19.7.04
O crítico errou!
Devo dizer que me enganei! Schönberg concebeu a Verklärte Nacht op. 4 no final do Verão de 1899, a concepção dos GurreLieder surge em Fevereiro de 1900. O meu erro deriva do facto de me lembrar apenas da data de orquestração da Noite que data de 1917 já bem depois da atonalidade de Pierrot Lunaire de 1912. Aliás os GurreLieder são de uma estética totalmente ultrapassada por Schönberg à data da sua conclusão 1911. Só foram orquestrados de forma sistemática depois de 1903 e sobretudo a partir de 1907, já Schönberg tinha travado contacto com Mahler o que inspirou uma orquestração tão pesada.
No entanto o meu erro retira pouco ao que afirmei. Gurrelieder é uma obra de juventude, 27 anos, em que Schönberg quer provar algo e é desregradamente megalómano. Quando se inspira em literatura, o que faria a vida inteira, e compõe de forma livre uma obra de um cromatismo exuberante, atinge um patamar sublime da arte musical: A Noite Tranfigurada op. 4 para sexteto de cordas. Sexteto inspirado musicalmente em termos de pathos e visão harmónica em Wagner. No melhor que Wagner deixou: a sensibilidade, o cromatismo, a inteligência musical e harmónica tão audíveis em Tristan. Claro que há um ponto que as palavras não conseguem explicar: o absoluto génio de Wagner impossível de traduzir em contextos harmónicos, melódicos ou outros, as receitas de Wagner usadas por outro qualquer quase nunca resultaram. Schönberg percebeu que o caminho não era copiar Wagner no cromatismo e na desmesura do peso dos sopros e dos metais ou Mahler na dimensão orquestral e coral. O caminho mínimo da Sinfonia de Câmara, ainda embebida nas concepções tonais, ou das peças para piano op. 11, ou do Pierrot, muito falado mas pouco ouvido, são a direcção que levou Schönberg ao nível de um grande compositor e revolucionário.
Finalmente, e como dizia anteriormente, a teorização posterior dos formalisms composicionais, com o anúncio de 1922 da descoberta que iria "colocar a música alemã na vanguarda musical por cem anos": a série e o dodecafonismo, levou a uma esterilização que a década de 1910 não fazia supor. Schönberg é eterno, em meu entender, pelo que fez nos anos de atonalidade pura. O medo da anarquia, a procura da ordem, o fugir do caos, o terror de não conseguir encontrar uma análise coerente numa partitura, o medo de ser chamado ignorante em termos teóricos, acabou por espartilhar a sua música.
Curioso que ninguém tenha reparado na grossa asneira que fiz ao situar os Guerrelieder antes da Verklärte Nacht e que detectei por mim próprio. Onde se prova mais uma vez que pequenos erros e minudências, como um acento fora do lugar, suscitam enormes comentários em alguns que se pretendem passar por versados na arte musical, mas erros de palmatória como o que eu cometi passam bem despercebidos numa comunidade cheia de pretensões mas com pouca profundidade. Se eu tivesse falado das fífias de uma flauta da sinfónica e estas tivessem sido dadas pelo flautim teria recebido diversos emails de protesto! Creio que existe demasiada arrogância e pouca sapiência na classe musical portuguesa, com raras e honrosas excepções, claro! Por esse motivo e outros, este blogue continua a ter um papel importante e independente.
H. Silveira
P.S. Fotos de A. Schönberg em 1900 e 1911.
No entanto o meu erro retira pouco ao que afirmei. Gurrelieder é uma obra de juventude, 27 anos, em que Schönberg quer provar algo e é desregradamente megalómano. Quando se inspira em literatura, o que faria a vida inteira, e compõe de forma livre uma obra de um cromatismo exuberante, atinge um patamar sublime da arte musical: A Noite Tranfigurada op. 4 para sexteto de cordas. Sexteto inspirado musicalmente em termos de pathos e visão harmónica em Wagner. No melhor que Wagner deixou: a sensibilidade, o cromatismo, a inteligência musical e harmónica tão audíveis em Tristan. Claro que há um ponto que as palavras não conseguem explicar: o absoluto génio de Wagner impossível de traduzir em contextos harmónicos, melódicos ou outros, as receitas de Wagner usadas por outro qualquer quase nunca resultaram. Schönberg percebeu que o caminho não era copiar Wagner no cromatismo e na desmesura do peso dos sopros e dos metais ou Mahler na dimensão orquestral e coral. O caminho mínimo da Sinfonia de Câmara, ainda embebida nas concepções tonais, ou das peças para piano op. 11, ou do Pierrot, muito falado mas pouco ouvido, são a direcção que levou Schönberg ao nível de um grande compositor e revolucionário.
Finalmente, e como dizia anteriormente, a teorização posterior dos formalisms composicionais, com o anúncio de 1922 da descoberta que iria "colocar a música alemã na vanguarda musical por cem anos": a série e o dodecafonismo, levou a uma esterilização que a década de 1910 não fazia supor. Schönberg é eterno, em meu entender, pelo que fez nos anos de atonalidade pura. O medo da anarquia, a procura da ordem, o fugir do caos, o terror de não conseguir encontrar uma análise coerente numa partitura, o medo de ser chamado ignorante em termos teóricos, acabou por espartilhar a sua música.
Curioso que ninguém tenha reparado na grossa asneira que fiz ao situar os Guerrelieder antes da Verklärte Nacht e que detectei por mim próprio. Onde se prova mais uma vez que pequenos erros e minudências, como um acento fora do lugar, suscitam enormes comentários em alguns que se pretendem passar por versados na arte musical, mas erros de palmatória como o que eu cometi passam bem despercebidos numa comunidade cheia de pretensões mas com pouca profundidade. Se eu tivesse falado das fífias de uma flauta da sinfónica e estas tivessem sido dadas pelo flautim teria recebido diversos emails de protesto! Creio que existe demasiada arrogância e pouca sapiência na classe musical portuguesa, com raras e honrosas excepções, claro! Por esse motivo e outros, este blogue continua a ter um papel importante e independente.
H. Silveira
P.S. Fotos de A. Schönberg em 1900 e 1911.
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