22.10.04
O fotógrafo, o ruído de alta frequência, os telemóveis e as tosses
Mais um concerto de bom nível na Gulbenkian. Um pianista de grande qualidade e uma orquestra a subir um pouco. Foster, o maestro, continua a precisar de uma visita ao alfaiate, aliás devia aprender com o pianista Kissin, pois este até poderia aparecer descalço com um farrapo à cintura que já tem qualidade musical para essas excentricidades. Mas não, Kissin aparece com uma casaca de fino corte e integra-se democraticamente na orquestra com a qual toca. Enfim... Mas já me chamam crítico de moda e passo ao assunto que me trouxe cá, o concerto de ontem com os três primeiros concertos para piano e orquestra de Beethoven.
Hoje farei apenas uns comentários telegráficos, mais sobre Foster e a orquestra do que sobre o pianista.
Na primeira parte, concertos 2 e 1, achei a orquestra pesada, o fraseado muito denso, muito pouco clássico, pouco maleável, pouco musical, claramente abaixo do piano.
No concerto número três, que preenchia a segunda parte, penso que Foster melhorou aspectos plásticos, as madeiras estiveram irrepreensíveis, talvez um grito forte do oboé no rondo final tivesse passado um pouco das marcas. Até as trompas estiveram muito razoáveis. O problema foi a direcção de Foster, a articulação do concerto em dó menor deveria ser muito mais subtil, mais elegante. O primeiro andamento, um allegro com brio, foi tocado sem qualquer brio, nem allegro moderato seria, parecia um andante, foi lento, pesado, empastelado, com tendência para carregar as tintas, mas sem atingir qualquer espécie de dramatismo. A piorar as coisas Foster chegou a alterar o texto do concerto, não em termos de notas mas em termos de indicações da partitura. Chegou ao extremo de transformar um decresc rematado com um ff num tremendo crescendo rematado por um fortíssimo que, deixando de ser inesperado, não teve o menor efeito retórico, o genial de Beethoven transformado pela leitura de Foster no banal, influências do musical americano que tem andado tão presente neste início de temporada? As notas com pontos em cima, do Largo, foram feitas como se tivessem suspensões!
O peso dos primeiros andamentos dos três concertos foi exagerado. A situação foi salva nos andamentos finais porque o pianista entra a solo e, qual locomotiva a todo o vapor, Kissin não deu hipótese a Foster, e orquestra, de fazer a coisa andar para trás...
Sobre Kissin, apenas acrescento que estava à espera de melhor, mas no próximo sábado remato este raciocínio após escutar os concertos 4 e 5. A fluência nas passagens estremamente rápidas foi perturbada aqui e ali por alguma trapalhice na articulação e o fraseado teve uns elementos de exuberância juvenil, efeitos mais para chamar a atenção das capacidades técnicas, do que escritos na partitura e desnecessários na economia das três obras. Exuberância impossível de escutar num pianista pensador como Brendel... Muito evidente no rondo do concerto em dó menor. Curiosamente gostei muito da articulação do andamento lento deste concerto, mas ficaram arestas por limar neste largo para se chegar ao excelente.
Nota-se uma evolução notável nestes concertos de Beethoven, que atingirá o clímax intelectual no quarto concerto e o máximo da força no quinto.
As condições de audição na Gulbenkian foram pertubadas em larga medida por um fotógrafo na galeria lateral da sala, que deve ter disparado umas centenas de vezes o obturador da sua ruidosa máquina, nos pianíssimos era certo: clic, clic, clic. De vez em quando lá vinha outro ruído desta zona da sala, uma espécie de crec, crec, crec, do equipamento do fotógrafo e um arrastar de objectos, depois ouvia-se o tripé a ranger e o senhor a bichanar à sua acompanhante. Muito desagradável, penso que poderia comprar uma máquina cem por cento silenciosa, existem no mercado.
Por outro lado existe um ruído de alta frequência, um zumbido horrível que destrói qualquer possibilidade de fruição musical com concentração. A primeira parte do concerto ressentiu-se desse ruído irritante, será o ar condicionado?
Tosses aos milhares e três toques de telemóvel, não está mal, não senhor.
Hoje farei apenas uns comentários telegráficos, mais sobre Foster e a orquestra do que sobre o pianista.
Na primeira parte, concertos 2 e 1, achei a orquestra pesada, o fraseado muito denso, muito pouco clássico, pouco maleável, pouco musical, claramente abaixo do piano.
No concerto número três, que preenchia a segunda parte, penso que Foster melhorou aspectos plásticos, as madeiras estiveram irrepreensíveis, talvez um grito forte do oboé no rondo final tivesse passado um pouco das marcas. Até as trompas estiveram muito razoáveis. O problema foi a direcção de Foster, a articulação do concerto em dó menor deveria ser muito mais subtil, mais elegante. O primeiro andamento, um allegro com brio, foi tocado sem qualquer brio, nem allegro moderato seria, parecia um andante, foi lento, pesado, empastelado, com tendência para carregar as tintas, mas sem atingir qualquer espécie de dramatismo. A piorar as coisas Foster chegou a alterar o texto do concerto, não em termos de notas mas em termos de indicações da partitura. Chegou ao extremo de transformar um decresc rematado com um ff num tremendo crescendo rematado por um fortíssimo que, deixando de ser inesperado, não teve o menor efeito retórico, o genial de Beethoven transformado pela leitura de Foster no banal, influências do musical americano que tem andado tão presente neste início de temporada? As notas com pontos em cima, do Largo, foram feitas como se tivessem suspensões!
O peso dos primeiros andamentos dos três concertos foi exagerado. A situação foi salva nos andamentos finais porque o pianista entra a solo e, qual locomotiva a todo o vapor, Kissin não deu hipótese a Foster, e orquestra, de fazer a coisa andar para trás...
Sobre Kissin, apenas acrescento que estava à espera de melhor, mas no próximo sábado remato este raciocínio após escutar os concertos 4 e 5. A fluência nas passagens estremamente rápidas foi perturbada aqui e ali por alguma trapalhice na articulação e o fraseado teve uns elementos de exuberância juvenil, efeitos mais para chamar a atenção das capacidades técnicas, do que escritos na partitura e desnecessários na economia das três obras. Exuberância impossível de escutar num pianista pensador como Brendel... Muito evidente no rondo do concerto em dó menor. Curiosamente gostei muito da articulação do andamento lento deste concerto, mas ficaram arestas por limar neste largo para se chegar ao excelente.
Nota-se uma evolução notável nestes concertos de Beethoven, que atingirá o clímax intelectual no quarto concerto e o máximo da força no quinto.
As condições de audição na Gulbenkian foram pertubadas em larga medida por um fotógrafo na galeria lateral da sala, que deve ter disparado umas centenas de vezes o obturador da sua ruidosa máquina, nos pianíssimos era certo: clic, clic, clic. De vez em quando lá vinha outro ruído desta zona da sala, uma espécie de crec, crec, crec, do equipamento do fotógrafo e um arrastar de objectos, depois ouvia-se o tripé a ranger e o senhor a bichanar à sua acompanhante. Muito desagradável, penso que poderia comprar uma máquina cem por cento silenciosa, existem no mercado.
Por outro lado existe um ruído de alta frequência, um zumbido horrível que destrói qualquer possibilidade de fruição musical com concentração. A primeira parte do concerto ressentiu-se desse ruído irritante, será o ar condicionado?
Tosses aos milhares e três toques de telemóvel, não está mal, não senhor.
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