17.8.04
Jan Dismas Zelenka
Nasceu em 1679, em Loudovice na Boémia, filho de um organista, foi educado num colégio jesuíta de Praga. Foi sempre católico e manteve contacto com os jesuítas dos quais recebeu encomendas várias ao longo da vida.
Em 1710 foi para Dresden onde se começou a destacar como contrabaixista desta corte.
Manteve-se em Dresden até ao final dos seus dias em 1745, deslocou-se a Itália, Viena e Praga durante a vida. Foi contemporâneo de Bach. Nunca casou. Ninguém lhe conhece a face, não há nenhuma pintura ou gravura com Zelenka.
Na corte de Dresden obteve em 1730 o posto remunerado de Compositor de Música de Igreja da Corte do Eleitor da Saxónia e Rei da Polónia. Augusto o Forte tinha-se convertido formalmente ao catolicismo para aceitar a coroa, também ela fruto de uma eleição dos nobres da Polónia reunidos na célebre Dieta polaca. O título de rei da Polónia era apenas decorativo uma vez que não detinha quaisquer poderes de facto. Repare-se que Dresden e a Saxónia com Leipzig incluído, onde Bach exercia as funções de Cantor, era um estado eminentemente luterano. Zelenka ficou encarregue de compor a música para as cerimónias católicas. Curiosamente Bach recebeu também o título de compositor da corte de Dresden, título este não remunerado e apenas honorífico, mas essa é uma história que vamos continuar na série "Uma voz por parte".
Em 1723, ano marcante também para Bach, Zelenka compõe obras encomendadas pelos Jesuítas para celebrar a coroação do Imperador Carlos VI, coroação que teve lugar em Praga, capital da Boémia natal de Zelenka. A qualidade da obra musical é tão elevada que Zelenka é celebrado como um dos maiores compositores do seu tempo. Bach apreciava de tal forma a sua obra que mandou um dos seus filhos a Dresden para copiar um Magnificat para ser executado na igreja de S. Tomé de Leipzig.
Nunca constou que Zelenka tivesse falado ou escrito sobre Bach, mas certamente conheciam-se e estimavam-se. Não há documentos que provem que Zelenka conhecesse Bach apesar dos documentos que demonstram que Bach conhecia a obra do colega. A falta de documentação sobre Zelenka não é alheia às devastações causadas pelo horrível bombardeamento de Dresden que destruiu grande parte da sua obra ainda por copiar e por editar o mesmo acontecendo à obra do seu antecessor, Schütz, num dos mais trágicos desastres culturais da história da Humanidade.
São célebres e estão documentadas as deslocações de Bach a Dresden para tocar orgão durante horas em algumas das suas igrejas mais importantes. Estes acontecimentos reuniam multidões de músicos e curiosos ansiosos por escutarem o fenomenal Bach e a sua técnica de digitação incrível que executava as obras mais complexas com uma suavidade e com uma economia de gestos que deixava atónitos os seus contemporâneos e o crítico Johann Adolf Scheibe que descreveu precisamente a técnica superlativa de Bach. O mesmo crítico que primeiro massacrou a obra de Bach e depois se rendeu à música de Bach, mas afasto-me de novo do assunto. Numa sociedade pequena seria impossível Zelenka desconhecer a obra de Bach.
A música de Zelenka é no entanto totalmente diferente da de Bach, não por ser uma música com exclusiva raiz monódica como a de muitos "modernistas" da época. Zelenka era apreciado pelo contraponto tal como Bach o foi. Bach disse inclusivamente que Jan Dismas era um excelente compositor de fugas. A música de Zelenka é diferente porque católica na sua sua essência. O cantus firmus é usado de forma mais directa do que em Bach, não existem corais, mas os coros são muito trabalhados e as árias também. As obras de igreja como salmos e motetes não têm recitativos secos. As missas também não, como é evidente. Zelenka é absolutamente genial no tratamento dramático, diria quase sinfónico avant la letre, das introduções orquestrais, na fusão da orquestra com os coros, exemplo o Gloria in Excelsis Deo da Missa Dei Filli zwv 20, o final é um tour de force deslumbrante com entre as vozes e a orquestra os sopranos a desafiarem à desgarrada os violinos num efeito de extraordinária beleza e efeito de uma alegria transbordante atingindo a emoção desejada com uma eficácia total. Esta utilização quase instrumental das vozes de forma a criarem efeitos e timbres misturando-se no contraponto orquestral é também um dos pontos mais altos da arte de Bach, mas o tom é sempre muito diferente nos dois colegas. Impossível de descrever recomendo a audição para se perceber oa diferenças. Recordo o impressionante Miserere em dó menor (que aparece no último filme de Almodovar) com uma entrada de um dramatismo, esmagadora diria, que antecipa a música religiosa de Mozart em 40 anos. O uso dos metais e sopros é indicador de uma capacidade musical estremamente evoluída e de uma originalidade espantosa.
Zelenka é inovador pelo choque emocional que é capaz de causar, pelas variações harmónicas, pelo uso de acordes complexos que mais tarde se generalizaram. Pelo liberdade com que usa as regras da composição, que dominava profundamente, para chegar ao efeito retórico pretendido. Repare-se no uso dos graves no Salmo 130 "De profundis" zwv 50 ou no requiem em dó menor zwv 48.
Zelenka é sobretudo original e desconcertante, tão desconcertante que muitas vezes diriamos estar a ouvir Haydn ou Mozart em vez de um compositor nascido antes de Bach pouco depois da morte de Schütz.
Zelenka no seu tempo era considerado como um dos maiores compositores, mais do que Bach, hoje volta a renascer das cinzas dos bombardeamentos de Dresden mercê das muitas cópias que colegas, que admiravam a sua obra, faziam.
Recomendo os CDs:
De Profundis Miserere Requiem
Pelo ensemble "Il Fondamento" com direcção de Paul Dombrecht.
ed passacaille 9228
Hasse Zelenka (Música dos dois grandes nomes de Dresden)
Dresdner Kammerchor, Dresdner Barockorchester, dir Hans-Christoph Rademan
ed Raum Klang RK 9702
Missa dei Patris
Barockorchester Stuttgart, Kammerchor Stuttgart, dir Frieder Bernius
Carus 83.209
As interpretações são irregulares, tavez com a excepção do disco da passacaille, mas são documentos muito interessantes para conhecer o esquecido Zelenka.
Encomendei ainda
disco 1 e disco 2, farei brevemente aqui uma crítica destes vários discos.
Em 1710 foi para Dresden onde se começou a destacar como contrabaixista desta corte.
Manteve-se em Dresden até ao final dos seus dias em 1745, deslocou-se a Itália, Viena e Praga durante a vida. Foi contemporâneo de Bach. Nunca casou. Ninguém lhe conhece a face, não há nenhuma pintura ou gravura com Zelenka.
Na corte de Dresden obteve em 1730 o posto remunerado de Compositor de Música de Igreja da Corte do Eleitor da Saxónia e Rei da Polónia. Augusto o Forte tinha-se convertido formalmente ao catolicismo para aceitar a coroa, também ela fruto de uma eleição dos nobres da Polónia reunidos na célebre Dieta polaca. O título de rei da Polónia era apenas decorativo uma vez que não detinha quaisquer poderes de facto. Repare-se que Dresden e a Saxónia com Leipzig incluído, onde Bach exercia as funções de Cantor, era um estado eminentemente luterano. Zelenka ficou encarregue de compor a música para as cerimónias católicas. Curiosamente Bach recebeu também o título de compositor da corte de Dresden, título este não remunerado e apenas honorífico, mas essa é uma história que vamos continuar na série "Uma voz por parte".
Em 1723, ano marcante também para Bach, Zelenka compõe obras encomendadas pelos Jesuítas para celebrar a coroação do Imperador Carlos VI, coroação que teve lugar em Praga, capital da Boémia natal de Zelenka. A qualidade da obra musical é tão elevada que Zelenka é celebrado como um dos maiores compositores do seu tempo. Bach apreciava de tal forma a sua obra que mandou um dos seus filhos a Dresden para copiar um Magnificat para ser executado na igreja de S. Tomé de Leipzig.
Nunca constou que Zelenka tivesse falado ou escrito sobre Bach, mas certamente conheciam-se e estimavam-se. Não há documentos que provem que Zelenka conhecesse Bach apesar dos documentos que demonstram que Bach conhecia a obra do colega. A falta de documentação sobre Zelenka não é alheia às devastações causadas pelo horrível bombardeamento de Dresden que destruiu grande parte da sua obra ainda por copiar e por editar o mesmo acontecendo à obra do seu antecessor, Schütz, num dos mais trágicos desastres culturais da história da Humanidade.
São célebres e estão documentadas as deslocações de Bach a Dresden para tocar orgão durante horas em algumas das suas igrejas mais importantes. Estes acontecimentos reuniam multidões de músicos e curiosos ansiosos por escutarem o fenomenal Bach e a sua técnica de digitação incrível que executava as obras mais complexas com uma suavidade e com uma economia de gestos que deixava atónitos os seus contemporâneos e o crítico Johann Adolf Scheibe que descreveu precisamente a técnica superlativa de Bach. O mesmo crítico que primeiro massacrou a obra de Bach e depois se rendeu à música de Bach, mas afasto-me de novo do assunto. Numa sociedade pequena seria impossível Zelenka desconhecer a obra de Bach.
A música de Zelenka é no entanto totalmente diferente da de Bach, não por ser uma música com exclusiva raiz monódica como a de muitos "modernistas" da época. Zelenka era apreciado pelo contraponto tal como Bach o foi. Bach disse inclusivamente que Jan Dismas era um excelente compositor de fugas. A música de Zelenka é diferente porque católica na sua sua essência. O cantus firmus é usado de forma mais directa do que em Bach, não existem corais, mas os coros são muito trabalhados e as árias também. As obras de igreja como salmos e motetes não têm recitativos secos. As missas também não, como é evidente. Zelenka é absolutamente genial no tratamento dramático, diria quase sinfónico avant la letre, das introduções orquestrais, na fusão da orquestra com os coros, exemplo o Gloria in Excelsis Deo da Missa Dei Filli zwv 20, o final é um tour de force deslumbrante com entre as vozes e a orquestra os sopranos a desafiarem à desgarrada os violinos num efeito de extraordinária beleza e efeito de uma alegria transbordante atingindo a emoção desejada com uma eficácia total. Esta utilização quase instrumental das vozes de forma a criarem efeitos e timbres misturando-se no contraponto orquestral é também um dos pontos mais altos da arte de Bach, mas o tom é sempre muito diferente nos dois colegas. Impossível de descrever recomendo a audição para se perceber oa diferenças. Recordo o impressionante Miserere em dó menor (que aparece no último filme de Almodovar) com uma entrada de um dramatismo, esmagadora diria, que antecipa a música religiosa de Mozart em 40 anos. O uso dos metais e sopros é indicador de uma capacidade musical estremamente evoluída e de uma originalidade espantosa.
Zelenka é inovador pelo choque emocional que é capaz de causar, pelas variações harmónicas, pelo uso de acordes complexos que mais tarde se generalizaram. Pelo liberdade com que usa as regras da composição, que dominava profundamente, para chegar ao efeito retórico pretendido. Repare-se no uso dos graves no Salmo 130 "De profundis" zwv 50 ou no requiem em dó menor zwv 48.
Zelenka é sobretudo original e desconcertante, tão desconcertante que muitas vezes diriamos estar a ouvir Haydn ou Mozart em vez de um compositor nascido antes de Bach pouco depois da morte de Schütz.
Zelenka no seu tempo era considerado como um dos maiores compositores, mais do que Bach, hoje volta a renascer das cinzas dos bombardeamentos de Dresden mercê das muitas cópias que colegas, que admiravam a sua obra, faziam.
Recomendo os CDs:
De Profundis Miserere Requiem
Pelo ensemble "Il Fondamento" com direcção de Paul Dombrecht.
ed passacaille 9228
Hasse Zelenka (Música dos dois grandes nomes de Dresden)
Dresdner Kammerchor, Dresdner Barockorchester, dir Hans-Christoph Rademan
ed Raum Klang RK 9702
Missa dei Patris
Barockorchester Stuttgart, Kammerchor Stuttgart, dir Frieder Bernius
Carus 83.209
As interpretações são irregulares, tavez com a excepção do disco da passacaille, mas são documentos muito interessantes para conhecer o esquecido Zelenka.
Encomendei ainda
disco 1 e disco 2, farei brevemente aqui uma crítica destes vários discos.
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