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11.9.04

A electroacústica e a crítica 


Sou um amante de música antiga (a caminho de uma depressão profunda porque os concertos da próxima temporada se contam pelos dedos — Huum… Acho que vou enviar a conta do psicólogo à Gulbenkian ou à PT que acabou com os concertos Em Órbita!), mas sou também um espírito aberto e curioso. Por isso tenho ido espreitar alguns dos concertos desse peculiar microcosmos que é o Festival Música Viva, autêntico círculo de “musica reservata” instalado em pleno Teatro Aberto. Mas não vou fazer aqui crítica. Além de não me apetecer é uma área que não domino e para a qual tenho insuficientes pontos de comparação. Não adianjta dizer que a obra X era uma seca interminável ou que a obra Y tinha uns sons fantásticos resultantes da distorção da onda Z, muito menos que a interpretação da Orquestra de Altifalantes foi mais inspirada no concerto das 18h30 do que no das 22h. Ainda se fosse electroacústica barroca ou maneirista! Aí talvez escrevesse qualquer coisita. Felizmente os compositores desse tempo não podiam dispôr de modernices tecnológicas para disfarçar a falta de talento (e isto não é nenhuma ofensa para os actuais, em todas as épocas há bons e maus compositores, quem não deve não teme…). Não me interpretem mal. O Música Viva é um festival muito meritório, não tenho nada contra a electroacústica (bem pelo contrário) e compreendo que é uma área revolucionário e fascinante (talvez mais para quem compõe do que para quem ouve…) e que à semelhança do que acontece em todos os períodos se produzem centenas de obras medíocres ou medianas e só algumas escassas dezenas que têm realmente valor artístico e ficam para a posteridade.
A imprensa oficial, além de antecipações, também não costuma dar grande cobertura crítica a estas coisas. O Público publica hoje entrevista e crítica a Trevor Wishart (pois, o costume… joga-se pelo seguro, é mais fácil e menos arriscado falar de um compositor plenamente afirmado com grande carreira internacional… estou para ver se vai sair algum comentário crítico às obras em estreia ou ao trabalho daqueles compositores de nomes obscuros que não se sabe muito bem quem são…). E quem poderia em Portugal fazer crítica de música electroacústica com verdadeiro conhecimento de causa? Mesmo no plano académico internacional a análise deste tipo de manifestação sonora tem ainda um longuíssimo caminho a percorrer. É um campo com meio século de história mas ainda demasiado experimental, onde vale tudo e onde é muito fácil ludibriar o ouvinte, os colegas mais ingénuos, os musicólogos e os críticos com artifícios técnicos e teorias estéticas.
Como para qualquer outra área, é preciso alguém que domine a matéria “por dentro e por fora”, o que num campo tão específico e complexo provavelmente só acontece com os próprios compositores. Ora, como é sabido os compositores costumam ser perigosos como críticos porque raramente conseguem ser imparciais. Pior a emenda que o soneto! Musicólogos? Quantos são especialistas em música contemporânea (já nem digo electroacústica) e quantos se vêem nos concertos? Instrumentistas? Só aparecem quando têm que tocar. No caso da música electrónica como a maior parte das obras prescindem dos instrumentos acústicos as hipóteses reduzem-se ainda mais… O A. M. Seabra? Não, muito obrigada. Já estamos fartos de textos pedantes tão intragáveis como algumas composições electroacústicas.
E quem se interessará em Portugal por ler críticas de música electroacústica? Compositores estrangeiros com carreira feita que visitam festivais como o Música Viva devem estar-se nas tintas. Quando muito têm uma pontita de curiosidade: “vamos lá ver que banalidades dizem estes provincianos sobre as minhas obras…” Se forem compositores portugueses o caso muda de figura. Dão imensa importância a qualquer frasezita despretenciosa que apareça na imprensa, mesmo que até nem confiem nos críticos. Quanto ao número de leitores é relativamente fácil de calcular: o compositor, a mãe do compositor, o namorado(a) (mulher ou marido, se for o caso), os organizadores do concerto ou festival, meia dúzia de colegas compositores (dos quais pelo menos metade têm a ambição secreta de que a crítica diga mal…), dois ou três alunos se o compositor for professor, dois ou três amigos também ligados à música, um ou dois colegas ou amigos do crítico com mais propensão para a música contemporânea que por acaso compraram o jornal naquele dia, com sorte alguns curiosos (que raramente ultrapassam a meia dúzia). Total = entre as 15 e as 25 pessoas. E o Wishart ainda diz que "os computadores estão a redemocratizar a nova música"...
Posto isto acho que vou pôr um CD e ouvir um pouco de Bach. Não! Para provar que não sou assim tão conservador como estão para aí a pensar vou antes ouvir uns motetes da “Ars Subtilior” escritos por uns tipos dos finais do século XIV que eram quase tão esotéricos como os electroacústicos de hoje.

Vasco Garrido

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