da harpa, a gama dinâmica do coro, foram usados de forma muito subtil e adequada à obra pelo jovem maestro. Uma obra sem violinos, excepto o bom solo de Stuart, sem excessos de sonoridade ou vibrato, calmo, contido. Uma obra para cordas grossas! Para violas, violoncelos e contrabaixos, sopros reduzidos ao mínimo, orgão e harpa.
Impressionou sobretudo a capacidade de leitura de uma obra madura, como o requiem de Fauré. A leitura do maestro foi mais importante do que a sua capacidade de dominar a orquestra e o coro e a sua precisão técnica, reconhecidamente elevadas.
Uma palavra para o coro, não se poderia imaginar que o coro pudesse subir tanto em tão pouco tempo! Afinado quanto baste, sem ser perfeito; sem os gritos do costume, excepto de vez em quando um pouco agreste nos fortíssimos; capaz de subtilezas dinâmicas, conseguiram-se ouvir pianos e fortes, mesmo pianíssimos! A dicção não foi o forte neste concerto, mas as palavras ainda se conseguiram escutar, mais ou menos distorcidas. Ou seja, já é possível criticar o coro do S. Carlos como se tratasse de um coro normal e não de uma aberração musical. Anteriormente criticar este coro era quase degradante para o crítico, era descer demasiado baixo! Hoje em dia a instituição e a música portuguesa estão a recuperar e a regenerar um verdadeiro coro. É notável, é obra. Diria que esta subida de nível vale os ordenados principescos de Andreoli, o novo maestro de coro, e do seu assistente. Quando há obra pode-se dizer que o dinheiro é bem gasto. E assim é com este maestro italiano. Espera-se que continue o bom trabalho e o coro vá melhorando do nível médio em que se encontra e atinja o nível, já relativamente elevado, da OSP (que tem ainda uns problemas para resolver).
A orquestra esteve muito bem em termos gerais, um prazer escutar a orquestra bem dirigida, com os seus músicos em forma, houve subtileza, recorte, coesão, afinação. É difícil criticar quando a orquestra responde bem. Pouco há a dizer, apenas elogiar.

Os cantores solistas: Dora Rodrigues e Luís Rodrigues tiveram prestações diferentes. Luís Rodrigues, barítono, foi muito pouco doce (é a palavra que surge na partitura), já tinha sido muito rústico no mesmo requiem na Sé de Lisboa no final do Festival de Orgão de Lisboa. Continuou a ser rústico na Basílica de Mafra. Uma articulação muito em esforço, muito sacudida, e uma voz a perder-se (por excesso de trabalho?), algo agreste. Note-se que a partitura é fácil e Rodrigues teve dificuldades na dinâmica e mesmo na emissão das notas. Um exemplo é a passagem do compasso 63 para 64 do ofertório onde a descida do lá sustenido para o sol sustenido foi muito áspera, em dificuldade, já o tinha sido exactamente neste mesmo ponto na Sé de Lisboa, creio que o cantor não entrou bem no lá sustenido e o resultado foi um momento muito complicado para quem ouvia e para o próprio. Luís Rodrigues devia ter preparado melhor esta passagem de um concerto para o outro... O bom cantor que é Luís Rodrigues deveria parar um pouco para repousar a voz e tentar ser mais redondo. Dora Rodrigues, soprano, tem um timbre muito belo e cumpriu de forma muito suave as partes a solo que lhe cumpriam. Um soprano que é cada vez mais um valor seguro, mas é jovem e tem um longo caminho à frente, que continue neste caminho, uma grande cantora em perspectiva.
O organista esteve fraco, o orgão não ajudou nada, uma espécie de orgão a pilhas (esta é irónica) do Teatro Nacional de S. Carlos. A obra destinava-se ao grande orgão da igreja de La Madelaine onde Fauré era titular. Mas o exemplo pior foi mesmo o final "In Paradisum" onde o orgão perdeu totalmente o ritmo e o passo. Notou-se muita flutuação rítmica no orgão desde o início do requiem de Fauré. Não percebi a chamada às palmas do organista no final...
Um concerto de muito boa qualidade no balanço final, o público saiu satisfeito da Basílica de Mafra.

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