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19.10.04

Os candidatos a críticos 

Mais uma vez um reparo (severo) ao juvenil "espião" do (já comentado aqui com agrado) programa de João Almeida e Ana Paula Russo na Antena 2, rádio.
Foi dito que Fleming abordou Händel de forma "estilisticamente correcta" e elogiou a sua "versatilidade". O jovem ou é surdo ou não percebe nada do assunto, Fleming foi desastrosa em Händel, o estilo foi inapropriado, o uso e abuso de vibrato, a incacidade de articular, o estilo do bel canto não se enquadra no barroco, Fleming foi pouco ágil e pesada, tal como o "acompanhamento" da orquestra Gulbenkian. Esteve mal no domínio da respiração, abordar Händel foi o pior do recital (de facto reflexo do excesso de ambição na amplitude do repertório), já comentado como bom aqui, a parte desprezável e verdadeiramente má, que se esquece face aos lados positivos de um concerto de alto nível.

Augusto Seabra no Público de hoje salienta um Verdi mediano e esquece um Puccini quase perfeito. Vá lá, recorda Strauss passando uma esponja sobre a entrada muito má de Fleming no último lied. Numa cantora sem as pretensões de Fleming essa entrada poderia passar ao quociente, aqui estamos a falar de alguém que é rotulada da "mais bela voz do mundo" por alguns membros da claque. A este nível não se pode ter um deslize tão grave e evidente, ainda por cima corroborado por uma actuação irregular em que o muito alto oscilou com o médio. Seabra não o esquece, o pior do recital foi mesmo a demasiada ambição de Fleming ao querer cantar tudo, quando tem uma voz e uma capacidade musical para fazer de forma notável, e única, algum repertório mais limitado.

Fleming não conseguir escurecer a voz é algo simples de explicar: tendo harmónicos muito ricos nos médios e agudos, as cordas vocais e sistema fonético não têm capacidade física de emitir com muita energia os fundamentais e os harmónicos no registo grave, é uma questão física. Seria quase sobre humano uma mulher ter essa capacidade, ainda por cima uma senhora que não apresenta uma caixa de ressonânica muito grande. Era como pedir ao violino que tocasse no registo grave da viola ou do violoncelo, com a mesma sonoridade do instrumento maior. Fleming nunca conseguirá cantar com a voz escura das grandes sopranos dramáticas. Eu creio que a cantora sabe isso melhor que ninguém. Tem também a ver com a dimensão e tensão das cordas vocais. Dizer que "tenta" escurecer a voz é algo que não pode bater certo... Ou se tem a voz densa e escura, ou se vai ganhando esse timbre escuro com a idade e o peso, ou não se tem. Ponto. Pode-se tentar melhorar a potência da emissão nos registos graves, mas o reflexo será sempre uma diminuição de capacidade no registo mais elevado. Só superdotados fisicamente conseguem ter a capacidade de cantar bem nos diversos registos, muitas vezes à custa de corpos com grande volume e caixas toráxicas de grande envergadura. Por essa razão os tenores, ou sopranos, são desencorajados de cantar abaixo de determinadas notas. O timbre escuro tem a ver sobretudo com as cordas vocais, a sua dimensão natural e a capacidade de lhes dar a tensão adequada para os harmónicos e os fundamentais que se pretendem. É natural, o cantor não resolve equações diferenciais para fazer isto. Estes factores evoluem, sobretudo, com a idade.
Se a voz escurecer perde também a ligeireza e a aura diáfana e luminosa dos registos médio e agudo. Nunca se conseguirá ter o melhor dos dois mundos, apenas em raríssimos caos. Vickers (tenor) Flagstad, Nilson, exemplos de vozes densas mas que não brilharam no bel canto!


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