31.10.04
Editorial de 27 de Outubro do Público - CCB
Reproduzo aqui, com a devida vénia, o editorial de José Manuel Fernandes no Público de 27 de Outubro, creio que o tema é suficientemente importante para ficar aqui registado. Quem não leu pode aqui reencontrar o assunto, que tem uma aguda actualidade com a nomeação de Guta Moura Guedes para o lugar ocupado anteriormente pelo Dr. Miguel Lobo Antunes, pelo Dr. Motta Veiga e pelo Dr. Miguel Vaz.
H.S.
Terramoto no Centro Cultural de Belém
Quarta-feira, 27 de Outubro de 2004
O CCB tornou-se num lugar central da vida cultural de Lisboa porque os seus programadores gozavam de liberdade criativa - uma liberdade que Fraústo da Silva foi pondo em causa, culminando numa onda de demissões
O Centro Cultural de Belém nasceu envolvido em polémica (devo ter sido dos raros portugueses que apoiaram desde o início o projecto e a sua localização) mas foi rapidamente adoptado pelos lisboetas, primeiro, pelos portugueses, depois, e até pelas elites culturais que tanto o desprezaram. Tornou-se num pólo de atracção da cidade, ajudou a animar a zona de Belém/Jerónimos e, gradualmente, conquistou também um lugar importante, se não mesmo insubstituível, na oferta cultural da capital, inovador, arrojado, capaz de simultaneamente promover eventos de massas - como a celebrada "Festa da Música" - como de montar exposições de vanguarda.
Mais eclético, até por dimensão e vocação, do que Serralves, sobreviveu às polémicas iniciais (algumas bem justificadas, como a derrapagem nos custos de construção), viveu períodos conturbados de gestão, teve e tem apertos financeiros, mas tornou-se uma referência. Para isso muito contribuíram algumas das pessoas que dirigiram a sua programação, com destaque natural para Miguel Lobo Antunes, que lhe conferiu uma indiscutível identidade. A marca de qualidade que foram criando permitiu que, mesmo quando alguns saíram e outros entraram, o CCB sempre tenha resistido aos vaticínios de decadência ou provincianismo.
Durante boa parte deste trajecto a instituição foi presidida por Fraústo da Silva, alguém que era visto como um gestor correcto mas longe do que era a essência do Centro, a sua programação cultural. Essa imagem está hoje irremediavelmente prejudicada. Depois da saída de Miguel Lobo Antunes, cuja forte personalidade e competência o tornavam intocável, o presidente quis ter um protagonismo para o qual não nem vocação nem competência. Pior: começou a querer impor o seu gosto pessoal a algumas escolhas artísticas, intrometendo-se em áreas que não lhe competem e chegando ao ponto de dar ordens que implicavam a mutilação de obras de arte (passou-se com uma performance).
O clima de ingerência e choque, onde o elo mais fraco era sempre o do administrador com o pelouro cultural - o sucessor de Miguel Lobo Antunes, Mota Veiga, assumiria esses choques ao sair - ganhou agora novas proporções ao verificar-se que o presidente entrou em ruptura com os outros dois administradores e, surpreendentemente, foram estes a ser obrigados a sair, abrindo uma crise que está a desfazer a equipa de assessores da área da programação cultural - quando a programação cultural é o coração e o rosto da instituição.
Ora a evolução positiva que permitira ao CCB libertar-se de imagem de "elefante branco" criada aquando da sua construção e que para muito contribuiu a gestão desastrada do secretário de Estado da Cultura de então - um Santana Lopes que sempre mostrou alguma ambivalência ao relação ao projecto lançado por Teresa Gouveia - corre o risco de se inverter. Paradoxalmente, ou talvez não, no exacto momento em que Santana Lopes está de regresso ao poder, agora como primeiro-ministro.
Como é natural, ninguém acredita em coincidências. E como só pode acontecer face aos desenvolvimentos dos últimos dias, há todos os motivos do mundo para temer um futuro conturbado, incaracterístico, desvirtuado na sua essência para um Centro que é, por mérito próprio, um dos ex-libris de Lisboa. Continuará a ser depois deste terramoto?
José Manuel Fernandes
H.S.
Terramoto no Centro Cultural de Belém
Quarta-feira, 27 de Outubro de 2004
O CCB tornou-se num lugar central da vida cultural de Lisboa porque os seus programadores gozavam de liberdade criativa - uma liberdade que Fraústo da Silva foi pondo em causa, culminando numa onda de demissões
O Centro Cultural de Belém nasceu envolvido em polémica (devo ter sido dos raros portugueses que apoiaram desde o início o projecto e a sua localização) mas foi rapidamente adoptado pelos lisboetas, primeiro, pelos portugueses, depois, e até pelas elites culturais que tanto o desprezaram. Tornou-se num pólo de atracção da cidade, ajudou a animar a zona de Belém/Jerónimos e, gradualmente, conquistou também um lugar importante, se não mesmo insubstituível, na oferta cultural da capital, inovador, arrojado, capaz de simultaneamente promover eventos de massas - como a celebrada "Festa da Música" - como de montar exposições de vanguarda.
Mais eclético, até por dimensão e vocação, do que Serralves, sobreviveu às polémicas iniciais (algumas bem justificadas, como a derrapagem nos custos de construção), viveu períodos conturbados de gestão, teve e tem apertos financeiros, mas tornou-se uma referência. Para isso muito contribuíram algumas das pessoas que dirigiram a sua programação, com destaque natural para Miguel Lobo Antunes, que lhe conferiu uma indiscutível identidade. A marca de qualidade que foram criando permitiu que, mesmo quando alguns saíram e outros entraram, o CCB sempre tenha resistido aos vaticínios de decadência ou provincianismo.
Durante boa parte deste trajecto a instituição foi presidida por Fraústo da Silva, alguém que era visto como um gestor correcto mas longe do que era a essência do Centro, a sua programação cultural. Essa imagem está hoje irremediavelmente prejudicada. Depois da saída de Miguel Lobo Antunes, cuja forte personalidade e competência o tornavam intocável, o presidente quis ter um protagonismo para o qual não nem vocação nem competência. Pior: começou a querer impor o seu gosto pessoal a algumas escolhas artísticas, intrometendo-se em áreas que não lhe competem e chegando ao ponto de dar ordens que implicavam a mutilação de obras de arte (passou-se com uma performance).
O clima de ingerência e choque, onde o elo mais fraco era sempre o do administrador com o pelouro cultural - o sucessor de Miguel Lobo Antunes, Mota Veiga, assumiria esses choques ao sair - ganhou agora novas proporções ao verificar-se que o presidente entrou em ruptura com os outros dois administradores e, surpreendentemente, foram estes a ser obrigados a sair, abrindo uma crise que está a desfazer a equipa de assessores da área da programação cultural - quando a programação cultural é o coração e o rosto da instituição.
Ora a evolução positiva que permitira ao CCB libertar-se de imagem de "elefante branco" criada aquando da sua construção e que para muito contribuiu a gestão desastrada do secretário de Estado da Cultura de então - um Santana Lopes que sempre mostrou alguma ambivalência ao relação ao projecto lançado por Teresa Gouveia - corre o risco de se inverter. Paradoxalmente, ou talvez não, no exacto momento em que Santana Lopes está de regresso ao poder, agora como primeiro-ministro.
Como é natural, ninguém acredita em coincidências. E como só pode acontecer face aos desenvolvimentos dos últimos dias, há todos os motivos do mundo para temer um futuro conturbado, incaracterístico, desvirtuado na sua essência para um Centro que é, por mérito próprio, um dos ex-libris de Lisboa. Continuará a ser depois deste terramoto?
José Manuel Fernandes
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