<$BlogRSDUrl$>

19.11.04

Concerto na Gulbenkian 

Michel Corboz é um maestro que insiste em dirigir Bach de forma fossilizada, de forma historicamente desinformada, sem respeito pela obra e pelo compositor, de todas as vezes que escutámos Corboz a dirigir Bach acabámos sempre com a desilusão de termos escutado grande música, muitas vezes por grandes intérpretes, mas faltando sempre algo. Uma visão ultrapassada que, no entanto, não ofusca o papel que Corboz teve, num determinado momento, na difusão e popularização da música chamada "antiga". Em Lausanne Corboz desenvolveu trabalho de mérito. Em Lisboa, com a Fundação Gulbenkian, Corboz teve também um papel de vulto na organização e preparação do coro.
Foi com espectativa que ontem nos dirigimos à Gulbenkian para escutar Corboz, o Coro Gulbenkian e a Orquestra Gulbenkian num repertório de compositores associados, directa ou indirectamente, à escola que tentou regressar às fontes musicais europeias, ao canto gregoriano, e que surgiu como reacção ao academismo francês e ao modernismo aparente dos primeiros anos do século vinte em França. Debussy não influenciou Fauré (neste caso seria difícil, pois o período mais fértil de Debussy corresponde ao final da vida artística de Fauré, quase surdo) mas poderia ter influenciado Duruflé, no entanto as influências de Duruflé estão todas no canto gregoriano. Escreveu pouco, felizmente, e tudo o que escreveu foi baseado em influências gregorianas, era o que sabia fazer sendo director do Instituto Gregoriano do Conservatório de Paris. Era de certa forma um academista. O seu requiem é uma obra interessante mas repetitiva, o tema gregoriano que lhe serve de base repete-se até à exaustão e a harmonia é do mais monótono que se pode imaginar, quando os números não acabam em uníssono acabam em ... uníssono! Harmonias em paralelo, pedais e mais pedais, música que por alguma razão deixou de usada há centenas de anos, recuperada e vestida de aparência hodierna por um director do Instituto Gregoriano de Paris.
O suiço Frank Martin também passou por uma fase semelhante, em 1922 era um conservador empedernido, mais tarde sofreu influências de Debussy e de Schönberg e abriu os seus horizontes. Tal como Fauré começou pelo orgão, sua música no concerto de ontem foi Um Glória e Credo da Missa para duplo coro. Obra virtuosa e virtuosística para os cantores de um coro bem oleado, mas convencional na técnica de escrita, no seu conservadorismo e academismo. Tivemos polifonia, contraponto imitativo, muita técnica mas pouca originalidade. Uma obra boa para a missa, desinteressante, hoje, numa sala de concerto.
Fauré é um vulto difícil de explicar, é uma espécie de independente no final do século XIX francês. Oriundo da escola Niedermeyer, onde estudou, para variar, canto gregoriano, contraponto, orgão e música litúrgica, Fauré tem uma sensibilidade que o faz sair do academismo estéril da sua escola formal e o transforma num compositor de música geralmente inspirada, onde se nota a centelha do génio. A suite de Pelléas et Mélisande, opus 80, é uma obra orquestrada pelo próprio Fauré (orquestrar não era muito do seu agrado), uma obra prima na sua concisão e beleza serena, aliás habitual em Fauré. Debussy retomará o tema criando uma das suas obras mais importantes, onde se notam algumas influências de Fauré, se não totalmente no plano musical, pelo menos no plano literário. Uma obra de Fauré para orquestra, sem elementos vocais.
O concerto de ontem não foi muito conseguido. O coro esteve agreste em Martin e em Duruflé, os fortíssimos foram gritados, desafinados e excessivos, atingindo quase o limiar da dor auditiva e em desequilíbrio com a orquestra. Tinhamos oitenta cantores em palco, a orquestra dispunha de seis violoncelos! O coro desacertou bastante em Martin, quer em termos de afinação, quer em termos de acerto do contraponto, o Glória de missa de Martin padeceu deste mal. Em Duruflé foi patente o desequilíbrio entre os naipes orquestrais e o coro. Até o bombo foi impotente para contrabalançar com o coro! Apenas seis violoncelos para cinco contrabaixos (qualquer dia são mais os contrabaixos do que os violoncelos) retiraram elegância e plasticidade aos baixos da orquestra. A sonoridade espessa dos violoncelos não se ouviu, 24 violinos (se contei bem) mesmo assim não se conseguiam fazer ouvir face ao excesso de madeiras metais percussão e coro. É certo que a obra já é naturalmente desequilibrada, mas a falta de balanço e de cordas reforçaram essa sensação. Notória a falta de massa nos violoncelos no "Agnus Dei" da missa de requiem de Duruflé.
Os solistas em Duruflé foram regulares, o barítono Christian Immler tem um timbre bonito e boa articulação, a contralto Rasker tem a voz muito pesada e desafina, o seu vibrato muito mastigado torna-se feio e desagradável, mas têm partes demasiado pequenas para maiores apreciações.

A obra de Fauré acabou por ser o melhor do concerto, a orquestra, sem coro e sem metais em excesso, a obra não tem trombones por ex., mostrou qualidade e Corboz conseguiu transmitir o génio escondido das páginas tranquilas, ou talvez não, de Fauré. A trompa de Luxton esteve, em particular, muito bem enquadrada e com uma sonoridade muito bela, sem excesso de som. Se esquecermos alguns detalhes foi uma boa prestação.
Claro que temos de escutar estes compositores, o repertório não se faz apenas com os grandes nomes da história da música, mas este concerto viveu demais de academismo seródio para se poder dizer que ultrapassou o nível da mediania musical.
Pede-se mais equilíbrio entre os naipes da orquestra, atenção ao número demasiado reduzido de violoncelos que a Gulbenkian tem sistematicamente apresentado.

Arquivos

This page is powered by Blogger. Isn't yours?