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28.9.04

Festival de Orgão I 

Assisti a três concertos deste Festival. O de abertura pareceu-me um pouco confuso em termos de ideia de programa, é certo que era dedicado a um único tema, o Te Deum, mas com demasiada mistura de estilos, desde o barroco ao pré-contemporâneo, recuso-me a classificar Stanford como contemporâneo, e de intérpretes: João Vaz, António Duarte tocaram orgão a solo (e à vez) e a parte vocal ficou a cargo de Voces Caelestes (coro e solistas) com direcção de Sérgio Fontão. Mas é uma opinião pessoal discutível, a variedade pode justificar-se por se tratar de um concerto de abertura, festivo e com abordagens diversas, quase como um resumo do que se vai seguir.
A Sé estava cheíssima de público, o que mostra a qualidade do Festival e a divulgação feita. Mostra ainda a sede de cultura da população, que com entrada livre acorre em massa e ávida de música de qualidade. Nota positiva ao público que se portou com a dignidade que estes concertos merecem e escutou atentamente as obras batendo palmas apenas no final, como pedido inicialmente. A praga dos telemóveis a fazer-se sentir apenas uma vez. A minha opinião é que um toque de telemóvel num concerto devia dar direito a prisão, mas...
Dispensava-se o discurso do cónego Pereira da Silva, simpático e atencioso para o Festival. Louva-se a atitude do patriarcado ao incentivar de forma tão calorosa o Festival, quando a igreja católica pensa em proibir a música nos seus templos em concerto. Mas foi repetitivo, o texto está na íntegra no programa do festival e, portanto, fastidioso.

Destaco a voz da solista Marisa Figueira no conjunto dos solistas pela consistência, segurança, timbre e força. O conjunto solista poderia estar melhor integrado em termos de conjunto e às vezes as vozes mostraram-se algo agrestes. O coro esteve empastelado e pouco acutilante na entradas no Te Deum de Scarlatti (e mesmo em Mendelssohn) com desafinações aqui e ali; deveria transmitir mais felicidade e pathos barroco. Os agudos, muito elevados por força do orgão ser moderno e afinado muito alto, sairam difíceis nas vozes resultando muito despidos e duros. Curiosamente em Mendelssohn (Te Deum) o coro voltou a estar pouco alegre, o Te Deum é júbilo mas esse júbilo não transpareceu. Uma interpretação certinha e sem muita chama de Fontão. Notei tempos muito mortos, pouca acentuação e pouca clareza. A dicção em latim esteve razoável, no inglês de Stanford esteve péssima, o que parece surpreendente. Mas não esqueço que o latim foi língua de igreja durante dois mil anos e as obras compostas em latim o foram declaradamente para a igreja, no entanto a obra de Stanford é apenas uma peça de circunstância para uma coroação real. Não sei se estes efeitos influem na percepção do texto, creio que sim.

Mas o concerto acabou por ser agradável, Domenico Scarlatti tem um Te Deum com uma escrita espantosa a oito vozes mais baixo contínuo. Eu tinha apenas consultado anteriormente em manuscrito num documento que existe no arquivo da Sé de Lisboa. A audição da obra suplanta a mera leitura em muito. Percebe-se, ouvindo, o resultado notável de um contraponto pairante e etéreo, produto da escola romana onde Domenico esteve antes de Lisboa, um contraponto leve de escutar e ao mesmo tempo denso na técnica e na textura escrita. Sem esquecer que a obra tem um ritmo dançante patente nos seus ritmos ternários verdadeiramente transbordantes. Ouvi-lo no local próprio, cantado no coro alto da Sé, onde a acústica foi pensada para a música, é realmente excelente, mesmo com os defeitos citados. Foi nesta obra que a interpretação esteve melhor preparada. Scarlatti é um génio e torna-se muito difícil explicar os efeitos que tem música deste alcance nos estados de alma. Apenas ouvindo. Saí do concerto com alegria, mesmo com os pontos a melhorar, penso que o concerto foi razoável.

Henrique Silveira

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