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16.8.04

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Mindelo, Ilha de São Vicente, Novembro/Dezembro de 1999. Dia de descanso na praia, ao fim de um mês a fazer entrevistas e a recolher dados e demais informações para a tese de mestrado.

Estendi-me na areia para ganhar energias e nem me apercebi que ao meu lado estava um grupo de “meninos de rua” a desafiar-me para brincar, mergulhar, ou simplesmente para trocar um sorriso. Tinham entre os 4 e 8 anos, uma energia infinita, vestiam algo que servia de calções de banho e deitavam-se em cima de cartões de papelão com o triplo do seu tamanho. Sorri para eles mas não avancei mais, continuei a ler o meu livro, a organizar as minhas ideias, a mergulhar e a desfrutar a magnífica vista e silêncio.

As investidas continuaram, meteram conversa comigo, pediram a minha pulseira… dizendo que era só para dar uma voltinha! Aproximaram os seus cartões da minha toalha e ficámos ali um bom par de horas, partilhando o silêncio.

Queria dar-lhes alguma coisa que não a minha pulseira, algo que fizesse com que o dia deles fosse diferente! Contei o dinheiro na esperança de ter o suficiente para comprar gelados para todos eles. Bolas, não chegava!

Quando sai da praia passei pelo bar que se situava em frente, com a ideia de me sentar a beber e petiscar algo, embora não me sentisse muito confortável por o fazer. Deitei um último olhar em jeito de despedida e avancei. Sentei-me na minúscula esplanada, rodeada por um varão que impedia que os “meninos de rua” “incomodassem” quem ali se pudesse sentar.

Dois dos meninos de rua, cujo nome nunca soube, sentaram-se num murinho em frente, muito sossegados, com aquele sorriso genuíno de criança e uma expressão de quem tem todo o tempo do mundo.

Fiquei sem saber o que fazer, já tinha na minha mesa uma tosta mista e uma Coca-Cola e os gelados, a um preço exorbitante, encontravam-se ali na arca frigorífica mesmo ao meu lado. Mal, ou bem, pensei que não podia comprar gelados para aqueles dois, correndo o risco de no minuto imediato ter mais vinte à minha volta, e eu, eu, e eu??

Lembrei-me que tinha no meu saco de praia um pacote de bolachas, por abrir. Tirei-o, chamei-os e disse-lhes tomem é para vocês os dois. Foi o mais crescido que me estendeu a mão, esboçou um sorriso ainda maior e agradeceu, pegou na mão do amigo e voltaram a sentar-se no muro à minha frente. Por essa altura, já o restante grupo jogava futebol na praia com uma bola de cartão. Fiquei atenta para ver o que é que eles faziam com o pacote, cheguei a pensar que o iriam deixar ali, julgando que o que eles queriam era um rebuçado, ou os tais gelados.

Ficaram uns cinco minutos com o pacote na mão, até o decidirem abrir. Foi o mais crescido que mais uma vez tomou a iniciativa, abriu com muito cuidado a embalagem de cartão e posteriormente, ainda com mais cuidado, o invólucro de plástico. Tiraram as bolachas todas, colocaram-nas em cima do colo e uma a uma foram dividindo e guardando-as entre a embalagem de cartão e o plástico. No final cada um deles comeu duas bolachas, olharam mais uma vez para mim, voltaram a sorrir, guardaram as bolachas e juntaram-se aos outros “meninos de rua” a jogar futebol.

Afinal foram eles que fizeram com que o meu dia fosse diferente!

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