<$BlogRSDUrl$>

4.6.04

O afã da viagem 



CONSOLO NA PRAIA
Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade

Intercidades Lisboa-Coimbra. Duas horas repimpada a ler ou a olhar a paisagem. Uma ida ao bar, para refrescar e desentorpecer as pernas. Duas horas escapando à gravidade do tempo, deitando, janela fora, no manto verde que acompanha o olhar, fardos, decisões, protestos.
As viagens têm este poder simbólico, sejam de comboio de carro ou de avião. Mas as de comboio têm o condão de serem as mais confortáveis. E de, a cada para-arranca dessas velhas estações do Portugal, do embalo, do barulho da maquinaria a rolar nos carris se libertarem memórias de outras viagens, tempos lentos.
Não admira que os maquinistas sejam tipos bem dispostos. Muitíssimo mais que pilotos, comissários de bordo e hospedeiras. De chegada ou de partida, na sala de espera, trocam saudações e histórias com velhos colegas, em trânsito. Como explicam o seu bom humor? É o afã da viagem.
Clara

Arquivos

This page is powered by Blogger. Isn't yours?